Ponto de Vista

Legado da sustentabilidade

22 de setembro de 2011

Tom Lovejoy, a floresta e o menino passarinho

“A escola já é uma realidade palpável que funciona o dia inteiro em tempo integral. O sonho é construir uma faculdade. Dona Raimunda, a professora decana, de 66 anos, jura que não morrerá sem inaugurá-la.”


 


* Jack Corrêa é vice-presidente da Coca-Cola Internacional



 


 


 


A reserva está situada a 55km de Manaus, na margem esquerda do Rio Negro. O caminho até Timbura é digno de um encantamento inesperado. O coração bate forte e as retinas fixam o roteiro sinuoso e mágico por entre o arquipélago das Anavilhanas. O negro da água e o verde da floresta se misturam e se complementam. Um presente de Deus.
A experiência de Virgílio Viana na região é admirável. Palmilha cada metro quadrado como se fosse o seu quintal. Ardiloso e marqueteiro por vocação, Virgílio convida seus hóspedes a saltar da lancha e testar a temperatura da água do rio “tão negra como uma Coca-Cola”.  O pôr-do-sol, a praia de areia caribeana e uma caprichosa correnteza agradam qualquer turista. Um batismo amazônico nas águas do rio Negro.
As margens opostas do rio Negro são imperceptíveis a olho nú. Assusta pensar que este mundo de água é apenas 50% do que, a poucos quilômetros dali, ao se encontrar com o Solimões, formará o maior rio do mundo, o Amazonas, em meio à imensidão verde exuberante na margem do rio, praias naturais ou recortadas pelo homem se sucedem mostrando que aqui e acolá há vida no meio da floresta.
Ao cair da tarde vislumbra-se Timbura, a sede da Reserva do Rio Negro. Um conjunto de pavilhões de madeira, entrecortados na margem do rio. Nada que lembre sequer uma pequena cidade. Uma vila que se diferencia do cenário da região. Ao longe, uma forma se destaca: seguramente trata-se de uma pequena capela, sobressaindo-se aos demais galpões. Sinal divino de que ali, no meio do nada, a fé do ribeirinho se faz presente e atuante. Em breve veremos que esta fé é tão relevante quanto a qualquer recurso financeiro que seja aportado para ajudar o projeto.
A chegada do grupo visitante não muda a rotina dos locais. Estão profundamente envolvidos nas três salas de aula onde um programa de ensino à distância discute os direitos constitucionais do cidadão a um meio ambiente sadio e sustentável.
A curiosidade leva alguns dos visitantes a uma conversa com os alunos. Estudam inglês e tudo sobre doenças tropicais. Em momentos, a curiosidade deixa os alunos para focar dedicadas  professoras. O que leva alguém a viver ali, dedicando seu tempo a preparar aqueles jovens que nasceram literalmente na floresta?
Durante o típico jantar de farinha e peixes, pupunha e outras frutas, ficamos conhecendo um pouco mais dessas abnegadas mestras da selva: mulheres que não sonham em ver seus alunos mudando para Manaus. Sonham em vê-los formados e contribuindo ali mesmo para melhorar a sua comunidade.  A escola já é uma realidade palpável que funciona o dia inteiro em tempo integral. O sonho é construir uma faculdade. Dona Raimunda, a professora decana, de 66 anos, jura que não morrerá sem inaugurá-la. A noite vai chegando e é hora de desligar o gerador, cumprida a meta diária de energia consumida.



 


 Jack Corrêa, Cleidilon Passarinho (que imita 37 tipos de pássaros da Amazônia) o pesquisador Thomas Lovejoy e Virgílio Viana.


 


 


 


Cleidilon: o menino passarinho


ESCOLA TOM LOVEJOY – O biólogo e ambientalista Thomas Lovejoy quer dormir e pensar na aula que dará no dia seguinte. Entendemos em segundos a sua emoção: a escola da reserva do Rio Negro tem o seu nome como uma homenagem ao tudo que, desde 1965, fez pela pesquisa e pela defesa da região amazônica. O pouco de luz do sol que ainda resta transforma a água do rio num reflexo prata de incomparável beleza plástica. Parece ser um tapete estendido sobre suas águas. As acomodações são simples. Contrastam com o dormitório de alunos e empregados onde redes coloridas embalam o sono daqueles sonhadores. A brincadeira determina que “dormir em rede é coisa de profissional”.
A noite é pesada e escura desde que o gerador foi desligado. Barulhos esparsos comprovam que insetos grandes e pesados tentaram ultrapassar a tela verde que protege os visitantes em seus cômodos. Pela manhã, vários besouros – facilmente confundíveis com mini-jabotis – serão vistos fora do albergue comprovando o festim noturno.
Celular mudo e computadores em repouso. Um barulho maior faz imaginar que as histórias de onças e jacarés narradas no jantar podem ser verídicas.
O dia agitado enfim derruba a todos em sono profundo, que somente se encerra quando milhares de cantos sonoros anunciam pelos mais diversos pássaros que um novo dia chegou. O rio parece um espelho gigante refletindo o amanhecer. Já nas primeiras horas da manhã, o calor absurdo denuncia que estamos numa reserva tropical. Impossível não suar e sentir falta de um simples aparelho de ar condicionado. O café da manhã tem bananas e abacaxis, em nada parecido com os que conhecemos. Cores, flores, valores e sabores únicos. As aulas matinais para novas turmas começaram. Chegou a hora da Aula Magna de  Thomas Lovejoy. Tom capricha na palestra, adaptando seu profundo conhecimento da floresta tropical a uma mensagem simples, direta e didática. Alunos, professores e visitantes o ouvem sem piscar. Responde a dezenas de perguntas. Se surpreende com o nível de informação e cidadania dos alunos. Depois da aula, Tom é pouco para tantas fotos com os alunos.


O MENINO PASSARINHO – Antes de deixar a reserva, Tom Lovejoy é homenageado por Cleidilon, um jovem mais conhecido como Passarinho. Cleidilon dá o tom da floresta em um concerto inusitado: imita 37 pássaros, conhecidos por seus nomes populares e narra divertidamente a história e hábitos de cada um deles. Cleidilon Passarinho é, sem nenhuma dúvida, personagem candidato a uma página da Folha do Meio Ambiente e a três blocos no programa do Jô Soares.


GOOGLE trilha – Muitos já conhecem o Google Street, um aplicativo do Google para percorrer ruas, avenidas e praças pelas cidades. Não é que, na hora de deixar a reserva, temos uma silenciosa e discreta surpresa: somos convidados a conhecer a bicicleta Google Maps, que está gravando as imagens internas da floresta para serem lançadas ao mundo pelo maior site de imagens do mundo (Veja matéria sobre Google View Street na página 10).


Agora, em qualquer parte do mundo, o internauta poderá caminhar pela mata fechada da floresta amazônica como num safari tropical. A volta para Manaus incluiu um “pit stop” para almoço numa das praias ribeirinhas, em um restaurante recém inaugurado com a ajuda da FAS. A pequena comunidade protegida por uma belíssima capela de Santo Antônio, ainda não se acostumou com os turistas que em breve passarão a visitar o novo ponto de referência, já voltado para a Copa do Mundo. Manaus começa a deixar um real legado de sustentabilidade. O Brasil e a floresta agradecem. (JC)