1924 A 2012

AZIZ AB’SABER

22 de maio de 2012

Uma abordagem geográfica para leitura das paisagens brasileiras

“A paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”.
Aziz Ab’ Saber, Os domínios de natureza no Brasil
 
 
 
 
 
 
 
A paisagem é sempre uma herança”, dizia o professor. Herança histórica e herança cultural dos povos agindo sobre os diferentes ambientes. Ambientes esses que possuem características distintas de solo, clima, vegetação, relevo, água. Dessa combinação resultam espaços e lugares os mais diversos, expressivos e originais do Brasil.
Para descrevê-los, o pesquisador partia da clássica divisão do território brasileiro em seis Domínios Morfoclimáticos e Fitogeográficos: Amazônico; dos Cerrados; dos Mares de Morros; das Caatingas; das Araucárias e das Pradarias. Cada domínio, geralmente associado a determinada região do país, possui feições específicas de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas. Entre a área principal de um domínio e a de outro, há faixas de transição e de contato, com mini-biomas, formações paisagísticas e condições ecológicas variadas.
 

Amazônico
No domínio amazônico estão as terras baixas, originadas por processo de sedimentação, com floresta equatorial, e onde há grande influência dos rios formadores da maior bacia hidrográfica do mundo. “Rios com colorações distintas: rios negros, rios brancos, brancos super-argilosos e rios verdáceos”, relata o professor. Em localidades de difícil acesso, em que se verificam mini-biomas como igapós, campinas, campinarãs e campos submersivos, há famílias que moram em palafitas e se locomovem utilizando embarcações tradicionais. No passado, a extração da borracha permitiu desenvolver economicamente parte dessa região amazônica. Posteriormente, a industrialização e também vários projetos governamentais buscaram levar desenvolvimento às áreas, mas nem sempre alcançando os efeitos positivos almejados.
Todas essas diferenças regionais foram muito bem compreendidas pelo professor Aziz, que era consciente das condições de vida dos grupos sociais representados por trabalhadores rurais dos sertões interiores, por comunidades pesqueiras dos belos litorais do Brasil atlântico, por habitantes do rústico Nordeste Seco, por moradores de comunidades carentes nas grandes metrópoles, entre outros cidadãos brasileiros. Foi para beneficiar esses grupos sociais pouco assistidos que o professor batalhou como militante no decorrer de sua trajetória. Dedicou-se a numerosos projetos, sempre demonstrando que seu conhecimento científico esteve aplicado, a serviço da construção de um Brasil mais democrático, humano e igualitário. 
 
 
Aziz Ab’Saber:
Críticas ao Código Florestal
 
Envolvido nos debates mais importantes das ciências brasileiras e informado quanto a acontecimentos políticos, sociais e econômicos do país, Aziz Ab’Saber posicionou-se contrário ao novo Código Florestal. 
Criticou o texto por não levar em conta o zoneamento físico e ecológico de todo o território nacional, incluindo a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos, o cerrado brasileiro, os planaltos de araucárias, as pradarias mistas do Rio Grande do Sul e o pantanal mato-grossense. 
O professor chegou a defender a criação de um Código da Biodiversidade para contemplar as espécies animais e vegetais.

 


“Aziz Ab’Saber ajudou a construir muitas das políticas públicas brasileiras. Ele foi um dos maiores geógrafos que o Brasil já teve. Seu profundo conhecimento da geografia e seu compromisso inabalável com o povo brasileiro foram fonte de inspiração para todos nós.
Luiz Inácio Lula da Silva
 
 


 

O geógrafo Aziz b’Saber morreu aos 87 anos, dia 16 de março. Autor de estudos e teorias fundamentais para o conhecimento dos aspectos naturais e dos impactos ambientais no Brasil, Ab’Saber desenvolveu ao longo de extensa carreira centenas de pesquisas e tratados de relevância internacional nas áreas de ecologia, biologia evolutiva, fitogeografia, geologia, arqueologia e geografia. Foi presidente de honra, presidente e conselheiro da SBPC. Era membro da Academia Brasileira de Ciências.
 

 
Educação Ambientalem várias escalas
 
Educação Ambiental envolve todas as escalas, começando pela casa, passando pela rua, pelo bairro, ultrapassando as periferias, a cidade e a metrópole, atingindo a escala nacional e a escala planetária. 
Apaixonado pelas coisas da natureza e atento ao comportamento dos homens face ao futuro do planeta, o professor Aziz era um contundente defensor da verdadeira Educação Ambiental, entendendo-a como algo necessário e dependente da correta aplicação das ciências. 
Para ele, a humanidade precisaria desenvolver um novo ideário comportamental, tanto em âmbito individual quanto em escala coletiva. Educação Ambiental envolve todas as escalas, começando pela casa, passando pela rua, pelo bairro, ultrapassando as periferias, a cidade e a metrópole, atingindo a escala nacional e a escala planetária. 
Obriga a um entendimento claro sobre a projeção dos homens em espaços terrestres, herdados da natureza e da história. “É preciso pensar no lugar de cada um de nós nos espaços sociais criados pelas condicionantes sócio-econômicas”, dizia Aziz. 
Além disso, verificar os desajustes nas formas de ocupação dos solos rurais, refletir sobre o crescimento das cidades e a pressão gradativa provocada pelos espaços urbanos.
Todos esses ensinamentos são aplicáveis à tarefa do profissional educador e, em especial, ao professor de Geografia, que teria o papel fundamental de ajudar o aluno a entender o local onde vive para atuar sobre ele. “O foco da Educação deve ser o estudo de soluções para problemas regionais. É preciso ensinar o aluno a diferenciar, entre tudo o que se pode aprender, as questões que realmente interessam a ele a partir do ambiente em que vive. 
O conhecimento da região deve englobar informações sobre os limites territoriais, as características geográficas, econômicas e políticas. Essas informações servirão para ele se localizar como cidadão e sempre servirão de base para qualquer estudo de espaços maiores, como as macro-regiões do país”.
Essa orientação está ligada à própria vivência do professor Aziz, nascido em São Luís do Paraitinga /SP, que se recordava da primeira excursão feita como aluno da Universidade de São Paulo. “Foi uma excursão que deixou São Paulo, passou por Sorocaba, Itu, Salto, Campinas e depois retornou. Foi definitiva em minha vida. Senti que iria me dar bem lendo a paisagem e me decidi pela geografia”.
Tendo nos legado sua admirável obra, composta por mais de 350 publicações, entre livros, ensaios, teses e projetos, o professor Aziz trabalhou na USP  até o dia anterior ao seu falecimento.
 
 
 
 

 

(*) Mônica de Medeiros Mongelli é arquiteta formada pela USP, Mestre em arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília e Coordenadora de Paisagem cultural do Departamento de Patrimônio Natural do IPHAN.
Trabalha atualmente com o projeto de preservação do patrimônio cultural do vale do rio São Francisco.
Mônica explica que paisagem cultural é diferente de patrimônio. A paisagem cultural reconhece o valor da relação do Homem com o meio ambiental e geográfico em determinada porção do território.