Permanência Na América do Sul
23 de maio de 2013De como Darwin, um estranho em terras sul- mericanas, indicava o caminho aos locais.
Darwin chegou à América do Sul em fevereiro de 1832, via Fernando de Noronha. Seu conheci- mento e seus hábitos chamavam a atenção. No Uru- guai, seus instrumentos científicos, especialmente a bússola, causavam “a mais intensa estupefação nos locais. Em toda a casa que eu ia pediam-me insisten- temente que eu lhes mostrasse a bússola e, com seu auxílio, apontasse no mapa a direção de várias loca- lidades. O que, porém, excitou a mais viva admira- ção foi o fato de que eu, um completo estranho, pu- desse indicar a estrada para lugares onde eu nunca havia estado (…). Numa casa, uma jovem acamada pediu encarecidamente que me mandassem chamar para lhe mostrar a bússola”.
O milagre do fogo
Anota em seu diário: “Eu levava comigo al- guns fósforos que costumava riscar no dente. Um homem fazer fogo com os dentes era um milagre tão assombroso que famílias inteiras se reuniam para ver a maravilha (…). O fato de eu lavar o rosto causou grande sensação na aldeia de Las Minas. Um ne- gociante do lugar me submeteu a um rigo- roso interrogatório sobre prática tão sin- gular (…).
A admiração cau- sada pela bússola, como também pelas minhas outras faça- nhas de prestidigita- dor, pois com isso e com as longas histórias que lhes contavam os meus guias a res- peito de eu que- brar pedras, distinguir cobras venenosas de não-venenosas, colecionar in- setos, etc. pude lhes retribuir por sua hospitalidade”.
Aulas improvisadas
O jovem cientista, sempre solícito, explicava como era o formato da Terra, a diferença entre planeta e estrelas, que o Sol não se movia em volta da Terra, porque a Lua tem fases, etc.
Durante uma excursão nos Andes, surpreen- deu uma discussão entre seus dois companheiros que trocavam acusações sobre o responsável pela compra de uma panela estragada. As batatas fica- vam horas inteiras na água fervendo e continua- vam duras. “A maldita panela não quis cozinhar as batatas”, concluíram. Darwin explicou que a água fervia a uma temperatura bem mais baixa, naquela altitude.
“El Naturalista Don Carlos”, como constava em seu passaporte, desenvolvia atividades suspei- tas aos olhos de muitos.
Quando perguntado sobre o que achava do rei da Inglaterra mandar um colecionador de seu país para pegar lagar- tos e escaravelhos e que- brar pedras, um velho advogado espanhol foi enfático: “Hay um gato encerrado aqui. Nenhum homem é rico o suficiente para mandar uma pessoa pegar tais bobagens”.
Permaneceu nos pampas enquanto o Beagle realizava in- cursões cartográficas ao longo da costa da Patagônia.
Os anos aí passados foram um interlúdio de aventuras em uma vida rígida na austera e con- servadora sociedade inglesa. “Existe um enor- me prazer na independência da vida do gaúcho. Ser capaz de a qualquer momento parar seu cavalo e dizer ‘vamos passar a noite aqui’. O si- lêncio mortal da planície, os cães vigilantes, o grupo cigano de gaúchos fazendo suas camas ao redor do fogo, tudo isso deixou em minha mente uma imagem marcante dessa primeira noite e que nunca será esquecida”.
Observou a conduta de tribos selvagens na Terra do Fogo e sentiu os formidáveis efeitos de um terremoto no Chile, “… um segundo basta para criar na mente uma estranha idéia de in- segurança que horas inteiras de reflexões não produziriam”. Surpreendeu-se com as diferenças das aves, insetos e especialmente dos ratos, entre as duas encostas dos Andes.
Ao deixar a América do Sul, em outubro de 1835, verifica nas Ilhas Galápagos as in- quietantes diferenças entre as mesmas es- pécies de diferentes ilhas. “Era evidente que fatos como esses, bem como muitos outros, só podiam ser explicados pela suposição de que as espécies se modificam gradualmente; e esta questão não me saía do espírito”.