No Décimo Andar

21 de março de 2014

E o meu amigo não tinha asas para voar

Sentado numa poltrona diante da árvore, relacionou as condições do pássaro com a sua vida desfeita: os dois perderam a futura geração.

O presente era uma estratégia para melhorar o relacionamento entre ambos. Seria também um contato direto, instrutivo e sensibilizador com a natureza e que poderia causar alguma comoção harmonizadora. Quando o relacionamento adoece, parece que tudo ao redor das pessoas é prejudicado por ações inadequadas, inclusive com a natureza.
 
Não era a simples compra de um arbusto que harmonizava a situação. Havia toda uma complexidade que levava vários dias para ser compreendida e aceita. Sem contar que ele trazia para dentro do apartamento, uma biodiversidade que não podia controlar ou tratar adequadamente, já que muitas plantas feneciam por receberem menos atenção do que os donos podiam fornecer. A situação, em alguns casos, tornava-se insuportável. Tão insuportável, que um afastamento entre o casal foi inevitável. Nem mesmo uma gigantesca árvore ornamental foi o suficiente para manter a união. Uma árvore muito bonita, florida e que ocupou boa parte de um dos aposentos. Foi um sacrifício levá-la até o local. Não coube no elevador e foi preciso subir pela escadaria os dez andares. 
 
O agito diário, as lembranças e as tentativas para uma reconciliação, deixavam despercebido aquele pequeno pássaro que toda manhã surgia na janela central do apartamento. Ele surgiu depois que a árvore ali chegou. Ele esvoaçava de um lado para outro e, alvoroçado, bicava o vidro da janela querendo entrar. Meu amigo não sabia e nem imaginava qual a razão de tal fato. Foi somente numa apreciação mais apurada da árvore, que descobriu nela um ninho com alguns ovinhos já um tanto decompostos. Sentado numa poltrona diante da árvore, relacionou as condições do pássaro com a sua vida desfeita: os dois perderam a futura geração. 
 
A insistência do pássaro para entrar aumentava sua indignação e resolveu colocar um final na situação: abriu a janela e o pássaro por ela entrou, encontrando seu futuro desfeito. Meu amigo, pela janela saiu, desfazendo seu futuro achando que como o pássaro, tinha asas para voar.