Lendas do VELHO CHICO – Série Expedição Américo Vespúcio XV

São Romão: a Vila Risonha

19 de abril de 2013

Geraldo Gentil Vieira – [email protected]

 

São Romão, fundada em 1668, um dos mais antigos povoados de Minas, ligava caminhos dos sertões e do litoral, intercambiando produtos portugueses desde a Bahia, a capital da colônia, até o São Francisco, com entrepostos em Matias Cardoso e Barra do Guaicuí..” 
 
 
ERA UMA VEZ… 
Viviam ali numa ilha os índios Caiapós, onde ocorreu seu genocídio. Ao se tornar vila, o arraial ganha o peculiar nome de Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão, homenagem ao santo do dia, e quiçá penitência pela morte dos índios donos da terra. A cidade cresceu à sombra de um grande tamarindeiro ainda de pé, junto à igreja de Nossa Senhora do Rosário. 
Vêm daí as lendas locais de mouras encantadas e batalhas coloniais, a cavalhada e a dança do bumba-meu-boi. Reza outra lenda que uma viúva mandou construir a cadeia para fazer justiça ao assassino do marido. Para maltratar o preso nas úmidas e frias celas, ela mandou colocar sal debaixo do soalho. 
A lenda de São Romão surgiu no período de difusão do cristianismo. Romão foi um soldado romano da guarda do imperador Valeriano, e assim presenciava julgamentos e injustiças. Convertido ao cristianismo, um culto que os romanos não toleravam, foi condenado a uma cruel flagelação e à decapitação. As lavadeiras de São Romão ainda mantém suas tradições. Uma vez por semana com trouxas à cabeça, seguem para a beira do Velho Chico, preparam o sabão e esfregam as peças. Sentadas nas pedras ou tomando pé nas águas, o  ritual só termina quando as lavadeiras cantam e com elas cantei:
 
 
 Mãe d’água êh!
Só paro de lavar a roupa
Quando dói a minha mão
Mãe d’água ah!
Só vou m’imbora com minha trouxa
Quando o rio leva meu sabão…
 
 
O antigo reduto vêm da época das revoltas pioneiras, um barril político explosivo e influente, onde ocorreu a “Revolta do Sertão”, em 1736. Até governo provisório foi constituído. Como a Guerra dos Emboabas e a Sedição de Vila Rica contra os pesados impostos em vigor na colônia, a revolta foi sufocada. Se estas ocorreram pelo vil metal (o ouro fora descoberto em 1693, o famoso “ouro preto”), a primeira foi pela rapadura, aguardente e outros produtos ribeirinhos. 
São Romão, fundada em 1668, um dos mais antigos povoados de Minas Gerais, ligava caminhos dos sertões e do litoral, intercambiando produtos portugueses desde a Bahia, a capital da colônia, até o São Francisco, com entrepostos em Matias Cardoso e Barra do Guaicuí. Até cunhagem de moedas era feita na Vila Risonha, contam as lendas. Assim o arraial viveu os seus dias de fausto, tendo sido porto de escoamento de ouro e pedras preciosas oriundos em grande parte de Goiás e Mato Grosso.  
St. Hilaire relata em “Viagens às Nascentes do S. Francisco” que o sal-gema de Pilão Arcado destinado ao gado com entreposto na Vila Risonha, era trocado por açúcar e cachaça de Santa Luzia e levado em lombo de muares, pelos caminhos que vinham de Montes Claros das Formigas e da velha Jequitaí, e daí a Guaicuí. 
A rígida proibição portuguesa de isolar esses caminhos do litoral seria a razão porque a província de Minas, criada em 1720, não seja banhada pelo mar. A orla tinha donos, os reinóis com suas províncias e capitanias desde a descoberta. Creio que o mineiro achou boa a idéia de ficar escondido nas montanhas com o ouro e os diamantes, e claro o queijo, e assim jamais teve uma faixa de mar.
Muitas histórias foram contadas pelo menino de parcos recursos que criou sua própria lenda, de nome Júlio César Lima. O menino cresceu, mas ficou o pomposo nome “Museu de Valores Históricos, Artísticos e Ecológicos”, em um casarão antigo com o brasão da república na fachada, onde funcionou a lendária casa da moeda. E o inacreditável aconteceu: o pescador Lico Paiva, que vem descendo o rio, foi visto visitando o museu. Disse que doou seus velhos anzóis, levando em troca sementes de tamarindo. 
Na Expedição Américo Vespúcio, atracamos em Ibiaí para abastecer e comer peixe frito, e em São Francisco desembarcamos. Pelo adiantado da hora fomos de carro a Januária, onde em audiência pública recebemos a “Carta de Januária” no hotel do Sesc pelas mãos de ambientalistas e do padre Neri. No dia seguinte içamos âncora deixando para trás Pedras de Maria da Cruz, rumo a Itacarambi e Jaíba.
E mais uma vez, em nome da revitalização dos rios agonizantes do mundo, dos rios selvagens e indomados, grandes e pequenos, cantados em prosa e versos, transcrevo aqui um poema do afroamericano Langston Hugnes. 
Mas o poeta não cantou “Eu embarquei num navio-gaiola em Pirapora com carrancas à proa no rio São Francisco”…
 
 
CONHEÇO RIOS
Eu conheço rios tão antigos como o mundo e mais velhos que o fluxo de sangue nas veias humanas.
Minha alma é tão profunda como os rios. Eu me banhei no Eufrates, na aurora da civilização.
Eu fiz minha cabana na margem do Congo, e suas águas me cantaram uma canção de ninar.
Eu vi o Nilo e construí as pirâmides.
Eu escutei o canto do Mississipi quando Lincoln viajou até New Orleans e vi suas águas tornarem-se douradas ao entardecer.
Minha alma se tornou tão profunda como os rios.