JARDIM BOTÂNICO DO RIO – DESRESPEITO E AMEAÇAS

Nem tudo são flores no JARDIM BOTÂNICO DO RJ

19 de julho de 2013

O Jardim Botânico do Rio carece do carinho, do abraço e da proteção dos cariocas

"O Jardim Botânico é onde se concede a grandes celebridades  a honra de plantar uma árvore e de deixar para sempre sua marca. Suas árvores são honradas por gênios, como ocorreu com um jequitibá cujo tronco e raízes foram beijados por Einstein."
 
Carlos Fernando de Moura Delphim
 
 
 
 
 
 
Carlos Fernando de Moura Delphim – Estrevista 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os invasores foram chegando de mansinho e se aninhando na esperteza, na má fé e no fisiologismo político
 
 
 
Folha do Meio – Como paisagista e arquiteto, você tem uma visão ampla de planejamento, manejo e preservação de sítios e paisagens culturais. Como você definiria o Jardim Botânico do Rio de Janeiro? O que é o JBRJ?
Carlos Fernando – Olha, poucos conhecem os inúmeros valores do Jardim Botânico do Rio. Ninguém sabe todos os segredos que ele encerra. Mas tenho uma certeza: todos o amam. Sua importância abrange desde a grandeza de dimensões cósmicas – por ter sido a primeira estação meteorológica do Brasil – até a mais minúscula forma de vida vegetal passível de observada em microscópios eletrônicos existentes em seus laboratórios. São poucos os sítios que registram tantos e tão excepcionais significados das mais diferentes fases que narram a História de nosso país. Ali se preservam testemunhos existentes desde antes da chegada do europeu aos primórdios da época colonial. O Reino, o Império, a República, tudo foi preservado como depoimento do passado e exemplo para o futuro.
 
FMA – Valores múltiplos. Mas qual o fundamental?
Carlos Fernando – O Jardim Botânico é um componente fundamental ao equilíbrio ambiental da cidade. É onde as águas que descem da montanha são absorvidas por terrenos ainda permeáveis, hoje tão raros em grandes metrópoles, impedindo alagamentos de vias públicas. Possuía outrora um complexo sistema de sedimentação de materiais sólidos que eram acareados pelas enxurradas e depositados em pequenas barragens que eram limpas periodicamente, evitando o assoreamento dos corpos hídricos. Seu rico lençol aquífero subterrâneo nutre a Lagoa Rodrigo de Freitas, juntamente com as águas do Rio dos Macacos. A vegetação que o reveste assegura a permeabilidade do solo e equilibra o microclima local. Ventos do mar trazem as nuvens que, ao encontrar as montanhas, fazem precipitar suas águas, mantendo o sítio sempre verde e aprazível.
 
FMA – Sem falar da beleza…
Carlos Fernando – Lógico, sem falar da beleza pois é uma paisagem incomparavelmente bela. Foi descrita por grandes literatos, representada por grandes artistas plásticos, louvada por viajantes estrangeiros que visitaram o país, fotografada por cada visitante. É uma visita obrigatória para qualquer turista. É onde se concede a grandes celebridades internacionais a honra de plantar uma árvore e de deixar para sempre sua marca. Suas árvores são honradas por gênios, como ocorreu com um jequitibá cujo tronco e raízes foram beijados por Einstein. Abriga coleções de vegetais – vivas ou secas – de todas as regiões do Brasil, muitas já extintas em seus habitats silvestres, além de expressiva representação das plantas mais notáveis de todo o mundo.
 
FMA – Por que você fala tanto no equilíbrio para a cidade?
Carlos Fernando – Simplesmente porque o Jardim Botânico do Rio é uma zona de passagem do gigantesco parque nacional urbano da Tijuca para o meio urbano. Atua como área de transição entre diferentes feições da Mata Atlântica. Por pertencer aos biomas da Mata Atlântica, Zona Costeira e Serra do Mar, é três vezes declarado como patrimônio nacional pela Constituição Brasileira. É um dos primeiros bens tombados pelo patrimônio histórico e artístico nacional: como paisagem, como jardim histórico e pelo acervo artístico, arqueológico  e arquitetônico que abriga. É duplamente declarado patrimônio mundial pela Unesco: por seu valor planetário – por integrar a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – e  como Patrimônio da Humanidade, na categoria  Paisagem Cultural.
 
FMA – Você que conhece tantos jardins – botânicos ou não – como o classifica em relação a outros jardins do mundo?
Carlos Fernando – Classifico-o como uma das mais importantes instituições científicas do País e um dos mais importantes centros de pesquisa botânica do mundo. Esse é um espaço procurado por especialistas de todo o mundo e responsável pela formação de muitos de nossos melhores pesquisadores. Local de lazer, onde se pode viver momentos de contemplação, fugir à balbúrdia urbana. Procurado por crianças, adultos, idosos, é preservado para ser um dia desfrutado por aquelas que ainda nem nasceram.
 
FMA – E não é só pela flora…
Carlos Fernando – Verdade, é um paraíso para a fauna: insetos: borboletas multicoloridas, libélulas, cigarras a cantar. Uma infinidade de sons, de cores no canto e nas penas dos pássaros. Peixes e anfíbios nos lagos e cursos d’água. Mamíferos que não parecem temer os homens como os caxinguelês correm pelo gramado e sobem às árvores.
Neste pequeno fragmento do Éden aos poucos se foi aninhando uma serpente: a má-fé e o fisiologismo político. Nos primórdios de sua história, permitiu-se que seus funcionários ali habitassem já que o local distava dos centros habitados da cidade e não havia vias de acesso seguras. O próprio rei, quando ali vinha, preferia vir pela Lagoa, de barco, a arriscar-se a passar sob uma pedra perigosa no atual bairro de Humaitá.
 
FMA – Da boa intenção, veio a oportunidade das invasões…
Carlos Fernando – Sim, de invasores oportunistas que farejaram a feliz possibilidade de aí se instalar. Quem não quer morar num bairro paradisíaco e sem qualquer ônus. Ou seja, morar às custas do Estado e pago por todos os contribuintes? Sim, quem paga esta mordomia é a sociedade brasileira.
 
FMA – Aí entrou a política, melhor dizendo, a politicagem para ganhar votos…
Carlos Fernando – É a política do interesse próprio. Políticos inescrupulosos que entreveem a forma de ganhar votos favorecendo a invasão de terras públicas passaram a conceder direitos, à revelia da lei, de seus eleitores e parentes aí residirem. Isto prejudicou aqueles que ali ainda viviam por trabalharem ou descenderem de trabalhadores que ajudaram a erguer a instituição. nivelando-os aos meros aproveitadores de bens coletivos.
 
FMA – Por causa destas invasões, então começou uma série de degradações?
Carlos Fernando – As degradações aconteceram e só aumentam. Cada vez mais requisitada pelo crescente número de visitantes, a área aberta à visitação do Jardim Botânico vem sendo cada vez mais pressionada e impedida de ser ampliada por causa das moradias clandestinas. A demanda de visitantes é muito grande. 
Até órgãos oficiais viram-se no direito de suprimir parcelas de terreno do Jardim Botânico. Mesmo que essa ocupação se explique por abrigar serviços públicos, não se justifica sob o ponto de vista da coletividade.
 
FMA – Você pode dar algum exemplo?
Carlos Fernando – Posso sim. Uma empresa pública construiu um prédio gigantesco e nunca seguiu a recomendação de retirar-se em um prazo já vencido há muitos e muitos anos.  Essa intervenção destruiu alguns dos mais valiosos talhões de experimentos florestais do Brasil. A uma árvore plantada no arboreto correspondia um conjunto de várias outras no local, que foram arrancadas para dar lugar a um monstrengo. Outras tantas edificações de menor porte foram instaladas junto a nascentes de água. Grandes trechos de florestas foram desmatados para a instalação de torres e abriram-se aceiros sob a fiação.
 
 
FMA – E como reagiu a população a estas invasões públicas e privadas?
Carlos Fernando – De costas para tantas agressões. Totalmente omissa, quando não cúmplice, por fechar os olhos ou defender as presenças indesejáveis. Presenças como um clube esportivo, talvez o mais simbólico símbolo da situação, ou de um teatro que, à noite, rouba a paz e espaço de um jardim onde antes reinava o silêncio. Agora, em vez das canções de um compositor que sempre pretendeu homenagear o canto das aves do Jardim, reina a confusão de carros e de pessoas cada vez mais distanciadas do verdadeiro objetivo de um jardim, do homenageado e dos temas ecológicos que lhe inspiraram as composições musicais. 
 
FMA – Profanaram e estão profanando um santuário…
Carlos Fernando – O termo é esse mesmo: profanação. O que a população e as autoridades precisam entender é que esses visitantes ali comparecem à noite e, em vez de contemplar os sabiás, expulsam-nos de seus ninhos. Pior tudo é que se consideram grandes defensores da ecologia e da qualidade ambiental e a que chamam de verde. Para eles é o verde – e não a vida – a única qualidade que percebem na natureza com bem menor intensidade do que nas vitrines de shoppings…
 
“Nem mesmo o acórdão unânime do Superior Tribunal da Justiça foi respeitado. 
Somente a imprensa e a liberdade de expressão lograram defender o bem de todos”.
 
 
FMA – Mas algumas vozes se levantaram contra esta situação. O jornalista Ancelmo Gois, de O Globo, a Folha do Meio Ambiente e a AMA – Associação dos Amigos do Jardim Botânico saíram na defesa do Jardim Botânico, contra tudo e contra todos.
Carlos Fernando – Reconheço isso. Mas a fiscalização, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Cultura, o Ibama, o ICMBio acabou nada fazendo. Nem mesmo o acórdão unânime do Superior Tribunal da Justiça foi respeitado. Você tem razão, somente a imprensa e a liberdade de expressão lograram defender o bem de todos. A imprensa, por lidar com palavras, conhece a exata acepção de cada termo. Sabe melhor do que qualquer governo o que significa social. Só é social o que é coletivo e nada faz pelo social à custa do coletivo.
 
 
Carlos Fernando de Moura Delphim
 
Carlos Fernando lançou o livro JARDINS DO BRASIL e também JARDINS DO RIO. Em ambos, ele trata da beleza, imponência e valor histórico e cultural do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
 
 
 
 
“Ancelmo Góis e O Globo foram grandes defensores do Jardim Botânico.
Tenho que destacar também esta Folha do Meio Ambiente que pode orgulhar-se por
não ter se calado diante do descalabro”.
 
 
FMA – O descaso com o JBRJ representa, de certa forma, o descaso do governo com outras unidades de conservação pelo país a fora?
Carlos Fernando – Antes de responder a esta pergunta, quero dizer que o jornalista Ancelmo Góis e O Globo foram grandes defensores do Jardim Botânico. Tenho que destacar também esta Folha do Meio Ambiente que pode orgulhar-se por não ter se calado diante do descalabro. Sequer se sentiu afetada pelos insultos que  um deputado lhe dirigiu na Câmara após suas denúncias. Um inescrupuloso homem público que, simulando defender a sociedade, defendia sua mãe e sua irmã, invasoras e defensoras da invasão do mais valioso sítio de nossa sociedade.
 
FMA – E as condições das outras UCs?
Carlos Fernando – Olha, se esse jardim botânico de valor reconhecido mundialmente, localizado no coração da mais bela cidade do mundo, sob os olhos de uma população atenta, foi objeto de tantos interesses escusos, o que se pode esperar de todas outras unidades de conservação? 
É muito preocupantes sim, pois o que estará ocorrendo com nossas paisagens tombadas, com sítios de valor geológico, hidrológico, paleontológico, arqueológico, científico e outros existentes em regiões inacessíveis do território nacional?
Buscar votos, fazer de invasões como esta uma forma de ganhar votos – já que as 240 famílias invasoras votam e as árvores, as aves e os insetos não – pode ser considerado um crime de lesa pátria. 
Nossa sociedade deveria se mobilizar para valorizar o voto. O que deveria dar voto é defender as boas condições do meio ambiente e uma justa herança coletiva.