De Kararaô a Belo Monte
21 de março de 2011Começa a construção da Usina do rio Xingu
Toda as repercussões negativas nasceram em fevereiro de 1989. Foi durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira-PA, patrocinado pelos Kaiapó, contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. (Ver Box ao lado: Grito de Guerra)
A polêmica intalou-se por dois motivos principais. Do lado a favor, os técnicos do governo garantem que esta é uma obra prioritária para o Brasil. É estratégica para o desenvolvimento do País que já está com déficit no seu potencial energético. Já os críticos da obra garantem que o custo-benefício não compensa, pois a mega-hidrelétrica traz grande impacto social e ambiental. A verdade é que o novo projeto de Belo Monte ressurge depois de um duro aprendizado com os muitos erros cometidos nas usinas de Balbina, no Amazonas, e de Tucuruí, no Pará. E até mesmo depois do primeiro projeto que foi feito com o nome de Usina de Kararaô. Segundo os técnicos, o novo projeto aproveita a curva e queda natural do rio Xingu e o lago vai ocupar o espaço que todos os anos já é alagado pela cheia natural.
“Os gritos de Tuíra, que ninguém entendia, ecoaram da Amazônia para o Brasil e para o mundo. Mas o recado de Tuíra todos entenderam: o projeto devia ser engavetado. E foi!”
Grito de Guerra
Tuíra: a ousadia que engavetou a usina
de Kararaô
A mesa estava formada por técnicos, lideranças locais e presidida pelo diretor da Eletronorte, José Muniz Lopes, coordenador dos estudos para a implantação das hidrelétricas na Amazônia. O ginásio estava lotado com populares e muitos índios sentados nas arquibancadas e no centro da quadra. Na apresentação das autoridades, muitas vaias. O clima não era bom. Já antes da abertura da reunião, o cacique Raoni, mandou um recado ao Presidente da República: “Se o chefe branco, que se chama Sarney, continuar com plano de barragem, vou fazer guerra contra ele”.
Mesmo assim, o diretor da Eletronorte começou a explicar as vantagens da construção da então Usina de Kararaô e o comprometimento do governo com o meio ambiente. Tentava convencer a comunidade local e, sobretudo, os índios a aceitar o projeto. De repente, José Antônio Muniz é interrompido por um protesto do índio Porekro: “Vocês acham o quê” Não sei o que significa energia. Fui criado pela minha mãe, com caça, pesca, mel de abelha e palmito. Não admito construção de barragem nenhuma!”
Técnicos da Funai, presentes ao encontro, explicaram que a bronca de Porekro se deu quando o diretor da Eletronorte pronunciou a palavra Kararaô, que significa “grito de guerra”. O nome proposto para a usina e a presença dos representantes do governo acabaram por produzir um sentimento de revolta. Mesmo tendo Muniz informado que já estava autorizado a mudar o nome da usina, foi interrompido de novo. Desta vez com mais agressividade.
De repente, sai da multidão uma índia, que começa a gritar na sua língua nativa. Faz-se silêncio… A índia kaiapó, Tuíra, de 23 anos, mãe da pequena Iredjô, esbraveja, pega um facão e avança sobre a mesa das autoridades. O ambiente ficou tenso. E mais tenso ficou quando ela encosta o facão contra o lado direito do rosto do diretor da Eletronorte. Estava pronto para atingi-lo. Enquanto jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas se posicionavam, um misto de medo, aflição e desespero tomou conta do ginásio. Tuíra, da aldeia Paquiçamba, foi apoiada por um grito de guerra dos índios no ginásio: Uh, uh, uh, uh, uh, uh, uh, uh, uh, uh… Ficou dona da situação. Seu facão e seus gritos que ninguém entendia ecoaram da Amazônia para o Brasil e para o mundo. Mas o recado de Tuíra todos entenderam: o projeto devia ser engavetado. E foi!
Ficha Técnica
Usina de Belo Monte
Localização: Rio Xingu
Município: Vitória do Xingu
Capacidade mínima instalada: 11.233,1 MW
Garantia física: 4.571 MWmed
Casa de Força Principal: Sítio Belo Monte
Capacidade mínima instalada: 11 mil MW
Garantia física: 4.418,9 MWmed
Casa de Força Secundária: Sítio Pimental
Capacidade mínima instalada:: 233,1 MW
Garantia física: 152,1 MWmed
Área do reservatório: 516 km²
Interligação ao Sistema – A casa de força principal (sítio Belo Monte) se conectará ao Sistema Interligado Nacional na Subestação Secionadora Xingu (PA) por meio de cinco linhas de transmissão em 500 kV, circuito simples, com extensão de 17 km.
A casa de força secundária (sítio Pimental) se conectará ao Sistema Interligado Nacional na Subestação Altamira, com uma linha de transmissão em 230 kV, circuito simples, com extensão de 61 km.
Cronograma de Belo Monte
1975 – Começam os estudos sobre a possibilidade de construir usinas hidrelétricas na Bacia do rio Xingu.
1980 – Com o nome de Usina de Kararaô, é concluído o inventário sobre a viabilidade técnica da construção da barragem.
1986 – É finalizado o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987-2010 que previa a construção de 165 usinas hidrelétricas, sendo 40 na Amazônia Legal.
1988 – O Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAE aprova os estudos do inventário do rio Xingu e autoriza a Eletronorte a realizar os trabalhos de viabilidade para Belo Monte.
1989 – Em fevereiro, surge a grande polêmica sobre a usina, durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira, quando a índia kaiapó, Tuíra, pega um facão e avança sobre um diretor da Eletronorte.
1994 – Depois de muita polêmica, a Eletronorte refaz os estudos de viabilidade e diminui a área inundada e não inundação das áreas indígenas.
1998 – A Eletrobrás solicita à ANEEL autorização para realizar nos estudos de viabilidade da Usina de Belo Monte.
2000 – Eletrobrás e Eletronorte concluem os estudos de Viabilidade Técnico-Econômica e Ambiental.
2002 – Os estudos são apresentados à ANEEL, mas não são concluídos por decisão judicial.
2005 – O Congresso Nacional autoriza a Eletrobrás a completar os estudos por meio do Decreto Legislativo nº. 75/2008.
2006 – A Eletrobrás solicita ao Ibama a abertura de processo de licenciamento ambiental prévio. Começa a ser feito o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Em março, o Ibama faz a primeira vistoria técnica na área do projeto.
2007 – Em agosto, o Ibama realiza vistoria técnica e reuniões públicas nos municípios de Altamira e Vitória do Xingu para discutir o Termo de Referência para o EIA. Em dezembro, o Ibama emite o Termo de Referência para o EIA.
2008 – Em julho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) define que o único potencial hidrelétrico a ser explorado no Rio Xingu será o AHE Belo Monte. A ANEEL aprova a Atualização do Inventário com apenas o AHE Belo Monte na bacia do Rio Xingu. Em novembro, técnicos do Ibama realizam nova vistoria técnica na área do projeto.
2009 – Em fevereiro, a Eletrobrás entrega a versão preliminar do EIA e do RIMA. Em março, a Eletrobrás solicita a Licença Prévia. Em abril, o Ibama realiza nova vistoria técnica na área do projeto. Em maio, o EIA e o RIMA são entregues no Ibama. Em setembro, o CNPE publica portaria que indica o projeto do AHE de Belo Monte como prioritário para licitação e implantação. Em outubro, o Ministério de Minas e Energia publica portaria com as diretrizes para o leilão de energia da UHE Belo Monte. Em novembro, a ANEEL coloca em audiência pública a minuta do edital de Belo Monte e o MME publica portaria com a sistemática do leilão de energia da Usina de Belo Monte.
2010 – Em 6 de janeiro, o MME define prazo para Declarações de Necessidade para os Leilões de Compra de Energia Elétrica Proveniente de Novos Empreendimentos de Geração e da Usina Hidrelétrica denominada UHE Belo Monte. Em fevereiro, o Ibama concede Licença Prévia da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a Aneel aprova estudos de viabilidade da UHE Belo Monte. Em março, o Tribunal de Contas da União aprova previsão de custos para construção da UHE Belo Monte e o MME publica portaria que define a data do leilão para 20 de abril de 2010. Logo depois a diretoria colegiada da Aneel aprova o Edital do Leilão nº. 06/2009 e anexos, destinado à contratação de energia elétrica proveniente da Usina Hidrelétrica Belo Monte.
2011 – Em janeiro, o Ibama autorizou a instalação do canteiro de obras , mas o Ministério Público Federal (MPF) no Pará questionou que as condicionantes para a concessão da licença ambiental, concedida no ano passado, ainda não haviam sido cumpridas. Assim, a Justiça federal cassou a licença de instalação da obra por meio de uma liminar. No início de março, a AGU – Advocacia Geral da União derrubou a liminar, permitindo a construção do canteiro de obras. Em 7 de março, tem início as obras de acesso ao local onde será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
2015 – Previsão de início de operação da usina.
Tire suas dúvidas sobre belo monte
Qual o tamanho da Usina de Belo Monte?
Pelo projeto, Belo Monte será a terceira maior usina do mundo, atrás apenas da usina de Três Gargantas (China), com 22,5 mil MW, e da binacional Itaipu (14 mil MW), de propriedade brasileira e paraguaia. Será a segunda maior brasileira.
Locais das obras e como é a concepção do projeto?
A Usina de Belo Monte envolve obras em três sítios distintos (Belo Monte, Bela Vista e Pimental). Essa característica faz com que o projeto seja original, uma vez que as grandes hidrelétricas geralmente associam, lado a lado, a casa de força e o vertedouro, no mesmo local de barramento do rio. Os arranjos que envolvem canais de derivação são mais comuns em pequenas centrais hidrelétricas. Em Belo Monte, o barramento e o vertedouro principal ficarão no Sítio Pimental, onde será instalada também a Casa de Força Complementar, no leito do Rio Xingu, a cerca de 40km da cidade de Altamira (PA). Desse ponto, por meio de canais de derivação, parte da água do rio será desviada para a Casa de Força Principal, no sítio Belo Monte, para formar o chamado “reservatório dos canais”. Para garantir as condições de segurança na operação da Usina, será construído, no sítio Bela Vista, um vertedouro complementar. Complementa o arranjo um conjunto de diques para fechamento lateral de pontos baixos no reservatório dos canais.
E a complexidade de se desviar o rio?
Quase totalidade das obras poderá ser realizada a seco, uma vez que os sítios Belo Monte e Bela Vista e a região dos diques laterais, dos canais de derivação e do correspondente só serão alagados quando ocorrer o fechamento da barragem principal, no sítio Pimental. Isso acontecerá depois de concluídas todas essas obras, para dar início à geração na Casa de Força Principal.
Qual a área alagada?
Será de 316km. 134km² estarão no Reservatório dos Canais e 182km no Reservatório do Rio Xingu.
Quais as licenças ambientais necessárias?
São necessários três tipos de licenciamento ambiental: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI), e Licença de Operação (LO). De acordo com a legislação, a Licença Prévia deve ser solicitada na fase de planejamento da implantação, alteração ou ampliação do empreendimento. Essa licença não autoriza a instalação do projeto, apenas aprova sua viabilidade ambiental e autoriza sua localização e concepção tecnológica. Além disso, estabelece as condições a serem consideradas nas fases subseqüentes do projeto. A LI autoriza o início da obra ou instalação do empreendimento. A LO será solicitada antes da entrada em operação da Usina.
Qual o investimento para sua construção?
Pelos estudos de dezembro de 2008, o investimento global, nos termos do Orçamento Padrão Eletrobrás (OPE), era de R$ 17, 3 bilhões. Esse valor estava cotado sem juros durante a construção e sem incluir custos do sistema de transmissão. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) definiu, em março de 2010, o custo das obras em R$ 19 bilhões, valor ratificado pelo TCU.
Qual será a tecnologia utilizada na geração de energia?
Belo Monte vai operar o que se chama a “fio d’água”, ou seja, sem reservatório de acumulação. Serão utilizados dois tipos de turbinas: Francis e Bulbo. Na Casa de Força Principal será utilizada a turbina Francis, própria para desníveis entre 40 e 400 metros. A queda observada no local será de 90 metros. A unidade geradora a ser usada na Casa de Força Complementar, no Sítio Pimental, utiliza turbinas hidráulicas tipo Bulbo de eixo horizontal, acoplada a um gerador, também horizontal, que se encontra dentro de uma cápsula metálica estanque, totalmente imersa no fluxo hidráulico. A queda na casa de força complementar será de 11,5 metros.
Como a energia vai fazer parte do Sistema Interligado Nacional?
Esse sistema permite o intercâmbio de energia produzida por todas as usinas interligadas. No caso de Belo Monte, a interligação ao SIN deverá ser feita por cinco linhas de transmissão em 500kv, com extensão de aproximadamente 17 km, operando em corrente alternada. O ponto de interligação com a Rede Básica será a subestação secionadora Xingu, que faz parte da interligação Tucuruí-Macapá-Manaus. A partir desta subestação partirão as interligações previstas com as regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste.
Haverá compensação financeira para o Estado e os municípios afetados pela usina?
Sim. A estimativa de Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) a ser gerada pelo empreendimento é da ordem de R$ 174,8 milhões. O valor será rateado em proporções legalmente instituídas entre a União, o Pará e os municípios diretamente afetados.