É O FIM DOS LIXÕES?

20 de dezembro de 2012

Sem improvisos, prefeituras têm prazo até agosto de 2014 para fazer os aterros sanitários e metas a cumprir com a reciclagem.

"Os municípios têm que cumprir o prazo. Como que o Brasil consegue construir tantos estádios para a Copa do Mundo e não conseguiria conceber e instalar aterros sanitários no mesmo prazo? Será que somos bons apenas para construir estádios?”

Wladimir Antônio Ribeiro
 
 
 
 
 
 

O  dever de casa para os novos prefeitos: tem prazo para acabar com os lixões.

 

Wladimir Antônio Ribeiro – ENTREVISTA

Folha do Meio – Na área de gestão ambiental, qual os três maiores desafios para os novos prefeitos?
Wladimir Antônio Ribeiro – O primeiro é assegurar uma destinação final aos resíduos sólidos – hoje a maior parte dos resíduos coletados é colocada em “lixões”, numa grande agressão ambiental. 
O segundo desafio é preparar o Município para realizar licenciamento ambiental das atividades de impacto local, concretizando o que foi previsto na Lei Complementar 140 de 2011. 
O terceiro e o mais importante deles é reforçar a educação ambiental, base para que qualquer política ambiental possa dar resultados. Muitas vezes, será necessário se criar um consórcio com outros municípios e o prefeito vai ter que mostrar habilidade de negociar e viabilizar soluções conjuntas, que, muitas vezes, são as únicas realmente viáveis.
 
FMA – Quanto a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, qual deve ser a primeira ação do prefeito após sua posse?
Wladimir – Planejar. Não se trata de simplesmente investir em um aterro sanitário, achando que assim se resolve o problema da destinação inadequada dos resíduos sólidos. Cada aterro, apesar de ser uma solução boa para as condições brasileiras, é em si um impacto ambiental negativo. 
Por isso, é fundamental se saber se algum aterro já existente poderia dar conta da demanda ou, ainda, se for mesmo necessário se implantar um novo aterro, que ele atenda toda a demanda possível, ou seja, pelo menos receba os resíduos sólidos urbanos gerados a 40 quilômetros de distância. Muitas vezes, para assegurar isso, será necessário se criar um consórcio com outros municípios e o prefeito vai ter que mostrar habilidade de negociar e viabilizar soluções conjuntas, que, muitas vezes, são as únicas realmente viáveis.
 
FMA – Depois de tantas negociações no Congresso, a lei foi sancionada e é uma esperança para o meio ambiente no quesito gestão pública municipal. Quais as principais inovações?
Wladimir – Foram muitas as inovações. A principal delas é o planejamento, que passa a ser obrigatório. Com isso, acabou a estória de improvisos na área de resíduos – muita vezes, agindo sem planejamento, se acaba criando os “lixões”, que no começo eram “aterros sanitários”, mas inviáveis, porque não atendem critérios técnicos e econômicos que garantam a sua sustentabilidade. 
Outra mudança importante é que, a partir de agora – e, aos poucos, conforme se vai regulamentando – é o gerador quem passa a ser responsável pelos resíduos. Antes, um fabricante de refrigerante nem se preocupava se a embalagem do produto que ele fabrica e vende irá parar num córrego. Isso não era problema dele, era da Prefeitura, que tinha que gastar recursos públicos para limpar e recolher essas embalagens. Hoje, com a logística reversa, isso mudou. 
 
FMA – Explique melhor essa logística reversa.
Wladimir – Conforme a logística reversa vai se implantando o consumidor irá devolver a embalagem ou o produto usado para o comerciante que, a seguir, deve devolvê-lo para o fabricante, para reciclagem. Isso será revolucionário, porque, com essa obrigação, os produtos e embalagens vão ser concebidos para que haja menos resíduos e que os resíduos sejam mais facilmente recicláveis.
 
 
"Sem planejamento, vem a corrupção. O prefeito vai fazer o que quer, mesmo que não seja tecnicamente adequado. E aí se abre o espaço para atender os amigos, os compromissos eleitorais, sem se preocupar com o interesse público."
 
 

 
PREFEITO, NÃO PERCA O PRAZO!
 
O perigo está na improvisação de um um aterro sanitário
 
FMA – Sobre os prazos, qual o calendário que os prefeitos devem obedecer.
Wladimir – O primeiro prazo: 2 de agosto de 2012 era para todos os Municípios terem planos de resíduos. O prazo já passou, mas muitos municípios não elaboraram o plano. 
O segundo prazo: 2 de agosto de 2014, data a partir da qual não se aceitará mais “lixões”, sendo obrigatório que os resíduos sejam dispostos em aterros. Neste mesmo prazo (até 2 de agosto de 2014) todos os municípios deverão possuir e cumprir metas de reciclagem, para que somente os rejeitos – que são os resíduos impossíveis de reciclar – é que estejam indo para os aterros. O problema é que, sem que os planos tenham sido elaborados, haja a instalação de aterros no improviso, o que poderá causar no futuro um enorme impacto ambiental negativo. 
A população tem que saber que nem todo aterro sanitário é bom, mas apenas os aterros sanitários que atendam aos resíduos gerados a 40 km de seu entorno e, ainda, que tenham sido previstos em planejamento.
 
FMA – Em 2014, o Brasil estará envolvido com a Copa do Mundo. Mas acabou a Copa, já a partir de 2 de agosto de 2014, a nova Lei não permitirá que os resíduos sólidos urbanos sejam dispostos em lixões. Na sua avaliação, vai dar para cumprir o prazo da lei?
Wladimir – Claro que dá para cumprir o prazo. Como que o Brasil consegue construir tantos estádios e infraestrutura para a Copa do Mundo e não conseguiria conceber e instalar aterros sanitários no mesmo prazo? Será que somos bons apenas para construir estádios? Nada disso. Se houver vontade política dá sim para cumprir o prazo, até porque implantar um aterro sanitário é bem mais simples que as enormes obras de infraestruturas previstas para a Copa do Mundo.
 
FMA – Prefeitura no Brasil não gosta de planejamento. Será que elas darão conta de cumprirem o prazo estipulado na lei?
Wladimir – Aqui entra o problema da corrupção. Sem planejamento, o prefeito vai fazer o que quer, mesmo que não seja tecnicamente adequado. E aí se abre o espaço para atender os amigos, os compromissos eleitorais, sem se preocupar com o interesse público. Sem o planejamento, e o planejamento participativo, com a participação da população, nada dará certo, por mais honesto e bem intencionado que seja o Prefeito. E, como no Brasil, ninguém leva planejamento a sério, vai ser necessária a cobrança da sociedade civil, do Ministério Público, dos tribunais de contas. Não queremos aterros sem planejamento, porque ao invés de solução estaremos criando novos problemas . E problemas imensos.

 

 

 
 

"Muitas vezes, será necessário se criar um consórcio com outros municípios e o prefeito vai ter que mostrar habilidade de negociar e viabilizar soluções conjuntas, que, muitas vezes, são as únicas realmente viáveis."

 

Orçamento da União tem R$ 1,9 bi

para investir em aterros sanitários

 

FMA – Existe algum organismo nacional ou internacional que pode ajudar as prefeituras com recursos financeiros ou recursos técnicos?

Wladimir – O Orçamento Geral da União de 2012 previu 1,9 bilhões de reais para investir em aterros sanitários, mas foi aplicado menos de 100 milhões. Simplesmente porque os Municípios não apresentaram seus planos e projetos. O problema é mais técnico do que financeiro. 
O Brasil precisa urgentemente de engenheiros ambientais, que saibam conceber soluções viáveis e sustentáveis, de forma a que tenhamos melhores projetos, e realizar os investimentos. Infelizmente, tudo acaba recaindo na educação, e na falta de inteligência, de bons profissionais.  Esse é o problema central. Temos que investir em inteligência, em capacidade de encontrar soluções. Mas, de qualquer forma, os recursos estão disponíveis. Faltam os projetos. Fazer projeto não é fácil, porque tem que se constituir um consórcio intermunicipal, se instituir a taxa de coleta e destinação final de lixo para garantir os recursos de manutenção do consórcio; tem que haver o licenciamento ambiental. É um desafio técnico e institucional muito grande.
 
FMA – Qual o grande problema para as prefeituras no cumprimento da lei: a falta de recursos financeiros ou de recursos humanos?
Wladimir – O principal problema são os recursos humanos, o conhecimento técnico. Mas a falta de recursos também incomoda muito. E aí será necessário se aumentar o auxílio do Governo Federal e, principalmente, do Governo Estadual. Experiências, como a de Minas Gerais, onde o estado repassa mais ICMS para o município que cuida bem de seus resíduos sólidos, são muito importantes e deveriam se estender para todo o Brasil.
 
FMA – A nova Lei oferece ainda alguma polêmica para sua implantação?
Wladimir – Não diria polêmica, mas apenas leva mesmo um tempo. A logística reversa, por exemplo, que obriga o fabricante e comerciante a receber de volta os resíduos gerados pelos produtos que fabricam e vende, para fins de reciclagem, só pode ser implantada aos poucos, por cadeia produtiva. Não se pode prejudicar o desenvolvimento econômico, que tanto benefício tem gerado ao Brasil nestes últimos anos, porque se trata, estamos vendo, de um desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Mas, mesmo assim, a logística reversa tem que ser implantada, com metas adequadas, de forma a não prejudicar a indústria nacional, que sofre inclusive uma competição desleal com produtos de países onde as empresas não possuem responsabilidade e custos ambientais.
 
 
"Antes, um fabricante de refrigerante nem se preocupava se a embalagem do produto que ele fabrica iria parar num córrego. Isso não era problema dele. era da Prefeitura, que tinha que gastar recursos públicos para limpar e recolher essas embalagens. Hoje, com a logística reversa, isso mudou."
 
 
FMA – O senhor acha que os aterros sanitários serão mesmo uma solução? Ou seja, não será mais um problema?
Wladimir – Aterro sanitário implantado com planejamento adequado, e que atenda aos resíduos gerados a pelo menos 40 quilômetros de sua localização, é uma boa solução para as condições brasileiras. Mas a ele não deve se resumir a política de resíduos, que deve estar baseada na redução da geração de resíduos e, também, no aumento da reciclagem. Para isso, a logística reversa e a implantação de metas de reciclagem são fundamentais. 
Acho que ao adotar a redução + reciclagem + aterro sanitário o Brasil fez a opção correta. Queimar resíduos, o que concentra a poluição e gera enormes problemas de saúde pública, seria a solução errada. Se falássemos em queimar resíduos para gerar energia, muitos iriam gerar ainda mais resíduos, achando que estariam fazendo um bem. Ao gerar mais matéria prima para a produção de energia, acaba sendo um erro.
 
FMA – O Brasil caminhou para uma solução inteligente?
Wladimir – O caminho da legislação brasileira não foi a da “solução mágica”, mas a da responsabilidade compartilhada. Claro que reduzir resíduos, reciclar dá bem mais trabalho. Mas acho certo acreditar nas pessoas e na educação ambiental. Acho que o povo brasileiro vai surpreender e que a legislação de resíduos, que pode parecer um sonho para muitos, vai se tornar realidade. Trabalho a cada dia para isso.