O pedido de socorro de um quilombola
26 de maio de 2011Porque os quilombolas pedem apoio do Brasil oficial para suas causas
Segundo o presidente da Fundação Palmares, Eloi Ferreira de Araújo, ao abraçar a causa dos povos da Diáspora Africana, a ONU abraça também as instituições que por ela trabalham. Explica que o componente gráfico da marca criada pela Palmares procurou traduzir, com o entrelaçamento das duas simbologias. O selo comemorativo exprime o compartilhamento de objetivos da Palmares e da ONU, por meio da fusão de elementos de suas respectivas marcas.
O ato que instituiu 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes ocorreu em dezembro passado, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque. E marcou a retomada das resoluções da III Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada há dez anos, na cidade de Durban, África do Sul. Dentre os mecanismos estruturados pelo Estado brasileiro para combater a discriminação racial e promover a inclusão e o desenvolvimento da população negra no País destacam-se a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a sanção da Lei 12.228, de 2010, conhecida como Estatuto da Igualdade Racial.
Selo Internacional
A Fundação Palmares criou um selo para celebrar o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, instituído pela Organização das Nações Unidas. O objetivo da celebração é no sentido de difundir o compromisso mundial de lutar contra o racismo e pela inserção de negros e negras em todos os espaços de cidadania. Fruto de criação coletiva, a marca será usada em documentos e peças promocionais da instituição. Para Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU, a “comunidade internacional não pode aceitar que grupos inteiros sejam marginalizados por causa da cor de sua pele”.
“Queremos que faça valer os nossos direitos, que seja cumprida a nossa Constituição. Nós também somos brasileiros e participamos muito na construção da nação brasileira.”
JOSÉ ANTONIO VENTURA – Entrevista
José Antônio Ventura e a ministra Luiza Bairros
Folha do Meio – José Antônio, fale um pouco de você, de seus pais e de como você começou sua luta a favor de sua comunidade.
Jose Antônio – Nasci em Patos de Minas, o sexto dos sete irmãos, cresci vendo a luta e o sofrimento de meus pais para reaver suas terras. Meu pai de origem moçambiquense, capitão de Congado, músico, capoeirista e ex-jogador de futebol. Minha mãe, mestra na área de culinária africana e artesã. Desde os dez anos, participo da luta e das culturas tradicionais.
FMA – As comunidades Quilombolas sempre foram exemplo de organização social. Sobreviveram contra tudo e contra todos. Quantas destas comunidades têm hoje no Brasil?
Ventura – Olha, certificadas têm aproximadamente umas 1.600. Mas evidente que têm outras não certificadas.
FMA – Além do acesso à saúde e à educação, outro grave problema é a questão da posse da terra para as comunidades. Fale um pouco sobre cada problema. Há mais de quinhentas comunidades negras, remanescentes de quilombos, em todo o país que esperam pelo reconhecimento da propriedade da terra.
Ventura – Isto é correto, mas queria salientar uma coisa: o mais importante é a posse da terra. Só com a posse das terras é que vamos poder construir escolas, ter com professores, construir hospitais e ter médicos capacitados para atender a população afro descendente. Só com a posse da terra vamos poder investir nela e então buscar a sustentabilidade, ou seja, produzir, dar emprego e renda para nosso povo.
FMA – O art. 68 da Constituição de 1988 garante aos remanescentes dos quilombos o direito de propriedade das terras que ocupam. A constituição está sendo cumprida?
Ventura – Falta vontade política. A gente tem que empurrar, tem que lutar para que seja cumprida a constituição. Ainda assim, de forma muito lenta.
FMA – Tem algum outro projeto sendo discutido no Congresso? Quais? Em que pé está?
Ventura – Existem algumas ações contrárias aos nossos interesses, aos interesses dos quilombolas e que ainda não foram arquivadas.
FMA – As comunidades quilombolas viveram mais da mineração e do extrativismo. Qual é a mais fonte de renda hoje?
Ventura – Hoje nenhuma delas. Os quilombolas viraram escravos das próprias terras. Vivemos de bicos, sobretudo da colheita de café.
FMA – Uma das forças dos quilombolas é a cultura. Dança, música, festas, reinados. Fale como os quilombolas conseguiram manter esta tradição?
Ventura – Esta é nossa força. Temos tradição. Nossa cultura passa de pai para filho. Temos orgulho em lembrar e reverenciar nossos antepassados.
FMA – Como está hoje a comunidade da Serra do Salitre?
Ventura – Muito oprimida. Vivemos hoje sem apoio nenhum, tanto financeiro como institucional. Os governos, tanto federal como o estadual, não estão cumprindo a lei. Nem nossa tradicional cultura do congado tem tido qualquer tipo de apoio.
FMA: Dê o nome de cinco entidades e cinco pessoas que mais ajudam na luta pelos quilombolas.
Ventura – Algumas entidades e instituições têm ajudado nosso povo. Posso citar a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, o Ministério Público Federal, a Fundação Palmares, o Incra, o Iphan, o DPU/MG- Defensoria Pública da União e a SEPPIR. Para citar pessoas, lembro agora o nome do Eloi Ferreira, da Palmares; do Carlos Alberto Silva, da SEPPIR, da Cláudia Vasques, do Iphan, da Givânia Maria da Silva que é do Incra, e da Defensora Pública Giêdra Pinto Moreira, do DPU/MG.
FMA – Dê o nome de cinco entidades e de cinco pessoas que mais atrapalham a vida dos quilombolas.
Ventura – Olha, as empresas de mineração. Todas elas. Ninguém é tão ganancioso como as empresas de mineração. E também os políticos da bancada ruralista.
FMA – Ventura, você como quilombola, tem mais alguma coisa a acrescentar?
Ventura – Só tenho que acrescentar uma coisa. Desde a destruição do Quilombo de Palmares, nós negros sempre nos dividimos para nos defender. Mas agora estamos unidos, estamos juntos e com um só objetivo: queremos a libertação do povo afrodescendente no Brasil. Queremos que faça valer os nossos direitos, que seja cumprida a nossa Constituição. Nós também somos brasileiros e participamos muito na construção da nação brasileira. Temos que ser respeitados. Por exemplo, nós também estamos atentos aos problemas lá do Brejo dos Crioulos, no Norte de Minas. Estamos atentos à luta dos Kalungas, aqui em Goiás. Estamos na luta com todos os quilombolas e vamos ajudar a defender os interesses deles que são interesses nossos também. A luta é uma só: conseguir que as autoridades brasileiras nos dêem a posse da terra. Sem a terra que foi de nossos antepassados, de nossos avós e de nossos pais, como vamos deixar um legado para nossos filhos?