Série Expedição Américo Vespúcio 10 anos

Lendas do Velho Chico – XXII

20 de novembro de 2013

O poeta, o viajante e o Imperador

E o que viram os expedicionários vespucianos ao visitar as usinas de Paulo Afonso? O racionamento de energia, o “apagão 2001” que atingiu em cheio Paulo Afonso. Das quatro turbinas, apenas uma estava operando.
 
 
 
 
ERA UMA VEZ… um imperador, um poeta e um viajante. O imperador registrou no seu diário de bordo: “É belíssimo o ponto de que se descobrem sete cachoeiras que se reúnem na grande, que não se pode descobrr daí, e algumas grandes fervendo a água em caixão de encontro à montanha que parece subir por ela acima”. Ele cita que o guia Calaça disse que não se ouve muito de longe a cachoeira, porque depois de terem quebrado uma ponta de pedra, ronca menos.
Na volta para o hotel passamos pela escultura “O touro e a sucuri”, inspirada em Castro Alves e nas intervenções do homem na natureza, retratando a luta entre os elementos. Eles deixaram aqui suas pegadas, ganhando cada um uma estátua. 
Hoje elas contemplam o majestoso acidente natural, onde se lê um poema. E como disse a pauloafonsina Helen, nas noites claras eles descem dos pedestais, caminham até a umbrada e declamam entre si com largos gestos o épico poema:
A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo! / A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo / raspando os flancos dos parcéis sangrentos
Relutantes na dor do cataclismo / Os braços do gigante suarentos
Aguentando a ranger (espanto! Assombro!) /O rio inteiro que lhe cai do ombro.
A cachoeira impressionou o grande viajante e explorador Burton, o descobridor das nascentes do Nilo em 1858 (na verdade foi logrado pelo sócio e desafeto John Speke), muito chegado a comparações:
“Se Niágara é o monarca das cataratas, Paulo Afonso é, incontestavelmente, o rei dos rápidos; um viajante inglês que viu as duas, concordou comigo, dando a palma da vitória à última, como sendo mais singular e pitoresca, sendo ambas não só maravilhosas como amedrontadoras. Ele não viu Itaparica, cujo aspecto tanto realça sua majestosa vizinha”.
E o que viram os expedicionários vespucianos ao visitar as usinas de Paulo Afonso? O racionamento de energia, o “apagão 2001” que atingiu em cheio Paulo Afonso. Das quatro usinas, apenas uma estava operando. Descemos às entranhas por túneis cavados na rocha que levam a uma série de turbinas desativadas. 
Para nossa surpresa e desagrado, as cachoeiras também estavam secas, “adeus beleza, viva o progresso!”, disse o pescador Lico Paiva com desdém. Quase chorou quando contamos que o parque nacional de Paulo Afonso foi extinto em 1969 por decreto.
Compramos souvenirs na lojinha, uma bota em miniatura do imperador; Helen R. disse que ele perdeu aqui suas botas. Ele subiu o rio no navio Pirajá, de Penedo a Piranhas, vindo da Bahia e Rio de Janeiro, em uma viagem de quatro meses. Ao ler seu livro de viagem, refazemos esse trajeto histórico, volvendo a um passado quase perdido no tempo.
Vamos a uma lenda do tempo que as galinhas tinham dentes e minha avó catava marinheiro de arroz e pedra de feijão:
Contam que um frade ao atravessar o rio superior à cachoeira, dormia na canoa em que navegava. O piloto era então um índio, e não podendo conter a canoa, foi atraído pela correnteza à cachoeira, descendo por ela abaixo. O índio nunca mais foi visto, porém o frade sem acordar e sem lhe acontecer incômodo algum, chegou são e salvo numa praia abaixo da cachoeira, onde foi achado ainda dormindo e acordado pelo povo.  
Um tipo de ecoturismo em voga é aquele que resgata o caminho ou a trilha percorrida por personagens famosos. Para tal é preciso que os pontos de partida (de origem) e o de destino, sejam bem definidos. Quem não conhece o Caminho de Santiago, que não passa de uma lenda – na verdade são centenas de lendas, como se lê em “Lendas do Caminho de Santiago – A rota através de ritos e mitos”, do cineasta Juan G. Atienza: 
 “O que convém ressaltar, seguramente, é a enorme quantidade de material lendário de todo tipo que aparece nesse primeiro trecho do Caminho. Quem vai atrás dos sinais que a tradição pôs nas mãos dos peregrinos tem a impressão de que existiu uma intencionalidade pedagógica…”. (…) “Na verdade, o Caminho foi concebido pelo poder da Igreja. Mas também foi decorado e motivado graças ao paciente trabalho iniciático de tantos construtores que o foram transformando até ajustá-lo a um mundo de mistérios transcendentes que, ainda hoje, dão seu autêntico sentido ao fato da peregrinação”.
Para tanto, os turistas seguem as setas amarelas indicativas do percurso, registrando com carimbos as pousadas e hospedagens, fazendo jus no final ao certificado compostelana.
Uma contrapartida nordestina com forte apelo ecoturístico e religioso são os caminhos do Padim Pade Ciço, o padre Cícero, desde Nova Jerusalém (origem) até Juazeiro do Ceará (final), e o contrário. 
Outras trilhas do semi-árido são os intrincados e espinhosos Caminhos de Lampião; também as trilhas de Antônio Conselheiro e Euclides da Cunha em Canudos, no Raso da Catarina e no Vaza Barris, sem esquecer as do imperador. 
Bom passeio!