X - Série Expedição Américo Vespúcio
Os lendários navios-gaiola Parte II
15 de outubro de 2012“Assim, 150 anos depois desses levantamentos e planejamentos da navegação fluvial do São Francisco, o alto curso do rio continua desconhecido e desconsiderado no planejamento do desenvolvimento da bacia”. O rio das Velhas é o mais extenso tributário do São Francisco. Foi nele a pioneira navegação a vapor na bacia do São Francisco. Em… Ver artigo
“Assim, 150 anos depois desses levantamentos e planejamentos da navegação fluvial do São Francisco, o alto curso do rio continua desconhecido e desconsiderado no planejamento do desenvolvimento da bacia”.
O rio das Velhas é o mais extenso tributário do São Francisco. Foi nele a pioneira navegação a vapor na bacia do São Francisco. Em 1854 (relatório publicado em 1855) o engenheiro francês E. de la Martinière, contratado pelo governo provincial de Minas Gerais, realizou levantamentos no rio das Velhas visando obter informações sobre a sua navegabilidade. Propôs melhorias na calha para a navegação a vapor comercial, interligada a uma rede de estradas provinciais, incentivando assim a agricultura, indústria e comércio. Era essa uma época de abertura de canais na Europa.
“De Sabará até Santa Luzia, não conseguiu fazer observação alguma no leito do rio, por causa da numerosa comitiva que, cheia de entusiasmo, o seguiu”, como se lê no livro “Navegação do São Francisco”, de Matta Machado, 2002. La Martinière escreveu que “no futuro, este sistema de vias de comunicação por terra e por água, com centro no rio das Velhas e São Francisco, poderá mesmo vir a fazer a integração econômica da maior parte do território brasileiro”.
Outro francês, Emmanuel Liais, levantou o rio para fins de navegação e características gerais em 1862 (Hydrographie du Haut San-Francisco et du Rio das Velhas, 1865), propondo melhorias, desde Sabará até o Barra do Guaicuí, numa extensão de 666 km navegáveis, e desta, até a foz do Paraopeba no São Francisco, hoje inundada pelo lago de Três Marias.
O engenheiro Benjamin Francklin Albuquerque Lima, em 1881/82 levantou as condições de navegabilidade do rio das Velhas desde o convento de Macaúbas até a Barra do Guaicuí, na foz do rio, uma extensão de 610 km. Considerou o rio raso, mas sugeriu uma série de melhorias de desobstrução na calha, como estreitamento e direção das águas para canais por meio de pedras, proporcionando uma lâmina para um calado de 1 metro; remoção e demolição de pedras e matacões do leito; controle de erosões nas margens e outros. Com base nesses três levantamentos, todo este trecho do Velhas foi desobstruído, e obras como molhes, canais, etc, foram construídas no seu leito no final daquele século.
A montante da foz do rio Paraopeba (hoje represada por Três Marias) era lugar comum que o rio não era navegável. É que tudo tinha início em Morro Velho, bem próximo a Ouro Preto, capital da província, onde estavam os interesses ingleses na mineração do ouro, para onde deveriam vir as ferrovias e as estradas desde o Rio de Janeiro. Então jamais considerou-se no Império algo maior a montante da foz do rio Paraopeba, ficando a descoberto assim um grande trecho navegável do São Francisco. Mas é este um termo relativo, uma vez que quase sempre exigem melhorias e desobstruções as águas interiores. Assim, 150 anos depois desses levantamentos e planejamentos da navegação fluvial do São Francisco, o alto curso do rio continua desconhecido e desconsiderado no planejamento do desenvolvimento da bacia.
Uma ótica lamentável, considerando a extensão de 680 km a montante de Pirapora como via turística. Os mapas só consideravam o rio a jusante de Pirapora, isto é, abaixo da turística e aprazível cidade mineira. Com base nos levantamentos e relatórios o governo imperial liberou a partir de janeiro de 1894 o transporte de passageiros e cargas no rio São Francisco, Velhas e outros, através da Cia Viação Central do Brasil (fluvial), com sede no RJ. Mas a navegação interior naufragou literalmente. Navegação ainda hoje de fundamental importância em países europeus, americanos, asiáticos e outros.
A montante de Pirapora até Três Marias, cerca de 125km, o trecho é sabidamente não navegável, pela ocorrência de corredeiras e pedrais que afloram nas baixas vazões. Para esses trechos e outros como Três Marias-Pirapora seria o caso de decidir-se no futuro, “pela melhoria gradual das condições da calha por meio do conhecido processo de estreitar o curso ao longo dos canais rasos, seja com estacadas, caixões submersos e dragagens localizadas. O engenheiro La Martinière, em 1855, propôs ao governo da província tal processo para o rio das Velhas; é de execução fácil e de baixo custo” (W. Euler, 1937).
Navegando até meados da década de 80, os principais navios-gaiola do São Francisco foram: Saldanha Marinho (o pioneiro), Presidente Dantas, São Paulo, Antonio do Nascimento, Alfredo Viana, São Salvador, Mata Machado, Engenheiro Halfeld, Melo Viana, São Francisco, Benjamin Guimarães, Barão de Cotegipe, Fernandes da Cunha, Cordeiro de Miranda, Wenceslau Braz, Fernão Dias, Antonio Olinto, Santa Clara, Coronel Ramos, Francisco Bispo, Sertanejo, Governador Valadares, Afonso Arinos, Paracatuzinho, Juracy Magalhães, Costa Pereira, Juarez Távora e outros.
Em tempo, o Benjamin Guimarães foi o primeiro barco restaurado (2004), operando em Pirapora com turismo, e o São Salvador, restaurado em 2008, opera como navio-escola em Ibotirama.
Chegou um dia… eu resolvi recontar tantas histórias, navegando desde o alto Alto São Francisco de Iguatama até o mar, na Expedição Américo Vespúcio, em 2001, com 40 ambientalistas e pesquisadores a bordo (Embrapa, Ibama, Codevasf, etc), dois tripulantes e a coordenadora da PIPES, Niude E. Santo. Navegamos em uma barca PIPES (Pedro Iram Pereira E. Santo, de Carolina, Maranhão) de 17ton e calado de 0,80m, um estirão de 250 km até então jamais navegado por barco de grande porte e daí até o mar. O objetivo, além da óbvia navegação do trecho do alto curso, foi a revitalização da bacia do São Francisco até então engavetada.
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