MEIO MILHÃO DE BARRAGINHA

16 de fevereiro de 2012

Uma barraginha faz muitas famílias felizes… E já são meio milhão de barraginhas!


 


Na Campanha da Fraternidade, em 2004, o tema foi ÁGUA. Em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, o Frei Natalino, da paróquia São Pedro do Rio Fanado, convidou os fiéis para visitar o projeto barraginhas de convivência com o semiárido. Durante o abraço da comunidade, um membro da equipe do projeto, o minasvoense chamado Messias Fortunato tomou a palavra: “Só quem vive as dificuldades de passar dias sem ter água para beber ou mesmo dar um banho numa criança, é que sabe do valor dessas barraginhas”. 


 


ENTREVISTA
Luciano Cordoval de Barros


Folha do Meio – O que o projeto Barraginhas significou para a sobrevivência das famílias que fazem a agricultura familiar, especialmente os sertanejos?
Luciano – O projeto Barraginhas está nas regiões descapitalizadas, povoadas predominantemente por agricultores familiares, muitas vezes em solos degradados do Semiárido e Cerrado.
Após a implantação do sistema Barraginhas as comunidades dessas regiões experimentam logo nos primeiros anos, uma mudança de patamar considerável, saindo da condição de escassez de água e alimentos para uma zona confortável quase poderíamos dizer de sustentabilidade. Em alguns casos, chega-se a uma abundância considerável na produção de alimentos, suprindo as necessidades nutricionais familiares. Chega a gerar excedentes que são comercializados, aumentando a renda familiar. Cria um clima de otimismo. O reflexo dessa mudança é observado no verde comercializado na feira durante o ano e no aquecimento do comércio. A prova dos nove é a redução do êxodo rural e o retorno do homem ao campo.


FMA – Como funciona uma barraginha?
Luciano – A gente pode explicar assim: é uma tecnologia que nasceu na Embrapa Milho e Sorgo de Sete Lagoas-MG, que consiste em espalhar mini barragens nas propriedades para conter as enxurradas. O objetivo inicial era frear o processo erosivo em regiões sub úmidas e semiáridas. Depois de construídas, as barraginhas permitem que as chuvas concentradas em curtos períodos infiltrem no solo e transferem esta água para o lençol freático. Além de elevar o lençol freático, revitaliza os mananciais, as nascentes e os córregos. Essa elevação é muito bem percebida no nível das cisternas. Como consequência, o sistema Barraginhas promove amenização de secas, redução ou mesmo eliminação de enchentes, redução de salinidade da água e recuperação de áreas degradadas.


FMA – Como nasce um Projeto de Barraginha numa comunidade?
Luciano – Tudo começa com a necessidade de água e uma mobilização da comunidade. A estratégica é sempre a mesma: primeiro explicamos e apresentamos o projeto com palestras. Depois fazemos um treinamento prático, o “ensinar-fazendo” com um tutoramento técnico. Aí então se corta o cordão umbilical para que as pessoas daquela comunidade possam caminhar sozinhos. Em todas as regiões nós deixamos um disseminador que tende a se tornar um “clone”, um semeador.


FMA – Quando começou o projeto?
Luciano – A Folha do Meio Ambiente acompanhou o projeto desde o início. Vocês se lembram, começou em 1993, em Minas Gerais. Hoje, existem mais de 500 projetos, quase um por município do Cerrado mineiro. As barraginhas estão nas regiões mais carentes como no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas, Noroeste e território Sertão de Minas.


FMA – Quantos projetos Barraginhas têm hoje no Brasil?
Luciano – Nos outros estados, temos no Piauí, onde foram construídas 9 mil barraginhas em 30 localidades/projetos desde 2005. No Ceará, o projeto é encontrado em todos municípios do Cariri, hoje, está espalhando pelo estado. Tocantins, toda região semiárida do Sudeste, 11 municípios, destaque para Conceição do Tocantins. Mato Grosso, na região Oeste, Alto Pantanal. São estimadas 500 mil barraginhas no país. Só em Minas tem 300 mil.


FMA – Depois de quase 20 anos, mudou alguma coisa na forma de construir uma barraginha?
Luciano – Teve pouca mudança. O que houve foram adaptações. Exemplo: para solos porosos, que filtra as enxurradas rápido, são construídas barraginhas menores. Para solo de média e baixa porosidade, barraginhas maiores para compensação do tempo de infiltração. Até dois anos atrás, as barraginhas eram construídas apenas com a pá carregadeira, gastando-se uma hora e meia em média.
Recentemente estão sendo construídas também com retro-escavadeiras, estas máquinas de abrir valas nas ruas, uma barraginha fica pronta em 3 horas. É mais tempo, mas gasta a metade do combustível. Então fica elas por elas. O que importa é que para cada 100 máquinas disponíveis nos municípios, 80% são retros escavadeiras e 20% pás. Essa disponibilidade aumenta as chances de parceria com pequenos municípios carentes, que é nosso foco.


FMA – Na sua visão, o quanto as barraginhas seguram o êxodo rural?
Luciano – Há muitos testemunhos a respeito. Conheci, em 2004, um garoto chamado Leonardo, de 18 anos que tinha quatro irmãos trabalhando em São Paulo. Ele me disse: – Temos duas barraginhas sustentando nossa horta. Está tão verde! Se construir mais umas duas barraginhas aqui não vou precisar ir para São Paulo. Ampliando a  horta vai dar para sobreviver aqui mesmo.
Lá no Jequitinhonha, um caboclo depois da construção de barraginhas na sua comunidade e de ter passado duas estações de chuva e seca, ele foi além: – Agora o Vale do Jequitinhonha tem jeito. Estamos plantando ?secaezagua?.
Ele queria dizer, plantando na seca e nas águas, ou seja, o ano todo, direto.


FMA – Muitos até voltaram para o sertão…
Luciano – Verdade! Recentemente em Capivari Contendas no Jequitinhonha, presenciei dois rapazes de uns 35 anos que tinham retornado da cidade grande para ficar. Era a água das barraginhas que deram a eles possibilidade de plantar e até criar peixes. Em Cansanção vi depoimentos da mesma pessoa em várias situações demonstrando estar adaptado ao retorno depois de 20 anos seguidos de corte de cana. A primeira vez foi quando ele encontrou água em seu terreno de duas barraginhas. Seu solo era de barro de cerâmica, dentro do lago, ele passou a amassar barro e a construir tijolos, empregando a família. Ele mesmo passou a criar peixes numa etapa mais adiante e a plantar feijão nas franjas umedecidas de suas barraginhas!


FMA – São histórias emocionantes…
Luciano – Veja esta história. Foi em 2006, quando visitei um projeto durante uma reportagem para a revista da TAM. Eu falei para um líder chamado Zezinho Brandão, lá de Cansanção:
– Olha Zezinho, depois de dois anos de chuvas e com mais de 150 barraginhas brotando água, já dá para montar um “lago lonado” para criar peixes.
E não é que três anos depois foi possível concretizar esse desafio, esse sonho? Foi maravilhosa a construção do “lago lonado”. Moral da história: um ano depois tiram os peixes. Em abril de 2010, Zezinho me contou:
– Olha doutor, minha família comeu peixe, distribuí pros vizinhos e ainda enviei numa caixinha de isopor com gelo pelo ônibus prá minha filha em “Sum Paulo”. Dois dias depois minha filha me liga:
Pai comi dos peixe daí. Comi os peixe e chorei de emoção. Ninguém podia entender. Essa barraginha é milagrosa. Jequitinhonha manda peixe prá “Sum Paulo”!


FMA – Nesta seca do Rio Grande do Sul,barraginhas seriam a solução?Luciano – Olha, a matéria-prima do sistema barraginhas são as chuvas abundantes e as enxurradas. Depois das chuvas vem o veranico… depois, mais chuvas. Quem nunca viu reportagens de enchentes? Isso é todo ano. As mini barragens têm que estar prontas, direto, de bocas e braços abertos para receber água em abundância… Vai guardando. Sem o sistema, as enxurradas seguem para as enchentes. Não dá mais para salvar este ano, mas fazendo um pouquinho a cada ano, persistentemente, como o sistema de vacinação de paralisia infantil até virar cultura, passando de pai prá filho, não tenho dúvida que é uma das melhores alternativas para conviver com o problema. Se dá certo no vale do Jequitinhonha, vai dar certo em qualquer lugar.




 


As hortas nascem em torno de barraginhas em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha-MG. É o milagre da sobreviência e da diminuição do êxodo rural.


 


 


 


 



 


 


A cacimba da dona Rosa está o ano todo com água por causa de uma barraginha mais acima. Os vizinhos sabem que durante a seca podem contar com a cacimba de dona Rosa com água para beber e cozinhar.


 


 


 


 



 


 


 


O primeiro projeto em Jati/Ceará concebeu uma técnica importante: barraginhas e cisternas juntas.


 


 


 


 



Encontro, em 2011, para apresentação do Projeto Barraginhas, em Conceição do Tocantins. Participaram do Dia de Campo mais de 500 pessoas de seis municípios vizinhos.


 


 


 


 


 


 


 


FMA – Além de ajudar no plantio, o senhor acha que o sistema seria uma ferramenta para a Defesa Civil para amenizar a tragédia das inundações?
Luciano – Olha, “tromba d’água” em montanha, ninguém segura. Mas posso dizer que nos últimos seis anos começamos a fazer uma experiência e temos aprimorado o sistema de amenização de inundações e lama em bairros urbanos e vilas rurais. Mais isso em localidades rurais próximas ou limítrofes de fazendas à montante, que carreiam além de enxurradas, também lama para o interior das casas.
Em Periquito, zona rural do município de Cordisburgo-MG, desde 2008, o pessoal lá não raspa mais lama de suas cozinhas. E agora, em 2011, o bairro Mangueiras de Caetanópolis ficou livre também de rapar lama com enxadas em suas casas depois da intervenção do sistema de barraginhas construído na fazenda vizinha. Este trabalho foi uma parceria da Embrapa, com a Prefeitura e a Defesa Civil de Caetanópolis. Todos esses projetos fazem parte do programa “Desenvolvimento e Cidadania” que tem o apoio da Petrobras.


FMA – Além dos treinamentos e da presença do disseminador que ajuda a cuidar das barraginhas, vocês também usam a internet e blogs para a mobilização e informação, não é?
Luciano – É isso mesmo. Parece um paradoxo: trabalhar em regiões carentes e com pessoas que tem pouco conhecimento, ao mesmo tempo buscar uma ferramenta moderna e forte como os blogs. Mas veja a importância do projeto das barraginhas. Além da inclusão social ao “produzir” água e manter o verde, nós conseguimos fazer inclusão digital. Isso mesmo, inclusão digital. Um exemplo: veja a participação da comunidade do Córrego do Paraguai, em Frei Gaspar, no vale do Mucuri mineiro. Esse é o álbum 336 em cinco anos do blog. Cada álbum/blog nasce de um evento, de uma palestra ou de um dia-de-campo.
Hoje cada responsável numa comunidade já manda fotos e informações para entrar nos álbuns do blogs. Então a internet ou os blogs  multiplicam as informações, tornam o projeto mais vivo, muito mais dinâmico e mais real. Como dizia Ulisses Guimarães, os blogs ajudam a trazer mais parceiros para debaixo de nossas asas. Vou deixar aqui o endereço de um dos álbuns do blog, para você e o leitor conferir. < http://barraginhas.multiply.com/photos/album/336/336?replies_read=30