Em busca de um novo PIB para o próximo século

26 de março de 2013

Os Recursos Naturais só podem contar quando fizerem parte do PIB

 

O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro vai baixar entre 1% e 3% este ano. PIB não baixa por decreto. Trata-se de uma previsão. Essa previsão faz parte parte do pacote que o governo acertou com o FMI para sair da crise que atingiu o país. Principal indicador econômico dos governos, a queda do PIB será interpretada como uma derrota da administração FHC. O Brasil do ano 2000 terá uma produção menor, menos empregos e uma dívida social maior.
Mas será que o PIB realmente representa a riqueza de uma nação? Esse conceito, criado pelo economista inglês John Maynard Keynes na década de 20, continuará servindo para medir o desempenho dos países no próximo século? Há gente que acha que não.
 
Furacão e o PIB
Vejamos o que ocorreu com o furacão Mitch. Além de causar centenas de mortes, ele acarretou um prejuízo estimado em US$ 100 bilhões a Honduras e Nicaragua. Milhares perderam suas casas e seu patrimônio. Isso terá reflexos no PIB. Mas reflexos tanto negativos (diminuição da futura atividade econômica), quanto "positivos". O dinheiro de ajuda humanitária que entrou no país e permitiu a compra de alimentos, roupas e equipamentos será computado como um aumento do PIB. O fato de que parte do território de Honduras foi arrasado afetará o PIB apenas de maneira indireta. Teoricamente, enquanto o PIB do Brasil pode diminuir, o PIB de Honduras pode até crescer, em função do grande volume de ajuda externa num único exercício fiscal. O PIB de Honduras não leva em conta o patrimônio natural do país.
O mesmo problema ocorre na escala microeconômica. Os administradores de uma plantação de borracha na Nigéria calcularam que os benefícios de ampliar o empreendimento sobre a Reserva Florestal de Okomu superaria os custos. Os investimentos diretos foram estimados em U$ 450 mil, comparados com rendimentos de U$1,58 milhão. Mais tarde, porém, calcularam as perdas provocadas pela utilização da madeira na extração da borracha ao invés de usá-la na produção de combustível e de material de construção. O custo total do empreendimento ficou em 1,64 milhão de dólares. O projeto não foi desenvolvido.
O PIB, o PNB (Produto Nacional Bruto), a taxa de poupança e a balança comercial fazem parte do Sistema de Contas Nacionais. Todos os países fazem esses cálculos segundo os mesmos critérios e a Divisão de Estatísticas da ONU divulga os resultados em todo o mundo. Imagine que a economia é um carro. O Sistema de Contas Nacionais é o painel de controle do automóvel, cheio de indicadores e medidores fornecendo dados que orientam o motorista na direção. 
Salários, importações, impostos, déficits orçamentários, gastos governamentais, depreciação do valor de máquinas e equipamentos, tudo é considerado pelo Sistema de Contas Nacionais. Esses cálculos, no entanto, não levam em conta o valor e o papel dos recursos naturais na economia. Entre os fatores não computados para seu cálculo estão:
 
Economia x ecologia
U Bens não comercializados – O meio ambiente proporciona muitos "produtos" que não são vendidos, e para os quais é difícil atribuir um preço, como lenha para combustível, animais e peixes para sustento humano e plantas medicinais. 
U Serviços não comercializados – São a proteção que as matas proporcionam aos mananciais de água, o poder de filtragem dos manguezais e o próprio ar que respiramos e a água que bebemos. Também não são comercializados e igualmente difíceis de atribuir um valor.
U Capital natural consumido – O uso excessivo dos recursos naturais pode levar à escassez. O Sistema de Contas Nacionais não detecta esse problema, pois não classifica o capital natural como um patrimônio do País. Ao contrário, um país que derruba as suas florestas estará sempre aumentando o seu PIB. No dia que elas acabarem, o PIB não cai, apenas pára de crescer. 
 
Capital físico
Um estudo recente do Banco Mundial em 192 países concluiu que o capital físico — que é medido pelo PIB — corresponde apenas a 16% da riqueza produzida pelas nações. O capital natural, desprezado por esse indicador, representa 20% da riqueza, em média, mas cresce de importância em países como o Brasil, detentor de grandes recursos naturais. O maior capital é o humano, que representa 64% da riqueza. 
Nos últimos 20 anos, diversas organizações vem discutindo diferentes maneiras de alterar o SCN. Entre eles estão o Banco Mundial, o World Resources Institute (WRI), o WWF (Fundo Mundial para a Natureza), o Escritório de Estatística da União Européia (Eurostat) e diversos órgãos da ONU. Em 1993 pela primeira vez surgiu uma metodologia, ainda experimental, para resolver o problema. Ela foi desenvolvida pela ONU e ficou conhecida pelas suas siglas em inglês, SEEA, ou sistema integrado de contabilidade econômica e ambiental. No ano seguinte foi a vez do Parlamento Europeu aprovar uma resolução determinando a inclusão das variáveis ambientais no cálculo do PIB dos países membros. Essa tendência tem sido seguida por várias nações. Alguns exemplos:
U A Indonésia foi o primeiro país a contabilizar a perda de suas florestas, num trabalho pioneiro conduzido pelo WRI. 
U A Namíbia está implementando em etapas o sistema SEEA. O país está levando em consideração os seus principais recursos naturais. Espera-se que o novo sistema possa ajudar a priorizar a distribuição de água para consumo, irrigação e energia.
U A Holanda criou o "PIB Verde", uma metodologia diferente do SEEA proposto pela ONU. Esse cálculo subtrae to PIB tradicional a perda dos recursos naturais. Esse novo indicador tem sido usado para acompanhar o desempenho econômico e ambiental do País.
U O Chile desenvolveu um sistema de contas ambientais que incluiu a mineração e as florestas. O modelo mostrou que o sistema atual de exploração florestal chileno não é sustentável.
U A Costa Rica fez um projeto similar ao da Indonésia para calcular a perda de florestas. 
U As Filipinas criaram um sistema de contas nacionais no qual o meio ambiente é tratado como um dos vários setores da economia. Todos os serviços ambientais são levados em conta, assim como a degradação e a poluição. Essa metodologia também é diferente do sistema da ONU.
U Nos Estados Unidos, desde 1993 o Departamento de Comércio estuda uma metodologia para incluir o capital natural no cálculo do PIB. Esse trabalho agora encontra-se ameaçado pois o Congresso quer  cortar o orçamento do projeto. Como munição, vale-se de um estudo divulgado em novembro pela Academia Nacional de Ciências propondo apenas mudanças ortodoxas no cálculo do PIB.
U Em Londres, onde Keynes formulou suas teorias, foi criado um grupo formado por cinco organizações internacionais e 12 países para conjuntamente discutir metodologias para integrar o meio ambiente nas contas nacionais. O Brasil não é membro.
 
Quando vale a natureza
A variedade de abordagens e metodologias mostra que ainda estamos longe de ter um substituto perfeito para o conceito criado por Keynes. Uma das dificuldades é atribuir valores aos bens e serviços proporcionados pela natureza. Ninguém sabe quanto vale o ar puro. O máximo que sabemos é quanto custa tratar milhões de pessoas de doenças pulmonares e o valor dos dias de trabalho perdidos. Sabemos o valor de uma árvore na serraria, mas não o valor de uma árvore em pé. Quanto valem hoje a saliva de um sapo ou o espinho de um cactus? E quanto valerão se neles for encontrado um princípio ativo capaz de curar uma doença grave?
Outro dilema dos países é sobre o que fazer com o velho PIB. A ONU propoe uma saída salomônica: o PIB continua sendo calculado como sempre, mas os países simultaneamente devem fazer uma conta outra conta, conhecida como "conta satélite", que é o SEEA. Essa "conta satélite", que leva em consideração aspectos ambientais, funciona como um indicador adicional da saúde econômica (e ambiental) do país. 
A proposta de "PIB Verde", defendida pela Holanda e por algumas ONGs, entre elas o WWF, é de caminhar no sentido da integração total dessas contas. Os defendores dessa tese acham que os recursos naturais somente contarão quando fizerem parte do próprio PIB, não de um cálculo paralelo. Esse debate ainda vai render. Uma coisa é certa: quase todo mundo concorda que o PIB tradicional já não serve para a tomada de decisões de um país, nem mesmo decisões puramente econômicas.