Tragédia na Região Serrana do RJ

Tragédia na Região Serrana do RJ

15 de fevereiro de 2011

O perigo de repeteco em 2012 – Alerta de cientistas para que novas tragédias sejam evitadas

O professor Nelson Fernandes explica que, nas encostas, sempre há blocos de rocha soltos, aparentemente fixados por uma camada fina de terra escondidos por vegetação rasteira.
A terra encharcada desliza com facilidade e arrasta o que tiver pela frente.


 


 


Nessas duas últimas décadas, como jornalista da Folha do Meio Ambiente,  acompanho as grandes tragédias ambientais no Rio de Janeiro. O jornal registrou várias denúncias de centenas de empresários que burlaram a legislação ambiental e não foram punidos. O caso mais emblemático foi das empresas que ganharam a licitação no Programa de Despoluição da Baia de Guanabara – PDBG e terceirizaram as obras. As conseqüências foram desastrosas, causando mais poluição à Baia, no final dos anos 90.  Em 2007, dezenas de funcionários da  extinta FEEMA, atualmente INEA- Instituto Estadual do Ambiente, foram processados e demitidos por venda de licenças ambientais.  Os corruptores, parece, ainda estão impunes.




 O histórico na região é de temporal. Para evitar destruição e mortes, há três coisas a fazer: se precaver na escolha do terreno, se precaver na construção e se precaver em época das chuvas.


 


O jogo das licenças ambientais


Além disso, havia uma portaria  da Fundação Superintendência Estadual Rios e Lagoas-SERLA (15/76 de 18/03/76) que determinava como faixa marginal  de proteção 15 metros para cada margem do rio, foi revogada pelo INEA – Instituto Estadual do  Ambiente, órgão que substituiu a SERLA.  Essa portaria foi utilizada por, aproximadamente, 30 anos. Muitas construções da região Serrana, como Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, foram licenciadas com base nessa Portaria, que contrariava o Código Florestal. Agora, uma das mudanças propostas pelo projeto de alteração desse Código é exatamente essa, diminuir de 30 metros para l5 metros a faixa marginal de proteção dos rios, lagoas. E por quê a modificação? A resposta é simples: por pressão dos poderosos ligados ao mercado imobiliário.
?Chuvas torrenciais, escorregamentos de morros, deslizamentos, vales tomados pela águas dos rios, avalanches de lama, tudo isto é recorrente, no Rio de Janeiro e em toda região Serrana?, explicou Nelson Ferreira Fernandes, professor do Instituto de Geociências da UFRJ. O professor está acompanhando trabalho de campo junto com a equipe do DRM/RJ- Departamento de Recursos Minerais. Foi o professor Nelson, também, que participou das pesquisas de campo, em 1996, quando ocorreram chuvas torrenciais, escorregamentos no pico da Pedra Branca, na zona oeste do Rio e no maciço da Tijuca, causando 100 mortes.
“Os índices pluviométricos de l996 foram exatamente os mesmos da região serrana agora em janeiro de 2011. Foram 200mm em 24 horas. Só que a região afetada em 96 era pouco habitada”, lembra o professor Fernandes.



O professor Nelson Fernandes, com vasta experiência nos estudos de erosão de solo, hidrologia e processos geomorfológicos, vem acompanhando cientificamente as tragédias provocadas pelas chuvas na região serrana.


 


Promessa solene


“Nenhum país é imune aos desastres naturais, mas no Brasil não podemos e não iremos esperar os próximos anos e as próximas chuvas para chorar as próximas vítimas. Precisamos de dados confiáveis para alertar a população a tempo. Vamos ajudar as cidades e os Estados a identificar as áreas de risco, a construir obras de prevenção e ofereceremos aos moradores novas habitações através do programa Minha Casa, Minha Vida.”


Da presidente Dilma Rousseff ao participar da primeira sessão  legislativa do Congresso Nacional após a posse dos deputados e senadores, ocorrida dia 2 de fevereiro, em Brasília.


Trabalho preventivo


COMO EVTAR NOVAS TRAGÉDIAS


Não é complicado evitar as tragédias. Já existem tecnologias e conhecimento suficiente para realizar um trabalho preventivo.


O professor Nelson Fernandes, com a experiência de um doutorado  em Geologia/Geomorfologia, na Universidade  da Califórnia, Berkeley-EUA, deu uma explicação didática de como acontecem as tragédias e como evitá-las.


Para identificar os locais perigosos há que fazer um mapeamento detalhado, com análise de todo o terreno no entorno. Nas encostas, sempre há blocos de rocha soltos, aparentemente fixados por uma camada fina de terra escondidos por vegetação rasteira. A terra encharcada desliza com facilidade e arrasta o que tiver pela frente.


Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo são cidades construídas nas encostas e nos vales. Não há como mudar. A tecnologia permite a análise de risco e também como construir com segurança, mas requer investimentos substanciais.


Há que se fazer treinamento da população para saber como proceder diante da iminência de fortes temporais. Nos mesmos moldes que japoneses e norte-americanos fazem treinamento contra tornados, incêndios e terremotos, especialmente na Califórnia.


Tanto as universidades como as escolas de nível médio precisam dar mais ênfase à educação ambiental. Ou com cursos de extensão ou com aulas de noção de ecologia e respeito à natureza.


Registro histórico dos temporais


Para o professor Nelson Fernandes, o histórico é de temporal. Para evitar mortes, há que se precaver. Veja este histórico:


1962 – O temporal que abateu o Rio de Janeiro em 1962 registrou índices pluviométricos de 242mm.


1966 – O volume de chuvas em 66 no Rio foi também de 200mm.


1967 – Neste ano aconteceu a pior tragédia do Estado, na Serra das Araras, município de Piraí, no local conhecido como Ponte Coberta. Foram 1.400 mortes por soterramento, num temporal que registrou um volume de chuvas de 275mm em algumas horas. A cidade do Rio também foi muito castigada pela enchente,


1987 – As enchentes de Petrópolis e Teresópolis, em 1987, causaram 292 mortos com índices pluviométricos similares.


1988 – O fenômeno se repete em Petrópolis e na baixada fluminense com aproximadamente 300 mortes.


2011 – Em 24 horas, dia 11 de janeiro, choveu mais ou menos 200mm. O deslizamento de terra é um fenômeno recorrente. Está dentro da série histórica. A ocupação desordenada das encostas e a urbanização desenfreada só fez aumentar o número de mortes.


Visão da Folha do Meio Ambiente


Na edição de maio de 1996, a Folha do Meio Ambiente – em matéria assinada pela repórter Zilda Ferreira – fez uma ampla matéria mostrando que o Rio de Janeiro era uma bomba ambiental prestes a explodir, se providências profundas não fossem tomadas. Outras matérias vieram em seguida. Há, portanto, 15 anos, em várias reportagens o jornal cobra providências relativas à ocupação irregular das encostas, dos vales e dos mangues. Cobra uma solução permanente para a não poluição dos cursos d?água. Sim, para despoluir um rio, basta deixar de poluí-lo. O resto a natureza, sempre magnânima, dá conta do recado. A constante em todas as matérias é a  omissão do poder público – executivo, legislativo e judiciário – em relação à favelização da área urbana, jeitinhos na liberação do licenciamento ambiental e ocupação irregular do solo. Plantou-se tanta omissão, descaso, desleixo e politicagem que o Rio de Janeiro, São Paulo e outras partes do Brasil começam a colher esta safra de tragédias. Tanto o Estado como a sociedade fizeram vistas grossas para esta bomba ambiental que estava sendo armada. Não desarmaram a bomba e, duas décadas depois ela começa a explodir. Enquanto isto, a mídia só cobra providências quando as tragédias acontecem, o governo só libera dinheiro quando o caos se instala e a justiça teima em julgar somente os corrompidos. Nunca do corruptor.


Debarati Guha-Sapir:
“Não tem desculpa!”


“O Brasil não é Bangladesh e não tem nenhuma desculpa para permitir, no século 21, que pessoas morram em deslizamentos de terras causados por chuva.”


“Não sei se os brasileiros já fizeram a conta, mas o País já viveu 37 enchentes, em apenas dez anos. É um número enorme e mostra que os problemas das chuvas estão se tornando cada vez mais freqüentes”.


“As chuvas são fenômenos naturais. Mas essas pessoas morreram, porque não têm peso político algum e não há vontade política para resolver seus dramas, que se repetem ano após ano”.


“O Brasil praticamente só tem um problema natural e não consegue lidar com ele. Imagine se tivesse terremoto, vulcão, furacões…”


Alerta da Consultora da ONU, Debarati Guha-Sapir, que é diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, conhecida como uma das maiores especialistas no mundo em desastres naturais
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O TEMPO PERDIDO


“No terceiro ano do governo Lula, em 2005, o Brasil foi um dos 168 países a se comprometer com a ONU a elaborar um plano de defesa prévia das populações na iminência de uma catástrofe ambiental – como o tsunami asiático daquele ano, que deu origem à iniciativa. Para dar tempo aos países mais desvalidos, fixou-se em 10 anos o prazo máximo para a implantação das medidas. Em janeiro deste ano, quando chegava a 700 os mortos da tragédia na região serrana do Rio, o governo anunciou a criação de um Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais do País. Foram, portanto, seis anos desperdiçados”. O Estado de S.Paulo


 


REPETECO EM 2012


Visão de um cientista político


“Qualquer pessoa que costume ir para a região serrana sabe do perigo das chamadas cabeças ou trombas d?água, levando a cheia dos leitos e destruição de suas margens. Se estes municípios [Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Etaipava…] convivem com enchentes, inundações e deslizamentos desde sempre, porque não houve a antecipação necessária, tanto no sentido da prevenção como no plano de contingência para catástrofes?”


“Divido a crítica em dois aspectos, correlacionando o ato de governar e as expectativas em torno deste papel com o da tragédia. O primeiro diz respeito ao atual governador fluminense, o reeleito Sérgio Cabral Filho (PMDB). Sua ausência ocasional no momento do desastre poderia chegar a ocasionar um ambiente pré-impeachment”.


 “O problema está para além da favelização de Teresópolis e Petrópolis e do crescimento populacional de Nova Friburgo. Não apenas bairros humildes expandiram-se para as encostas de morros, retirando a Mata Atlântica e desprotegendo as encostas, mas também há um boom imobiliário de condomínios, resorts e hotéis ajudaram a ocupar as várzeas de rios retirando matas ciliares”.



“Considerando que as intempéries do clima tendem a agravar-se, o ato de ordenar o solo e garantir zoneamentos e destinações racionais de uso torna-se algo urgente e necessário. Do contrário, nos próximos verões assistiremos ao mesmo filme de pavor e descaso”.


Bruno Lima Rocha – jornalista e cientista político  [email protected]