"Rios e manguezais são de grande importância para o peixe-boi marinho, principalmente para o nascimento de filhotes. As fêmeas grávidas procuram áreas calmas e rasas para dar a luz. a destruição dos estuários para empreendimentos turísticos, barragens nos rios, salinas e fazendas de cultivo de camarão, têm tornado difícil a entrada das fêmeas grávidas que acabam por dar a luz em mar aberto. Daí o filhote não consegue ficar perto da mãe e acaba encalhando."
Foto: Michael Lusk
Segundo Rômulo Mello, do ICMBio, dentre os animais capturados quatro foram fêmeas (incluindo uma fêmea com filhote) e um macho. O macho foi o primeiro a ser capturado e recebeu o nome de Adão, as fêmeas adultas foram chamadas Eva, Ica (referente a Icapuí) e Redonda (praia próxima ao local da captura). Redonda se encontrava com sua filhotinha, chamada Gabriela. Esta parte da pesquisa, que é a captura, é muito delicada. Foi necessária a utilização de um barco construído exclusivamente para conseguir pegar peixes-boi nativos, um barco de apoio, uma rede de 200 metros de comprimento por 7 metros de profundidade, dois laboratórios móveis e um escritório de campo.
Mais de 40 pessoas envolvidas diretamente na captura desde a parte logística, como a equipe de captura dos animais, a de coleta de amostras e de exames clínicos e a de telemetria, sendo a maioria composta por biólogos e veterinários. Todos os animais receberam um rádio transmissor que emite sinais por satélite e, através do sistema Argos, podem ser acompanhados diariamente por computador.
Rômulo Mello explica que essa metodologia é inédita no Brasil e significa uma ferramenta valiosa para determinar a saúde da população e a variabilidade genética. “Todas as informações colhidas vão subsidiar a área ambiental do governo brasileiro a tomar decisões visando a conservação da espécie, que atualmente se encontra criticamente ameaçada de extinção”, salienta Rômulo Mello.
Fábia de Olveira Luna – Entrevista
“Chegará um dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal, e neste dia todo crime contra um animal será um crime contra a humanidade.”
Leonardo da Vinci
A frase acima, de Leonardo da Vinci, abre a dissertação de Fábia de Oliveira Luna apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Ciências na área de Oceanografia Biótica. Título do trabalho: “ Distribuição, status de Conservação e aspéctos tradicionais do peixe-boi marinho (Trichechus manatus) no litoral do Brasil.” Fábia Luna, bióloga marinha e mestre em Oceanografia, é a coordenadora-geral do CMA – Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos, do ICMBio. O CMA está localizado na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco. É com ela que vamos falar sobre a importância e sobre o ineditismo desta pesquisa.
Foto: Rômulo Mello
Depois do trabalho no mar, o trabalho no laboratório. Na foto, a veterinária Martine de Wit, do FWC/Flórida/EUA e, à sua esquerda a bióloga Fábia Luna, Coordenadora Nacional do CMA/ICMBio.
Em pé: Margareth Hunter, geneticista USGS/EUA. Sentadas, à direita: Coralie Nourisson, bióloga e doutora em peixe-boi no México, e ao lado, em primeiro plano, Ana Paula, veterinária da UERN.
Folha do Meio – Qual a importância dessas capturas?
Fábia Luna – A pesquisa é de extrema importância, pois é a primeira vez no Brasil que nos dedicamos a ter amostras de animais na natureza. Teremos parâmetros de saúde, genética, deslocamentos, uso de área, etc de indivíduos que se encontram livremente na natureza. Antes, possuíamos estes dados apenas de animais em cativeiro e filhotes órfãos, o que não retrata a realidade das populações que estão em vida livre. Com estes novos dados podemos ter informações que subsidiem ações para conservação da espécie no ambiente natural e a conservação de seu habitat.
FMA – Por que tem outras instituições de outros países parceiras do projeto? Os brasileiros não podiam desenvolver o trabalho sozinhos?
Fábia Luna – Nos Estados Unidos a captura de peixe-boi nativo ocorre hà mais de 20 anos. A atividade pode ser perigosa para humanos e para animais, uma vez que biólogos, veterinários e tratadores de mamíferos aquáticos saem num barco construído para captura de peixe-boi e cercam o animal puxando para cima do barco.
Pode haver problemas da embarcação virar e também de animais ficarem presos na rede. Os pesquisadores norte-americanos trouxeram toda sua experiência e tecnologia para o Brasil ao participarem desta atividade pioneira no país. Agora a equipe brasileira se encontra capacitada e apta a desenvolver a captura em outras regiões do País e, assim, obter mais dados sobre a espécie ao longo da sua área de ocorrência. No litoral de Alagoas ao Amapá. Essas parcerias internacionais e a troca de informações são importantes para nós pesquisadores e para o resultado do trabalho. Se há alguma coisa que não tem fronteira é justamente o meio ambiente.
FMA – Qual a grande revelação das análises e da pesquisa que vocês estão fazendo?
Fábia Luna – A captura ocorreu na semana passada, ainda teremos muitas análises de amostras e dados para realizar, a princípio, somente com um dos dados, o de pesagem dos animais, verificamos o peso de mais de 600 kg, para a população do Brasil. Aqui, sempre abordávamos que os animais pesavam uns 500 quilos, enquanto os da Flórida chegavam a uma tonelada. Já através da radiotelemetria por satélite, estamos verificando os deslocamentos dos animais e as áreas de alimentação e onde buscam água doce. As rotas que podem realizar e o período que gastam em cada local. Ainda vamos desenvolver pesquisas sobre virologia, contaminantes, patologias, genética, parâmetros sanguíneos, comportamento, etc.
FMA – Qual a população de peixe-boi no Brasil?
Fábia Luna – O peixe-boi marinho tem uma população estimada de apenas 500 animais. É um número estimado. Com novas pesquisas como as que o CMA vem coordenando, por meio de captura e sobrevôos, esperamos ter um número mais consistente e mais atualizado, já que as estimativas anteriores foram realizadas na década de 90.
FMA – Hà diferença entre peixe-boi marinho e de água doce?
Fábia Luna – O peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis) tem cor preta, mancha branca na barriga, não possui unhas e é menor do que o marinho. O amazônico pesa até 300 quilos e mede em média 2,5m. Peixe-boi marinho, pesa mais de 600 quilos, mede 4 a 4,5m, é cinza e possui unhas nas nadadeiras peitorais.O peixe-boi amazônico ocorre na bacia Amazônica até a ilha de Marajó. Já o marinho brasileiro ocorre do Amapá até Alagoas.
FMA – De posse dos dados, qual é o próximo passo do projeto?
Fábia Luna – O próximo passo é traçar estratégias para conservação da espécie baseadas em dados científicos e não empíricos. A região onde o estudo foi realizado sofre com o encalhe de filhotes órfãos que se perdem no mar com menos de um mês de vida. Estes animais são levados para Itamaracá – sede nacional do CMA, onde são reabilitados para soltura. No entanto, seu comportamento nunca será o mesmo de um animal que svive na natureza. A compreensão melhor do que está acontecendo no litoral do Ceará e Rio Grande do Norte nos possibilitará conservar melhor a espécie, inclusive buscando minimizar o encalhe dos filhotes.