DIA DO ÍNDIO

Dois caciques, duas lições

22 de abril de 2012

Documento holístico e com forte dose de humanismo. Verdadeira aula de educação ambiental.

 

“O Ministro Carlos Ayres Britto acaba de assumir a presidência do  Supremo Tribunal Federal, substituindo o ministro Cezar Peluso. Joaquim Barbosa será vice-presidente da Corte Suprema.
Natural de Propriá, Sergipe, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto é um jurista de veia poética. Formou-se pela Universidade Federal do Sergipe e é Mestre e Doutor pela PUC-SP. Para uns, Carlos Ayres, 69 anos, é um homem simplesmente iluminado. Para outros, um brasileiro de rara sensibilidade que tem a missão de ajudaWr seu País e seu povo. Com certeza, há um consenso: o ministro Ayres Britto é um humanista, democrata, exemplo de humildade e de sabedoria.
 Não foi surpresa para os 700 participantes do Fórum Mundial de Juízes, realizado no início de 2009, em Belém do Pará, quando ao fazer a abertura do evento – o ministro Ayres Britto sentenciou: “Os juízes precisam ler mais poesias, romances e jornais para entender melhor a realidade da sociedade”. O apelo era para que os magistrados brasileiros atuem sempre com sensibilidade e comprometidos com a justiça social. Ayres Britto é, ministro do Supremo desde 2003 e deve se aposentar neste final de 2012, por completar 70 anos.

 

Touro Sentado e Búffalo Bill

 

O primeiro documento é de 1854. É a carta do cacique Seattle, endereçada ao ex-presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Pierce, como resposta à sua proposta para comprar as terras dos Peles Vermelhas. A carta revela o pensamento, o sentimento e a cultura da tribo duwamish. É sempre atual e tem uma beleza poética singular. A carta do cacique Seattle começa assim:

 
“O homem não tramou o tecido da vida, 
ele é simplesmente um de seus fios…
A terra não pertence ao homem: 
o homem pertence à terra….
Há uma ligação em tudo”. (…)
 
Segundo a professora e bióloga Mônica Meyer, a interação do índio com a natureza se estabelece através de uma reciprocidade em que ambos são considerados e respeitados como sujeitos. Isto implica um tipo de contrato natural entre as partes em que não há posse nem dono. Conseqüentemente, não se pode vender nem comprar. A terra não pertence ao homem. Para os duwamish a terra é um sujeito. E não um objeto ou uma mercadoria que pode ser comercializada pelo valor de uso e de troca.
(…) Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho”.  (…)
Para o cacique Seattle a existência em si de cada elemento natural e a relação de parceria garantem a sacralidade. A seiva que percorre o corpo das árvores (repare que não é um tronco, mas o corpo) carrega consigo as lembranças do homem vermelho. Essa cumplicidade só se estabelece entre sujeitos que se interagem e convivem num mesmo espaço e tempo.
 
Cacique Branco
E o documento do Cacique Branco? Sim, foi escrito 158 anos depois. Em 2009, quando o relator do processo no Supremo Tribunal Federal defendeu a manutenção do decreto homologatório que destinou a cinco etnias indígenas a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma área de mais de 1,7 milhão de hectares, em Roraima.
O cacique branco em questão é o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto. O cacique Ayres Britto confessou ter enfrentado o próprio preconceito. “Comecei Buffalo Bill e terminei Touro Sentado”. Começou o atirador do Velho Oeste e terminou o líder Sioux que morreu lutando por seu povo.
O próprio ministro se lembra que “antes via o índio como um ser primitivo, de cultura inferior. Mas ao mergulhar totalmente neste trabalho, mudei minhas idéias. Fui explorando os veios da Constituição. Palavra por palavra. Literalmente, estudei cada termo do cwapítulo sobre os indígenas. Nenhuma preposição escapou. À medida que eu ia lendo a Constituição, eu, que tinha a obrigação de ser um militante da Constituição, fui percebendo que o capítulo versante sobre os índios foi feito por antropólogos e indigenistas de grande conhecimento. Entendi que estava pensando com cabeça de branco e indo no sentido oposto do que prega a lei. A Constituição diz que há duas civilizações. A do branco e a do índio. Há duas dignidades”.
 
Numa sociedade que se estrutura por uma atividade econômica de exploração de recursos naturais e de recursos humanos, sem considerar os aspectos ecológicos, culturais e simbólicos, compreender a natureza como um sujeito igual requer uma mudança de mentalidade e de modo de vida.
 
O Cacique Seattle e o Cacique Ayres Britto dão exemplos. Dois humanistas. Dois exemplos de humildade e de sabedoria.