III - Série Expedição Américo Vespúcio 10 anos

O Samburá e o Santo Antônio

21 de dezembro de 2011

Lendas do Velho Chico e outras histórias

Ambos os rios têm a marca de uma beleza singular, encontrando-se a meio caminho em um caprichoso abraço entre seixos rolados até o Samburá lançar suas águas no cânion cárstico do São Leão. Só mais tarde os portugueses deliberaram e batizaram os rios, porém chamando de São Francisco o mais curto e que têm a cachoeira da Casca d?Anta”.


 


ERA UMA VEZ…


“Conta-se que Deus quando fez o mundo, já cansado, delegou a seu imediato deus brasileiro Tupã e ao filho Itatuitim, engendrar e rasgar nessa região montanhosa dois rios, juntando-os num lugar combinado. O pai levantou-se cedo e pôs-se a cavar o leito sem pressas. O filho acordou tarde, quando o pai já estava quase a meio do trabalho. Lançou-se atrás dele, cavando o leito à lufa-lufa, à flor da terra e com intrincadas voltas. Daí a calma e gravidade do Santo Antônio, feito pelo pai, enquanto o Samburá, obra do filho, mostra um caráter caprichoso e turbulento. Entretanto, ambos os rios tem a marca de uma beleza singular, encontrando-se a meio caminho em um caprichoso abraço entre seixos rolados até o Samburá lançar suas águas no cânion cárstico do São Leão. Só mais tarde os portugueses deliberaram e batizaram os rios, porém chamando de São Francisco o mais curto e que têm a cachoeira da Casca d?Anta”.


“… para descrever e para conhecer este magestoso [sic] país, temos que nos situar ora no real, ora no imaginário”.


St. Hilaire



Mas as nascentes do grande rio ficaram na obscuridade por longo tempo devido à imensidão do território e às dificuldades de acesso ao Hinterland, conforme se lê no austero St. Hilaire, um dos primeiros naturalistas a percorrer aquelas paragens desoladas, em 1818:
“Descreverei na minha “Viagem às nascentes do rio S. Francisco”, a cascata da Casca d?Anta, de que obra nenhuma que eu conheça, falou até aqui. Vi essa cascata sair da montanha; mas devo assinalar que não observei o ponto em que suas águas se escapam da terra. Foi, aliás, nos nossos dias, unicamente que se começou a ter idéias mais precisas sobre as nascentes do S. Francisco. Antigamente, diz o historiador do Brasil, julgava-se que o S. Francisco saía de um lago famoso em cujas margens se situava a cidade fabulosa de Manoah, e pretendia-se que os naturais do país usavam ornatos de ouro. Fizeram-se pois, tentativas para chegar às nascentes do rio, e para esse fim, organizaram-se expedições em todas as capitanias do Brasil. No entanto, esses esforços não tiveram o resultado ambicionado, pois que, se se subiu o S. Francisco até distância considerável do oceano, em 1810 Southey ignorava ainda em que lugares começava esse rio, e supunha que podia nascer das mesmas montanhas que o Paraguai e o Tocantins (Hist. of Brazil, I, p. 534).
Obs: Depois que tudo o que precede estava escrito, encontrei a frase seguinte na última obra de Eschwege: “Perto da fazenda da Casca d?Anta chega-se a um rochedo cortado a pique, que tem certamente mais de mil pés, e pertence à Serra da Canastra; lá escapa-se de uma profunda depressão uma das principais fontes do rio S. Francisco, que forma uma cascata digna de ser vista”. [St Hilaire, em: Viagem às províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais].
Como o sábio francês cita em Viagem pelas Províncias do RJ e MG, “para descrever e para conhecer este magestoso [sic] país, temos que nos situar ora no real, ora no imaginário”.
O lago encantado O Eldorado, é aquele que ora podia estar nos Andes peruanos, ora nas selvas de Roraima, o Manoah-Parima, ora no coração brasileiro. Essas fábulas cobiçavam os desbravadores, e foi assim que a geografia brasileira foi escrita, como se vê num mapa holandês da época. A Carta de Jan Jansson, elaborada em 1650, tem no centro o Atlântico Sul (Oceanus Ethiopicus), a América do Sul e a África bem definidos, e a Antártica desconhecida. Observa-se no centro as supostas nascentes do São Francisco, Tocantins e Paraná-Paraguai. Este mapa e outros são vistos no livro “O Tesouro dos mapas – A cartografia na formação do Brasil”.
As primeiras expedições ao estado montanhês ocorreram no início do século XVII destacando-se a de André de Leão às nascentes do rio São Francisco (1601-02), sem resultados. Só mais tarde o ouro e os diamantes foram descobertos, chegando a alterar as coisas na capital da província, às vésperas da Inconfidência Mineira:
“A 4 de maio [de 1789], Barbacena [visconde] recebeu a resposta do vice-rei: a chegada do mensageiro causou uma boa dose de especulação, e o governador achou prudente atrasar sua própria resposta por uns dias. Uma boa descoberta de ouro na Serra da Canastra, proporcionou um pretexto para mandar os Dragões, ainda em Vila Rica, para o distante sudoeste da capitania, no desempenho de funções policiais. Barbacena solicitou tropas extraordinárias ao Rio para substituí-los …” (Maxwell, 1976).
A Expedição Vespúcio em 2001 seguiu os passos de St. Hilaire nas cabeceiras, com abraço simbólico às nascentes da Canastra. A largada fluvial ocorreu em Iguatama,120 km abaixo, veja em www.caminhodosaofrancisco.com.br.    Em janeiro de 2010, quem visitou as nascentes foram os pequenos Lucca e Cecília, meus netos, minha filha Luana e Maurílio Mangolin. Abraçamos o rio e bebemos da sua água pura. E claro, comemos queijos-canastra e pães de queijo.