Ruralistas vencem na Câmara
26 de maio de 2011Novo Código Florestal permite ocupação agrícola e pecuária das áreas de preservação permanente
O novo texto, que agora será submetido ao Senado, permite o uso das Áreas de Preservação Permanente (APPs) já ocupadas com atividades agrícolas e pecuárias, de ecoturismo e turismo rural, cujo desmatamento ocorreu até 22 de julho de 2008. Junto com o projeto foi aprovada a polêmica emenda 164, patrocinada por diversos parlamentares ligados ao agronegócio, que dá aos Estados, por meio do Programa de Regularização Fundiária-PRA, o poder de estabelecer outras atividades a serem desenvolvidas nas áreas desmatadas.
O texto perdoa 13 mil multas, no valor de R$ 2,4 bilhões, que foram aplicadas em decorrência do desmatamento ilegal das áreas de preservação permanente e da reserva legal, promovido sobretudo nas grandes propriedades da Amazônia. Para fazer jus ao perdão das multas e dos crimes ambientais cometidos, o produtor rural deverá aderir ao PRA no prazo de um ano.
No decorrer da votação, o líder do Governo, deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), alertou que a Presidente Dilma Rousseff vetará a liberação de atividades nas APPs se o Governo não conseguir mudar o texto no Senado. Mas tem uma pedreira no meio do caminho: se a mudança for feita, o projeto retornará à Câmara.
Novas regras e outras alterações
As faixas de proteção em rios continuam as mesmas (30 a 500 metros), mas passam a ser medidas a partir do leito regular e não do leito maior, o que significa uma área menor. A exceção é para os rios de até dez metros de largura, para os quais é permitida a recomposição de metade da faixa (15 metros) se ela tiver sido desmatada.
Nas APPs de topo de morros, montes e serras com altura mínima de 100 metros e inclinação superior a 25 graus, o novo código permite a manutenção de culturas de espécies lenhosas, como uva, maçã e café, ou de atividades silviculturais. – O projeto não considera APPs as várzeas fora dos limites em torno dos rios, as veredas e os manguezais em toda a sua extensão. As restingas só serão protegidas se foram fixadoras de dunas ou para estabilizar a vegetação de mangue.
O projeto permite o corte da vegetação nativa dos manguezais para a implantação de áreas habitacionais e de urbanização nas áreas urbanas consolidadas e ocupadas por população de baixa renda. A condição é que a função ecológica do manguezal esteja comprometida.
O novo Código Florestal manteve como regra geral, os índices de preservação exigidos atualmente. Na Amazônia, os percentuais são de 80% das terras situadas em áreas de floresta; de 35% em áreas de cerrado; e de 20% em campos gerais. Nas demais Regiões do País, o percentual é de 20%.
No entanto, aqueles que mantinham reserva legal em percentuais menores, exigidos pela lei em vigor à época, ficarão isentos de recompor a área. A principal mudança ocorreu em 2000, quando passou-se a exigir reserva legal de 80% na Amazônia Legal, ao invés dos 50% anteriores.
Quando indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado, o Executivo federal poderá reduzir, para fins de regularização da área rural consolidada, a reserva exigida na Amazônia. Só que, nesta hipótese, o MMA e o Conama não precisam mais ser ouvidos, como prevê a lei em vigor.
Mudanças mais significativas
APPs – Reserva Legal – Áreas consolidadas – Punição
APPs
É a vegetação existente em margens de rios e lagos, topos e encostas de morros, nascentes, restingas, altitude superior a 1,8 mil metros, variável em função do tamanho dos mananciais.
No Código atual: 30 metros para cursos de água de até 20 metros de largura; 50 metros para os cursos entre 10 e 50 metros, e no entorno de nascentes, de qualquer dimensão; 100 metros para cursos de água entre 50 e 200 metros de largura; 200 metros para os de 200 a 600 metros de largura; 500 metros para curso superior a 600 metros de largura e 100 metros, no mínimo, para bordas de tabuleiros. Para as APPs de margens de rios, a medição deve começar do nível mais alto da água do período de cheias.
No projeto aprovado: são mantidas as mesmas medidas previstas no Código atual, mas retira a proteção das áreas de dunas, manguezais e veredas; admite culturas lenhosas perenes, atividades florestais e de pastoreio extensivo nas APPs de topo de morro, encostas e de altitudes elevadas (acima de 1,8 mil metros); para cursos de água de até dez metros de largura, permite a recomposição de 15 metros, e não de 30 metros, como exige a lei em vigor; para as APPs de margens de rios, prevê a medição a partir da calha do curso de água no nível regular da água.
Reserva legal
É o percentual da propriedade destinado à preservação do ecossistema nativo, variável em função da região e do tipo do bioma.
No Código atual: Na Amazônia Legal, 80% em caso de floresta; 35%, em caso de cerrado e 20% para as demais regiões e biomas.
No projeto aprovado: mantém as mesmas medidas na legislação atual; o cálculo da reserva legal será feito apenas com base na parte do terreno que exceder quatro módulos fiscais; admite a soma das APPs no cálculo da reserva legal; admite exploração econômica na reserva legal, mediante aprovação do órgão competente do Sistema Nacional de Meio Ambiente.
Áreas consolidadas
São áreas de preservação permanente e de reserva legal que foram degradadas ou são utilizadas para atividades produtivas.
No Código atual: devem ser recompostas, regeneradas ou compensadas.
No projeto aprovado: dispensa propriedades de até quatro módulos fiscais da necessidade de recomposição das áreas de reserva legal utilizadas.
Punição
No Código atual: pena de três meses a um ano de prisão simples e multa, que varia de um a 100 vezes o salário mínimo; o decreto 7.029/09 prevê penalidades para o produtor que não tiver reserva legal averbada no registro do imóvel até 11 de junho deste ano.
No projeto aprovado: isenta os proprietários rurais das multas e demais sanções previstas na lei em vigor, para quem suprimiu a vegetação nativa ilegalmente até 22 de julho de 2008; para ter o perdão das dívidas, o produtor deverá assinar termo de conduta para regularização do terreno; para os agricultores que se inscreverem no Cadastro Ambiental, serão suspensas as sanções administrativas, inclusive as relativas ao Decreto 7.029/09, que prevê penalidades para quem não tiver reserva legal averbada até 11 de junho deste ano.
O relatório do deputado Aldo Rebelo, aprovado pela Comissão Especial em julho do ano passado, e agora acolhido pelo plenário da Câmara, instituiu a “moratória do desmatamento”, proibindo novos desmatamentos em todas as propriedades rurais do País por cinco anos a partir da entrada em vigor da nova lei. Na última versão do projeto, o relator excluiu a moratória. Finalmente, o projeto classifica a produção de alimentos como atividade de interesse social.
Histórico de ação do homem nas florestas
O primeiro instrumento legal de controle sobre a ação do homem nas florestas brasileiras foi a Carta de Lei de 15 de outubro de 1827, No parágrafo 12 do artigo 5º, incumbia aos Juízes de Paz das províncias a fiscalização das matas e zelar pela interdição do corte das madeiras de construção em geral. Daí surgiu o nome “madeiras de lei.”
No Império, o artigo 70 da lei de 21 de outubro de 1843, o Regulamento nº 363 de 20 de junho de 1844 e a Circular de 5 de fevereiro de 1858 enumeraram as madeiras cujo corte era reservado, mesmo em terras particulares.
Esse esclarecimento era fornecido anteriormente pelas Ordens do Livro I, Título 66, Parágrafo 26 e Livro V, Título 75, classificando as madeiras de lei. Posteriormente, o Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, conhecido como “Código Florestal Antigo”, estabeleceu normas nacionais de proteção e uso florestal.
A execução do Código Florestal de 1934 ficou a cargo do Conselho Florestal Federal, com sede no Rio de Janeiro, reunindo representantes do Museu Nacional, do Jardim Botânico e até do Touring Club do Brasil. Seus principais objetivos eram fomentar a criação dos Conselhos Federais Estaduais e orientar as autoridades florestais na aplicação dos recursos financeiros oriundos do Fundo Federal. Entre as atribuições do Conselho Florestal Federal estava a de instituir prêmios para o incentivo à silvicultura e por serviços prestados à proteção das florestas.
O Código Florestal de 1934 classificava a floresta brasileira em florestas protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento. As protetoras foram criadas para conservar o regime das águas, combater a erosão, fixar dunas, auxiliar a defesa das fronteiras, garantir salubridade pública, proteger sítios e abrigar espécimes raros da fauna.
Mas o Código Florestal de 1934 não foi capaz de conter o desmatamento predatório registrado entre as décadas de 30 até a metade da década de 70. Nesse período, as regiões Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul do País sofreram um forte desmatamento, fruto dos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, café e leite, das políticas desenvolvimentistas do Presidente JK, e mais recentemente, da expansão da pecuária e da extensão da fronteira agrícola.
Com a preocupação de “integrar para não entregar” a Amazônia, o general Castelo Branco sancionou a Lei nº 4.771, de 1965, instituindo o novo Código Florestal, introduzindo o conceito de Reserva Legal. Pela nova lei, toda propriedade privada na Amazônia era obrigada a manter com vegetação original metade da sua área. Um número de colonos poderia, então, ocupar de fato uma determinada área, ao mesmo tempo em que também poderia ocupar, de direito, o dobro dela. O governo militar integraria assim o dobro da área amazônica com o mesmo número de pessoas.
O Código Florestal de 1965 definiu quatro situações de intervenção do Estado na propriedade privada, no âmbito da gestão florestal: na primeira, estabeleceu no seu artigo 1º que as florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação são bens de interesse comum de todos os brasileiros, condicionando o direito de propriedade e a limitação do uso; na segunda, a obrigação de manter na propriedade Área de Reserva Legal (art. 16); na terceira, obrigação de manutenção no interior da propriedade de Áreas de Preservação Permanente (art. 2º, e) e na quarta, obrigação das empresas de siderurgia, de transporte e outras a base de carvão vegetal ou outra forma de matéria prima vegetal, de manter floresta própria para exploração racional desses recursos florestais.
Nos últimos trinta anos o Código Florestal de 1965 passou por diversas alterações, inclusive em forma de Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA – mas só agora, quase meio século depois, cederá lugar a um novo código, mais moderno e atualizado.
Os ex-ministros do Meio Ambiente, antes de se encontrarem com a Presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto, estiveram com o presidente da Câmara, Marco Maia, e com o presidente do Senado, José Sarney.
CARTA ABERTA DOS EX-MINISTROS DO MEIO AMBIENTE SOBRE CÓDIGO FLORESTAL
“Os signatários desta Carta Aberta, ao exercerem as funções de Ministros de Estado ou de Secretário Especial do Meio Ambiente, tiveram a oportunidade e a responsabilidade de promover, no âmbito do Governo Federal, e em prol das futuras gerações, medidas orientadas para a proteção do patrimônio ambiental do Brasil, e com destaque para suas florestas.
Antes que o mundo despertasse para a importância das florestas, o Brasil foi pioneiro em estabelecer, por lei, a necessidade de sua conservação, mais adiante confirmada no texto da Constituição Federal e sucessivas regulamentações. Essas providências asseguraram a proteção e a prática do uso sustentável do capital natural brasileiro, a partir do Código Florestal de 1965. Marco fundante e inspiração nesse particular, o Código representa desde então a base institucional mais relevante para a proteção das florestas e demais formas de vegetação nativa brasileiras, da biodiversidade a elas associada, dos recursos hídricos que as protegem e dos serviços ambientais por elas prestados.
O processo de construção do aparato legal transcorreu com transparência e com a decisiva participação da sociedade, em todas as suas instâncias. E nesse sentido, é importante destacar que o CONAMA já se constituía em excepcional fórum de decisão participativa, antecipando tendências que viriam a caracterizar a administração pública, no Brasil, e mais tarde em outros países. Graças a essa trajetória de responsabilidade ambiental, o Brasil adquiriu legitimidade para se tornar um dos participantes mais destacados nos foros internacionais sobre meio ambiente, além de hoje dispor de um patrimônio essencial para sua inserção competitiva no século XXI.
Política agrícola x Política ambiental
Para honrar e dar continuidade a essa trajetória de progresso, cabe agora aos líderes políticos desta Nação dar o próximo passo. A fim de que o Código Florestal possa cumprir sua função de proteger os recursos naturais, é urgente instituir uma nova geração de políticas públicas. A política agrícola pode se beneficiar dos serviços oferecidos pelas florestas e alcançar patamares de qualidade, produtividade e competitividade ainda mais avançados.
Tal processo, no entanto, deve ser desenvolvido com responsabilidade, transparência e efetiva participação de todos os setores da sociedade, a fim de consolidar as conquistas obtidas. Foram muitos os êxitos e os anos de trabalho de que se orgulham os brasileiros, e, portanto, tais progressos não devem estar expostos aos riscos de eventuais mudanças abruptas, sem a necessária avaliação prévia e o conveniente debate. Por outro lado, não consideramos recomendável ou oportuno retirar do CONAMA quaisquer de suas competências regulatórias no momento em que o país é regido pelo princípio da democracia participativa, consagrado na nossa Carta Magna.
Não vemos, portanto, na proposta de mudanças do Código Florestal aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões posteriormente circuladas, coerência com nosso processo histórico, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Ao contrário, se aprovada qualquer uma dessas versões, agiremos na contramão de nossa história e em detrimento de nosso capital natural.
Desmatamento na Amazônia
Não podemos, tampouco, ignorar o chamado que a comunidade científica brasileira dirigiu recentemente à Nação, assim como as sucessivas manifestações de empresários, representantes da agricultura familiar, da juventude e de tantos outros segmentos da sociedade. Foram suficientes as expectativas de enfraquecimento do Código Florestal para reavivar tendências preocupantes de retomada do desmatamento na Amazônia, conforme demonstram de forma inequívoca os dados recentemente divulgados pelo INPE.
Entendemos, Senhora Presidente e Senhores congressistas, que a história reservou ao nosso tempo e, sobretudo, àqueles que ocupam os mais importantes postos de liderança em nosso país, não só a preservação desse precioso legado de proteção ambiental, mas, sobretudo, a oportunidade de liderar um grande esforço coletivo para que o Brasil prossiga em seu caminho de Nação que se desenvolve com justiça social e sustentabilidade ambiental.
RIO + 20
O esforço global para enfrentar a crise climática precisa do ativo engajamento do Brasil. A decisão de assumir metas de redução da emissão dos gases de efeito estufa, anunciadas em Copenhagen, foi um desafio ousado e paradigmático que o Brasil aceitou. No próximo ano, sediaremos a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e o Brasil poderá continuar liderando pelo exemplo e inspirando os demais países a avançar com a urgência e a responsabilidade que a realidade nos impõe.
É por compreender a importância do papel na luta por um mundo melhor para todos e por carregar esta responsabilidade histórica que nos sentimos hoje na obrigação de dirigirmos a Vossa Excelência e ao Congresso Nacional nosso pedido de providências. Em conjunto com uma Política Nacional de Florestas, o Código deve ser atualizado para facilitar e viabilizar os necessários esforços de restauração e de uso das florestas, além que de sua conservação. É necessário apoiar a restauração, não dispensá-la. O Código pode e deve criar um arcabouço para os incentivos necessários para tanto. O próprio CONAMA poderia providenciar a oportunidade para que tais assuntos sejam incorporados com a devida participação dos Estados, da sociedade civil e do mundo empresarial. Do nosso lado, nos colocamos à disposição para contribuir para este processo e confiamos que sejam evitados quaisquer retrocessos nesta longa e desafiadora jornada”.
Carlos Minc – Marina Silva – José Carlos Carvalho – José Sarney Filho – Gustavo Krause – Henrique Brandão Cavalcanti – Rubens Ricupero – Fernando Coutinho Jorge – José Goldemberg – Paulo Nogueira Neto –
Nossa visão
DERROTA!
É irônico e, ao mesmo tempo, sintomático, que a Câmara dos Deputados, logo após a divulgação de dados oficiais indicando um aumento expressivo do desmatamento na Amazônia e às vésperas das comemorações de mais um Dia Mundial do Meio Ambiente, tenha aprovado um texto do novo Código Florestal que revoga parte crucial da legislação ambiental do País. O texto permite o uso das áreas de preservação em atividades agrícolas e pecuárias, dá aos Estados a atribuição de estabelecer outras atividades de ocupação dessas áreas e perdoa 13 mil multas, no valor de R$ 2,4 bilhões, aplicadas em decorrência do desmatamento ilegal dessas áreas protegidas, principalmente nas grandes propriedades. O projeto aprovado deve ser apreciado a toque de caixa pelo Senado, por pressão dos grandes empresários do agronegócio, restando a esperança de que a Presidente Dilma Rousseff mantenha-se fiel aos compromissos assumidos com o meio ambiente e vete os dispositivos que impõem um retrocesso inaceitável à legislação ambiental brasileira.