SÃO FRANCISCO

Um santo na Terra e outro no Céu

20 de outubro de 2011

ambos fazendo milagres

Todos os rios têm uma nascente oficial e muitas nascentes não oficiais. Mas só o rio São Francisco tem duas nascentes oficiais: a nascente histórica, na Serra da Canastra, em São Roque de Minas. E a nascente geográfica, em Medeiros. Esta matéria deixou de ser polêmica para ser verdade, depois que a Folha do Meio Ambiente contou a história da verdadeira nascente do rio São Francisco na edição 146, de abril de 2004 (https://www.folhadomeio.com.br/publix/wp-content/uploads/2004/04/ ).

Está lá: entre os muitos estudos, histórias e causos que frequentam o legendário rio São Francisco, um merece atenção muito especial: a verdadeira nascente do Velho Chico não está no Parque Nacional da Serra da Canastra, onde fica a belíssima cachoeira Casca D?Anta, que maravilhou bandeirantes e portugueses e continua a ser destaque na exuberante paisagem da região.


Aliás, foi justamente essa exuberância que extasiou os primeiros desbravadores e naturalistas, como St-Hilaire, que preferiram dar ao São Francisco um berço mais nobre.


A nova verdade sobre a correta nascente do São Francisco já foi objeto de discussão em pelo menos três congressos de sensoriamento remoto e, agora, está comprovada por uma equipe de técnicos que usou imagens de satélite e medição por GPS geodésico.


Quem anunciou a novidade foi o agrônomo Geraldo Gentil, depois de percorrer toda extensão do São Francisco na Expedição Américo Vespúcio e de concluir seu relatório para a Codevasf.


Geraldo Vieira e os técnicos da expedição provaram que a verdadeira nascente do rio não era na Canastra, mas sim no planalto do Araxá, no município de Medeiros. Como bons mineiros, os técnicos não quiseram provocar celeuma e nem briga.


Eles deram ao rio São Francisco o direito de ter duas nascentes: a histórica, no Parque Nacional da Serra da Canastra, e a nascente geográfica, em Medeiros, onde o Velho Chico nasce com o nome de rio Samburá. Isto não é lenda, é fato comprovado tecnicamente.


As lendas também são muitas. A partir desta edição, Geraldo Gentil vai selecionar algumas para que a cultura do baixo, médio e alto São Francisco inundem também a alma de nossos leitores.


 


(*) Hà controvérsias em relação à extensão do rio. Até então tido como 2.700km, levantamento realizado pela Codevasf, em 2002, provou que o rio tem 2.814km pela nascente histórica (Serra da Canastra) e 2.863km pela nascente geográfica (rio Samburá-Medeiros).


Projeto de Lei do deputado Carlos Melles (DEM-MG) na Câmara Federal prevê uma Unidade de Conservação de 10 mil hectares na nascente geográfica. Os ambientalistas querem a demarcação total de 200 mil hectares do Parque Nacional da Canastra e outro tanto na nascente do rio Samburá.


 


SÉRIE EXPEDIÇÃO AMÉRICO VESPÚCIO – 10 ANOS


Lendas do rio São Francisco – I


Geraldo Gentil Vieira – [email protected]



Como seria o rio São Francisco sem suas lendas?


Um rio com barragens em escadas.


Como seria o rio São Francisco sem suas culturas tradicionais?


Uma paisagem de canaviais.


E o rio sem os ribeirinhos, barranqueiros, pescadores?


Um rio morto sem peixes.


(e de soja, algodão, braquiária, eucaliptais?)


Um mundo sem pássaros, silencioso.


E a Primavera?


Silenciosa. (*)


(*) Alusão ao livro “Primavera silenciosa”, de Rachel Carson.


 


CIRCO OU LENDA

O que mais encanta uma criança o circo ou a lenda? Criança que nunca ouviu uma lenda ou torceu o nariz de um palhaço cresceu sem ser criança. Às vezes comparo o nosso rio São Francisco com o gigante Amazonas, mas isto a nada leva. Cada um tem a sua geografia, suas águas, suas gentes, seus humores. E suas lendas. Foram descobertos quase à mesma época, ganhando nome de guerreiras gregas e de santo italiano. E que santo e que guerreiras.


Ambos atravessam momentos decisivos. Um será salvo por bênçãos, o outro por arco e flexa. Um tem curupira de pés para trás, o outro caboclo d`água de olhos arregalados e carranca escancarada. Um é revitalizado, o outro engolido pelo fogo. Fiquemos por aqui, fujamos. Fogo! Fuego! Fire!


LENDAS. Lenda é o amarelo-pardacento que vai grudando nas páginas de um velho livro de lendas. Ninguém sabe de onde vem nem quando começou, e ninguém será capaz de retirá-lo. Onde tem fogo tem fumaça, onde tem amarelo-pardacento tem lenda, onde tem fenômenos e coisas instigantes, aí mora a lenda. A lenda está na alma do povo, no seu imaginário.


Metáforas e Lendas


Estamos preocupados com os rios e as lagoas, as matas ciliares, os lobos, os tamanduás, os pássaros é verdade, e no caso do São Francisco que conheço de perto, penso que nós brincamos com ele, como se tivéssemos mais um de reserva. Na lenda a seguir vemos que o grande rio é, desde as nascentes, lendário e mágico, ou assim cada um o vê, nele navegando ou com ele sonhando.


Há tempos recortei esta lenda contada por Ronan de Freitas Pereira, presidente da Vallé, empresa de biotecnologia em Montes Claros, no caderno “JB Ecológico” n° 01, Rio de Janeiro. Fiquei surpreso ao ler que executivos de grandes empresas abraçam o rio, vejo que as águas poderão correr como sempre correram e assim poderei dormir sossegado. Dormir sossegado? Maior a gratidão ao saber que a fábula acima foi narrada pelo engenheiro “beatlemaníco”, voador de asa delta e vejo pelos jornais, fabulista e contista, encontrando em meio aos seus inúmeros afazeres de homem de negócios tempo para dedicar ao rio que tão bem conhece.


Quando tratamos de águas, montanhas, da natureza, dos planetas e coisas afins, deixamos o dia a dia, o mundo bitolado dos negócios, a vã técnica, a vã ciência, e caímos no mundo dos pensadores e dos filósofos. A mitologia é um vasto mundo sobre o passado e o futuro das águas e tudo o mais, com as suas cosmogonias dos tempos remotos e águas primordiais, a origem dos mundos. Que o digam egípcios, gregos, babilônios… polinésios, esquimós e povos da floresta.

 “O que mais encanta uma criança? O circo ou a lenda? Criança que nunca ouviu uma lenda ou torceu o nariz de um palhaço cresceu sem ser criança.”


 


Era uma vez…


Conta uma lenda que, em noites de lua cheia, São Francisco desce em carne e osso, da estátua erigida na entrada do Parque Nacional da Serra da Canastra, e passeia pela imensidão da paisagem. Pelo caminho, ele vai recontando os animais, como o lobo-guará e tamanduás-bandeira (protegidos ali da extinção). Ajunta os que se perderam. Cura os que estão feridos. E colhe ramos de arnica e carqueja, que são remédios para todos os males. Quando a madrugada é alta e a manhã não tarda, o Santo, já cansado, bebe a água da nascente e lava ali o seu rosto. É quando ele, que se faz peregrino para além da área protegida do parque, levanta o seu olhar compadecido para o curso do rio e seu povo. Um olhar que parece dizer: “Não adianta proteger o veio d?água que nasce e matar o corpo que anda”.