Série Expedição Américo Vespúcio 10 anos

Lendas do Velho Chico – XXIII

23 de dezembro de 2013

O Naufrágio

Séculos antes por aqui passaram Gonçalo Coelho, Vespúcio, Nassau: portugueses, franceses, holandeses, em busca de pau-brasil e açúcar, o ouro branco da época; ouro mesmo só no Peru e mais tarde em Minas Gerais. Os franceses eram corsários, os holandeses duraram pouco de 1637 a 1645, quando a reconquista portuguesa demoliu o forte Mauritius. 

 
Algum tempo depois recebi pelo correio a “Carta do Penedo”, de autoria do professor Francisco Sales, a sexta da Expedição Américo Vespúcio. Pelo peso da instituição “Fundação Casa do Penedo”, sei do pesar que ficou o doutor Sales por não estar presente nos eventos “penediando Penedo” (expressão dele). 
 
Mas transcrevo aqui parte da sua carta, que está anexa aos anais da expedição:  
“Lamentavelmente não estava em Penedo quando da passagem da histórica Expedição Vespúcio. Gostaria de pessoalmente cumprimentá-los pelo heróico feito que nos remonta ao Halfeld para não irmos mais distantes e encontrarmos até o próprio Vespúcio. 
Por que não? Agradeço a visita feita a Casa do Penedo, que pretende ser um ponto de discussão e louvação do nosso rio que vocês agora com esta Expedição estão redescobrindo, chamando a atenção do nosso país. Li com interesse os relatórios que nos deixaram e vaticino um resultado positivo para o trabalho de vocês que deve ser também de todos os brasileiros. 
Remeto-lhes pronunciamento que fiz aqui, no dia 4 de outubro quando celebramos o aniversário do rio São Francisco” (Francisco Alberto Sales).
Na resposta encaminhada ao veterano intelectual penedense, escrevi que “meus relatos se alongaram como as margens do rio vem se alargando, não apenas como um fenômeno natural e milenar, mas como consequência do antropismo desvairado. 
 
Dádiva dos deuses
Constatamos que o nosso rio São Francisco não merece ser tratado com descaso, mas sim com respeito, até mesmo porque o semi-árido brasileiro a ele muito deve, este rio gerador de riquezas e paradoxalmente tão pobre. 
Parafraseando ‘o pai da História’, o rio São Francisco é uma dádiva dos deuses. Nasce na região mais rica do País e vai em direção mais pobre.
 No dia seguinte, após as âncoras serem levantadas, quando vimos já estávamos com Neópolis a estibordo, antiga Vila Nova do São Francisco, outro velho núcleo descendo Penedo. Cinco ou quatro séculos antes por aqui passaram Gonçalo Coelho, Vespúcio, Nassau: portugueses, franceses, holandeses, em busca de pau-brasil e açúcar, o ouro branco da época; ouro mesmo só no Peru e mais tarde em Minas Gerais. Os franceses eram corsários, os holandeses duraram pouco de 1637 a 1645, quando a reconquista portuguesa demoliu o forte Mauritius. 
A barca PIPES estava lotada. Sempre que pessoas dos lugares embarcam, a viagem deixa a rotina e elas se põem a falar. Contam sobre as manifestações culturais, as lendas, a música, a cavalhada marcial, o boi-bumbá, enfim o folclore do homem são-franciscano. Esse mundo percorrido também por Graça Melo e sua trupe teatral em um ônibus mambembe, desde as cabeceiras em Minas Gerais até Sergipe onde encerra seu roteiro. Veja em www.caminhodosaofrancisco.com.br. 
Hoje quem busca as vozes do rio e sua paisagem sonora são as pesquisadoras  Lecy A. e Camila Hamdan, em um trabalho acadêmico de Doutorado. 
VELHA HISTÓRIA
Foi num momento inesperado que uma lufada de vento lançou uma forte onda sobre meus mapas. Já então as águas do rio formavam ondas grandes, o mar não estava longe, a trinta e poucos quilômetros. Face ao insólito, o senhor Eliziário de Canindé contou uma daquelas histórias que tem o sabor das coisas dos rios, do mar, das águas.
 
Era uma vez..
Há cerca de oitenta anos, foi encontrado um barco submerso por um velho pescador no fundo do exato local por onde navegamos. 
O pescador correu para informar ao prefeito de Neópolis e negociar o achado, eram dele os direitos do “tesouro”. Pediu cinquenta contos de réis, que não foram aceitos. Correu então ao prefeito de Penedo, pedindo o dobro, cem contos, cujo negócio foi logo fechado e a notícia correu. 
Ao dar início às buscas do navio no fundo do Parapitinga, o São Francisco dos índios, tem início a celeuma: o prefeito de Neópolis recorre com recurso afirmando que a embarcação supostamente abarrotada de moedas de ouro, escudos, jóias, louças e tudo o mais, estão em suas águas territoriais, além do meio do talvegue do rio. 
O outro prefeito alega que comprou os direitos e tem o documento firmado. Ainda hoje o barco carregado de riquezas jaz no fundo do rio. E o processo está nas profundezas dos escaninhos da justiça, tão ou mais fundo que o barco naufragado.  
Assim foi contado pelo senhor Eliziário, pescador, a bordo da barca PIPES.  O velho pescador Lico Paiva não se dando por vencido, dá uma sonora gargalhada, ajeita seu chapéu de lebre furado, vai à proa e aponta as dunas de Piaçabuçu onde batem as ondas do mar.