Tecnologia limpa

FINLÂNDIA MUITO ALÉM DO SOL DA MEIA NOITE

20 de maio de 2014

Ministro Ville Niinistö, do Meio Ambiente: “A Finlândia investe muito em educação, meio ambiente, pesquisas e em a inovação tecnológica e busca uma forte parceria com o Brasil”.

"Os investimentos em tecnologia limpa criam uma situação em que todos saem ganhando: tanto a economia quanto o meio ambiente são seus  maiores beneficiários."

 

 

Ministro Ville Niinistö – ENTREVISTA

 

FMA – Ministro fale primeiro da missão que visita o Brasil.
 Ville Niinistö – É um privilégio visitar o Brasil com uma delegação comercial composta por 31 representantes das empresas finlandesas de ponta no setor de tecnologia limpa. Não vejo a hora de participar de diálogos sobre questões ambientais e também de explorar e fortalecer as oportunidades de cooperação entre empresas finlandesas e brasileiras. Considero a promoção das atividades de tecnologia limpa uma forma eficiente e inteligente de pavimentar o caminho rumo ao crescimento de forma respeitosa com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. No mundo inteiro, somos expostos a inúmeras crises que ameaçam o desenvolvimento. A crise financeira e econômica global atual já é bem conhecida, mas, ao mesmo tempo, mudança climática e outros riscos ambientais são parte dos maiores desafios impostos à humanidade.
 
FMA – E como atacar esses desafios?
Ville Niinistö – Acredito que somos capazes de atacar esses desafios e liderar o mundo em um caminho de sustentabilidade. Isso exige, no entanto, que ajustemos nossa forma de pensar e agir de um modo que respeite os limites ecológicos do planeta. Direcionar investimentos para tecnologia limpa e soluções comerciais amigáveis com o meio ambiente eficientes em termos ecológicos é parte importante dessa nova forma de pensar e agir. 
Os investimentos em tecnologia limpa criam uma situação em que todos saem ganhando: tanto a economia quanto o meio ambiente são seus beneficiários. Creio também que a cooperação bilateral oferece boas oportunidades para transferir conhecimento e “know-how” e é mutuamente benéfica.
 
FMA – Dá para medir o valor do setor de tecnologia limpa na Finlândia?
Ville Niinistö  – Dá sim. O setor de tecnologia limpa na Finlândia possui atualmente um valor que equivale a mais de 1% do mercado global de tecnologia limpa. Em relação ao tamanho do país, a Finlândia é uma das nações líderes mundiais no setor e tem muitas oportunidades a oferecer em uma colaboração bilateral. Mesmo assim, a meta da Finlândia é ainda maior e o país pretende dobrar suas atividades.
 
FMA – Quais são as expectativas comerciais a serem alcançadas pela missão?
Ville Niinistö – A visita tem o propósito de lançar um esforço conjunto a longo prazo entre o Brasil e a Finlândia para identificar e verificar possibilidades de cooperação mútua benéfica na área de tecnologias limpas. O objetivo deste esforço é de alcançar um crescimento em comércio e investimentos bilaterais, assim como intercâmbios acadêmicos nesse campo de pesquisa. Tentamos achar boas possibilidades durante a visita para “matchmaking” entre atores brasileiros e finlandeses. 
 
FMA – Existe uma relação comercial histórica entre os dois países?
Ville Niinistö – Existe sim. As empresas finlandesas têm uma forte presença no Brasil, com atividades produtivas significativas.  A história dos investimentos finlandeses no Brasil começou com a fábrica de tratores Valmet em 1960. 
O ano 1999 marcou a abertura da fábrica de celulares da Nokia em Manaus. Hoje em dia o volume de negócios das filiais finlandesas no Brasil é 12 bilhões de reais. É múltiplo em relação à exportação direta da Finlândia. As empresas finlandesas empregam hoje mais de 21 mil pessoas no Brasil. Ao todo, há mais de 50 empresas finlandesas com uma presença no Brasil.
 
FMA – O senhor considera um sucesso esta relação comercial?
Ville Niinistö – . O sucesso da tecnologia finlandesa no Brasil tem muito a ver com os fatores da competitividade finlandesa em geral: a alta qualidade e o uso eficiente de recursos. Os setores tradicionais para as empresas finlandesas no Brasil são florestal, telecomunicações, mineração e energia. As vendas de tecnologia em cada setor são aproximadamente 3 bilhões de reais por ano. Os novos setores em crescimento para as empresas finlandesas são o setor naval e o setor de educação. Incluindo investimentos em petróleo e gás, estaleiros e transporte marítimo, o setor naval tem criado mais de 2 bilhões de reais de negócios para empresas finlandesas em 2012 e 2013.
A Finlândia conta com 20 universidades e 28 politécnicas. Existem, mais de 400 programas internacionais lecionados em inglês. Não tem taxas ou mensalidades. Temos hoje aproximadamente 120 estudantes brasileiros na Finlândia.
 
FMA – As relações se resumem apenas em negócios?
Ville Niinistö – Essas relações econômicas vão além dos negócios. Temos investimentos em cooperação em pesquisa, desenvolvimento institucional − intercâmbio estudantil e de professores− e outros setores das atividades econômicas. Redes de pesquisadores e intercâmbio estudantil existem em temas como a biomassa e energia renovável, naval & offshore.
A Finlândia também é incluída no programa do governo brasileiro Ciência sem Fronteiras.  A Finlândia conta com 20 universidades e 28 politécnicas. Existem, no país, mais de 400 programas internacionais lecionados em inglês. Não tem taxas ou mensalidades. Temos hoje aproximadamente 120 estudantes brasileiros na Finlândia.
 
 

A Finlândia conta com 20 universidades e 28 politécnicas. Existem, mais de 400 programas internacionais lecionados em inglês. Não tem taxas ou mensalidades. Temos hoje aproximadamente 120 estudantes brasileiros na Finlândia.
 
 
FMA – Como e por que a Finlândia conseguiu uma liderança mundial em sustentabilidade?
Ville Niinistö – A Finlândia tem pouca densidade demográfica e um clima extremo, difícil. Nessas condições, o país precisou de eficiência extrema na busca de recursos naturais e na busca de fontes alternativos de energia. A Finlândia também tem investido muito nas capacidades das pessoas, e hoje em dia é uma referência em ensino técnico e no treinamento de professores. Assim, o país é competitivo sobretudo nos bens de capital – maquinário, equipamento de transporte, produtos químicos – para vários setores industriais.
 
FMA – E como é o investimento em pesquisa?
Ville Niinistö  – Talvez este seja o segredo. A Finlândia é um dos países que mais investe em pesquisa. Nada menos do que 4 % do PIB em desenvolvimento e inovação tecnológica no mundo. A Finlândia tem conseguido aliar um aumento de produção industrial com simultânea redução de emissões ambientais, através do desenvolvimento de tecnologias limpas. O volume de negócios nas tecnologias limpas das empresas finlandesas é de 75 bilhões de reais por ano. As tecnologias limpas são também o alvo de mais de um terço de todos os investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento na Finlândia.
 
FMA – E como está a questão dos resíduos sólidos num país altamente sustentável?
Ville Niinistö – Esta é uma questão grave hoje no mundo. Desde os anos 90, estamos investindo e procurando alternativas nesse setor. A Finlândia tem um histórico de participação e liderança no processo de elaboração e padronização das normas técnicas perante a União Europeia no uso seguro de CDR – Combustível Derivado de Resíduos. O conhecimento e inovação da indústria finlandesa tem tido um significativo impacto global por meio do desenvolvimento e fabricação de equipamentos, assim como de tecnologias e serviços de processamento para a indústria de resíduos, até a sua transformação em energia elétrica. Neste sentido, a indústria de tecnologia finlandesa está mobilizada para o desenvolvimento de processos e de novas tecnologias sustentáveis para garantir uma alta produtividade no setor.
 
FMA – Tem exemplos?
Ville Niinistö – Como exemplo posso citar uma usina de resíduos sólidos da Finlândia que é de Lahti Energia. Entre 1998 e 2013 Lahti Energia gaseificou mais a 1 milhão toneladas de CDR e de madeira. A Lahti Energia estabeleceu uma nova usina de gaseificação de 160 MW,  em 2013.
 
FMA – Tem algum país funcionando com usinas finlandesas?
Ville Niinistö – Além da própria Finlândia já tem a Suécia, Bélgica, Itália e Coréia do Sul.
 
FMA – Qual o fator de conversão energética por tonelada de resíduo/MWh?
Ville Niinistö – O poder calorífico varia de 1 a 5 MWh/tonelada. Podendo chegar a valores maiores, se os resíduos contiverem uma grande quantidade de materiais com alto poder calorífico.
 
FMA – O custo comparativo em relação a outras fontes de energia é competitivo?
Ville Niinistö – O CDR ou Combustível Derivado de Resíduos tem como objetivo obter o preço de mercado mais vantajoso localmente como combustível para geração de energia. Trazendo dinâmica ao mercado de energia, e assim garantindo uma otimização de custos contínuos como um facilitador.
 
FMA – Quais são as vantagens obtidas pela geração de energia derivada de resíduos sólidos diante da reciclagem?
Ville Niinistö – O conceito de CDR não é uma alternativa para a reciclagem, normalmente é composto por materiais que não são recicláveis ou de difícil reciclagem.
 FMA – Que categorias de resíduos são aproveitadas na combustão?
Ville Niinistö – Sobretudo os resíduos domésticos, comerciais e industriais.
 
FMA – Qual o investimento para instalação de uma usina para atender uma cidade com 1 milhão de habitantes?
Ville Niinistö – Considerando-se apenas os Resíduos Sólidos Urbanos, de acordo com as estatísticas da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), a geração de resíduos sólidos urbanos per capita no Brasil é de 440kg por ano, dos quais 13% é reciclado. 
Sendo o fluxo de resíduos para aterros sanitários cerca de 380 kg/pessoa/ano, portanto, uma cidade com 1 milhão de habitantes gera 380 mil toneladas de resíduos por ano. Levando em conta que o poder calorífico dos resíduos seria de 3 MWh/tonelada, a capacidade da usina de resíduos em energia deverá ser de cerca de 115 MWth (horas de funcionamento 8000h/ano, eficiência térmica de 80%).  O investimento para a usina seria de cerca de 125 milhões de Euros, podendo gerar 40 MW de potência e 75 MW de processo de vapor/calor.
 
FMA – Existe financiamento para a aquisição dessas unidades?
Ville Niinistö – Existe sim, inclusive da própria Finlândia. Os cases de referência das usinas finlandesas existem em vários países, e o “modus operandi” do financiamento varia de país para país, sendo geralmente responsável pelo financiamento do projeto o proprietário local. A Finnvera é a agência finlandesa para financiamento das exportações, sendo os compromissos atuais da Finnvera no Brasil em torno de 5,5 bilhões de reais e a procura está crescendo. O Brasil é o maior mercado mundial para a Finnvera no crédito de exportações.
 
FMA – Quais as condições para o financiamento?
Ville Niinistö – As condições são regulamentadas pelos acordos de crédito à exportação da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A Finnvera oferece suporte às exportações particularmente finlandesas.

 

De acordo com as estatísticas da ABRELPE, a geração de resíduos sólidos urbanos per capita no Brasil é de 440kg por ano, dos quais 13% é reciclado.

 

 

CAPITALpara países em desenvolvimento
 
Duas alternativas para capital de risco de longo prazo para projetos que usem tecnologia finlandesa: Finnfund e Nordic Investment Bank  
 
 
O Finnish Fund for Industrial Cooperation (Finnfund) fornece capital de risco de longo prazo para projetos privados nos países em desenvolvimento. 
Além de coinvestimento com empresas finlandesas, o Finnfund pode financiar empreendimentos que usam a tecnologia finlandesa, cooperar com parceiros finlandeses em um horizonte de longo prazo ou gerar grandes benefícios ambientais ou sociais. 
Informações completas estão no site Finnfund (www.finnfund.fi). 
Outra opção é oferecida pelo Nordic Investment Bank, o NIB financia projetos que melhoram a competitividade e o meioambiente de países Nórdicos e Bálticos. 
O NIB concede empréstimos e garantias para empresas públicas e privadas, governos, municípios e instituições financeiras. 
Além dos países membros, o Brasil é um dos países prioritários para concessão de investimentos do NIB (www.nib.int).
(Reginaldo Marinho)