Universidade Intercultural Indígena

Rita Potiguara – Entrevista

22 de abril de 2014

A professora e doutora em Educação que nunca deixou de lado sua identidade étnica e seu pertencimento ao povo indígena

"A ideia de que o indígena é incapaz ainda permeia o imaginário de muita gente, inclusive o imaginário coletivo da sociedade brasileira."

 

 

Rita Gomes do Nascimento-Potiguara
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FMA – Como funciona a Coordenação Geral de Educação Indígena do MEC?
Professora Rita Potiguara – Quando o MEC, em 1991, assumiu a competência para coordenar nacionalmente as ações de educação escolar para os Povos Indígenas, em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, foi criada, no âmbito da sua Secretaria de Educação Fundamental, uma instância específica para este fim, justamente a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas. Esta instância do MEC tem articulado a política nacional para a construção de uma educação específica, intercultural, diferenciada, bilíngue/multilíngue e comunitária para os povos indígenas. 
 
FMA – Como nasceu a idéia de um Grupo de Trabalho?
Rita Potiguara – A proposta de criação de instituições de ensino específicas para os povos indígenas é uma demanda histórica do movimento indígena. Este movimento reivindicado tem cada vez mais a expansão da oferta de educação escolar em todas as suas etapas e modalidades, da educação básica à educação superior. 
Nesse sentido, várias organizações indígenas, já há algum tempo, têm discutido a criação de instituições de educação superior que contemplem as especificidades de línguas, saberes, conhecimentos, cosmologias e epistemologias dos Povos Indígenas brasileiros. 
Em resposta a estas demandas, no final de 2013, o MEC lançou o Programa Nacional dos Territórios Etnoeducacionais Indígenas que, no eixo da Educação Superior, apresentou como uma de suas ações a criação de um grupo de trabalho para realizar os estudos necessários.
 
FMA – A senhora fez curso superior. Quais as maiores dificuldades?
Rita Potiguara – As dificuldades foram tanto em decorrência de ser estudante trabalhadora, quanto de fazer parte de uma camada da população que ainda hoje tem dificuldade de acessar as políticas de educação. 
É o caso da expressiva maioria dos povos indígenas. E as dificuldades começaram desde o curso de graduação em pedagogia numa unidade da Universidade Estadual do Ceará localizada no sertão do estado. Lá havia apenas este curso para quem quisesse fazer uma graduação, ofertado de modo precário, uma vez que a unidade não possuía prédio próprio e os professores vinham de Fortaleza, distantes da realidade do interior. O acesso a livros da bibliografia básica e de apoio era limitado. Diante desta realidade, para fazer a pós-graduação tive que ir para outro estado já depois de passado algum tempo após concluir o curso de pedagogia. 
 
FMA – Tanto na graduação e mestrado?
Rita Potiguara – Tanto na graduação quanto no mestrado e doutorado senti falta de acesso a programas de ação afirmativa que teriam ajudado na realização das pesquisas realizadas em comunidades indígenas, bem como teria facilitado minha permanência na universidade.
 
FMA – Como foi driblar as dificuldades por ser índia?
Rita Potiguara – Não foi fácil. Minha condição de indígena já foi motivo para dúvidas de algumas pessoas quanto à minha capacidade de desempenho e produção escolar e acadêmica. 
A ideia de que o indígena é incapaz ainda permeia o imaginário de muita gente, inclusive o imaginário coletivo da sociedade brasileira de modo geral. 
Apesar disso, de minha parte, sempre procurei afirmar minha identidade étnica, meu pertencimento ao povo indígena Potiguara.
 
FMA – A questão de ser índia chegou a ser colocada?
Rita Potiguara Mas a condição de indígena chegou a ser colocada, numa das entrevistas que fiz nas seleções para pós-graduação, como dificuldade ou empecilho, sendo questionada se conseguiria realizar a pesquisa sendo indígena e pesquisando sobre educação escolar indígena!
No entanto, foi justamente a minha implicação étnica que informou metodológica e politicamente minhas pesquisas de mestrado e de doutorado. Nelas as dificuldades e facilidades de ser uma pesquisadora indígena marcaram minhas produções acadêmicas que se ligam a minha própria trajetória de militância no campo da educação escolar indígena.
 
FMA – Existe alguma estatística de quantos estudantes indígenas têm o curso superior no Brasil? 
Rita Potiguara – Não há uma estatística oficial a respeito, dada a recém presença dos povos indígenas no ensino superior e sua histórica invisibilidade. Atualmente o MEC estima que haja cerca de oito mil estudantes indígenas na educação superior. Eles têm acessado o ensino superior por programas que têm criado formas de acesso e permanência diferenciadas, resultando nas iniciativas de criação de cursos específicos, como na área da gestão territorial, da saúde indígena e da formação de professores, campos de formação mais demandados pelos povos indígenas na educação superior. 
 
 
“A nossa luta é que nós indígenas possamos assumir o controle de áreas que são estratégicas para nossa produção e reprodução cultural, linguística, ambiental, econômica e política como Povos”.
 
 
FMA – Qual o sonho de uma Universidade Intercultural Indígena?
Rita Potiguara – Acredito que uma universidade indígena terá que ser protagonizada pelos próprios indígenas, servindo ainda para repensar as estruturas do modelo de universidades vigentes. Assim, deve ser atribuído aos conhecimentos indígenas um status de produção científica ou acadêmica nos campos do ensino, da pesquisa e da extensão, por meio do reconhecimento do caráter experimentado e experienciado dos seus saberes, tais como as tecnologias da saúde, das engenharias e da sustentabilidade ambiental. 
 
FMA – Existe apoio governamental?
Rita Potiguara – Sim, a própria criação de um GT para realizar estudos sobre a criação de instituições de educação superior indígena e intercultural indicam isso. Nele estamos pensando qual a melhor estratégia ou qual o melhor formato para atender a grande diversidade de povos indígenas e suas demandas por educação superior. 
 
FMA – Quais os cursos terão mais procura?
Rita Potiguara – Acompanhando as demandas por formação de profissionais indígenas na educação superior nos Planos de Ação dos 23 Territórios Etnoeducacionais existentes na atualidade, observamos que há reivindicação por formação em diferentes áreas do conhecimento. De modo geral, a busca por estas formações estão ligadas à gestão dos territórios indígenas. A nossa luta é que nós indígenas possamos assumir o controle de áreas que são estratégicas para nossa produção e reprodução cultural, linguística, ambiental, econômica e política como Povos.