DA TERRA E DO CORPO

16 de fevereiro de 2012

Com a enxada se aprende o ABC da terra, dela tirando o sustento, às vezes sim, às vezes não.

Com mais ou menos importância, estas histórias estão semeadas no corpo de quem marcou suas mãos com as dores do trabalho e as fazem brotar quando bem entende. Eu mesmo tenho contato com esta ferramenta desde pequeno e embora não com grandes agonias, ainda é corriqueiro estar capinando o quintal. Sobre ela já fiz referência em escritos e artes conceituais, abordando temas que lhe dizem respeito.
Falei da enxada que ficou de luto pelo trabalhador quando ele preferiu a cidade; falei da enxada que foi o remédio para a fome de muitas pessoas; falei da enxada que desafiou a terra deixando nela uma esperança; falei da enxada que plantou o fruto do amanhã, fruto que foi tirado por mãos especulativas; falei da enxada que calejou as mãos do homem em esperança e desespero; falei tantas coisas e acabei falando muito pouco.
Ainda vejo pelos cantos da cidade, braços erguidos e estendidos para os outros, rogando pão, auxílio e felicidade. As mesmas mãos que deixaram ao canto uma enxada desprezada, oferecendo pão, auxílio e felicidade. Uma enxada esperando os braços erguidos e estendidos.
Muitas destas mãos colheram, repartiram e serviram fartura através da enxada, e hoje com ou sem explicação, estão a pedir. Erguidas e estendidas, cansam-se mais que com o trabalho na terra. Com a enxada se aprende o ABC da terra, dela tirando o sustento vezes sim, vezes não. A enxada poderia substituir a minha bengala no futuro, como uma medalha pelo vínculo do trabalho. Com a enxada poderia ser enterrado numa cova profunda, abaixo da semente do hoje e da colheita do amanhã.
Bem que poderiam fazer do espantalho, a minha cruz.