EXPEDIÇÃO LANGSDORFF - PARTE 10

LANGSDORFF ENFRENTA SEUS PRÓPRIOS DEMÔNIOS

27 de agosto de 2014

Miguel Flori – [email protected]

 
“Não dou notícia do que aconteceu até hoje, dia 18. Tive febre altíssima, timpanite e infecção das vísceras, não sabia mais o que estava fazendo. Mas hoje, dia do meu 55º aniversário, estou me sentindo melhor e quero fazer as seguintes anotações.”
 
Em 18 de abril de 1828, Langsdorff aniversaria e emociona  a todos com a leitura de seu diário. 
 
 
(Sobre data do aniversário, leia matéria da página 21: “CONFUSÃO DE DATAS – Bula papal cria o calendário gregoriano e datas confunte a cabeça de Langsdorff”)
 

 
 
Embiruçu, árvore parente da paineira, no caminho de Diamantino. Ilustração de Florence
 
 
Langsdorff se descobre um homem rico
Langsdorff se surpreende com o lucro obtido em suas especulações comerciais amadoras e no exercício informal da medicina: “A prática da medicina e do comércio me transformaram num homem rico aqui”.
 
Nas festas de carnaval em Diamantino, o cônsul observa:
“É a forma de prazer mais grotesca e absurda de pessoas que se dizem civilizadas”.  A miscigenação corre solta: “Assim, não é raro encontrar em famílias honradas, uma mistura de todo tipo de crianças. Isso cria, freqüentemente, situações embaraçosas, pois não se sabe se as crianças são escravos ou filhos agregados; pelas roupas também não é possível distinguir, pois as escravas andam às vezes muito bem vestidas, e os próprios filhos do senhor andam nus como escravos. (…) Acho que posso dizer que não conheci nenhuma esposa fiel nessa província”.
“Convidaram-me para ter a honra de ser um dos seis carregadores de um caixão, e, como o falecido morava longe da igreja, tive que carregá-lo durante meia hora. Não foi fácil. Ao voltar para casa, encontrei velas grandes de igreja, pesando quase duas libras, que me enviaram por ter carregado o caixão”.
 
 
 

Negros retratados por Florence na Vila de Diamantino. Fevereiro, 1828.
 
 
 
 
Aula de Medicina e frieza
na despedida
Recebe uma aula de medicina:
A proprietária de uma escrava que tinha (hidropisia) pediu-me uma consulta. Achei que era o caso de receitar-lhe cainca. Dei-lhe a raiz e mandei que fizesse um decocto, recomendando à doente tomar diariamente duas xícaras cheias: uma de manhã e outra à noite. Mas a proprietária me disse: ‘Não vou fazer isso; a doente já tem água suficiente no corpo, e o senhor quer que ela tome duas xícaras todos os dias?! Isso não vai lhe fazer bem de jeito nenhum!’”.
No dia 10 de março, parte de Diamantino. “Nunca vi tanta frieza e indiferença numa despedida, principalmente depois de uma permanência de tantos meses num lugar! Isso reflete o caráter mercantilista e mesquinho dos habitantes daqui. Atendi tantos doentes gratuitamente, restituí a vida a tantas pessoas, e ninguém, absolutamente ninguém, veio se despedir de mim. (…) Certamente, Antonio Francisco de Barros e Francisco Paes teriam perdido seus filhos; um deles estava muito mal, praticamente sem esperança de sobreviver, mas acabou se recuperando. O pai então me disse: ‘Também teria sido bom se ele tivesse morrido; crianças só dão trabalho, e eu já tenho filhos suficientes”.
Mostra-se alegre em abandonar a vila: “Muitas pessoas podem não gostar da vida de isolamento do sertão, mas a mim agrada muito. Alegro-me por estar novamente na natureza livre, aberta, nestes vastos campos de observação”.
Permanece alguns dias no porto do rio Preto para completar os preparativos da expedição. Recolhe a técnica da cerâmica artesanal e comenta sobre os engodos dos comerciantes de diamantes.

 

Planta de Diamantino. Néster Rubtsov,  final de 1827.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Árvore chamada ‘Genipaveira’ e pessoas que recolhem esmola para a Festa do Espírito Santo”. Ilustração de Florence. Diamantino, janeiro de 1828.
 
 
“Corrupção”, moléstia tratada com
pimenta, pólvora, vinagre e tabaco
 
 Florence descreve uma doença, de nome ‘corrupção’:
“(…) existe uma moléstia mais perigosa ainda que é conseqüência da outra. Chamam-na ‘corrupção’. Quem for atacado fica, pelo que contam, com o ânus dilatado do tamanho de um punho fechado, e cai em sonolência e insensibilidade. O remédio heróico é então, o saca-trapo, clister de vinagre, pimenta, pólvora e tabaco. Por meio de um pau, cuja ponta leva um chumaço embebido de cada vez, introduz-se no ânus essa terrível mistura. Sem tão furibunda medicação a morte, dizem, é infalível. Citam-se vários exemplos e até de um capitão-general dos tempos coloniais, que sendo atacado de ‘corrupção’ não quis sujeitar-se a este violento tratamento do povo. O médico não tinha também fé, mas vendo o mal progredir-se e tornar-se gravíssimo, não teve remédio senão ceder, e o doente, como por milagre, voltou à vida”.  
Com um tratamento desses, essa epidemia infernal vai continuar indefinidamente!
 
 
Festa flutuante. Piroga dos Apiacás no rio Arinos. Desenho de Florence.
 
 
Mudanças ambientais
Florence percebe a alteração ambiental: “Por mudanças rápidas assinala a natureza suas zonas, do mesmo modo que o homem assenta marcos nos confins de seus Estados. Não são só as matas que mudam: o canto dos pássaros, o grito dos animais de espécies novas”.
No dia 31 de março, a expedição finalmente parte do porto do rio Preto, já na bacia do Amazonas.  As doenças atacam os companheiros, e Langsdorff denomina o lugar de ‘Buraco do Inferno”. 
O rígido senso de dever e a honra militar do velho explorador transparecem nos cuidados que ele, mesmo enfraquecido, dedica a Rubtsov, Florence e a outros companheiros adoentados. A viagem é cansativa e desagradável pelos numerosos troncos que bloqueiam o rio. Os galhos das árvores ricocheteiam e os doentes têm de pular para evitá-los. Às vezes, o ricocheteio joga os tripulantes na água. “Um único galho bateu em duas pessoas ao mesmo tempo e as atirou para fora da canoa. Foi com tanta força e tão rápido que até hoje elas não sabem contar como aconteceu”.
O desgaste é tanto e o cônsul desabafa ao chamar o rio Preto de ‘rio Infernal’. No dia primeiro de abril, a expedição entra no rio Arinos. Langsdorff reitera sua insatisfação com o Presidente da Província, cujas promessas não cumpridas atrasaram a expedição e com isso, a melhor época para partir. 
Declara que três quartos dos 30 homens da tripulação “estão meio mortos, doentes, gemendo e incomodando o tempo todo; o restante, se me permitem a expressão, comem como gado, ou pior, pois os animais pelo menos têm senso de limite enquanto que essa gente não tem nenhum. (…) A quantidade de fezes com alimentos não digeridos (feijão preto mal mastigado) não fica devendo nada em volume às de um boi ou uma vaca”.
A falta de alimentos provoca roubos internos e Langsdorff se indigna. Impossibilitado de realizar suas observações, Rubtsov entrega a bússola a Forence. 
 
Aparição dos Apiacás: uma festa flutuante
No dia 11 de abril, Langsdorff anuncia a aparição dos Apiacás, “quando o guia soprou a buzina de chifre ao se aproximar de uma ilha. (…) Mal havia soado o último dó, ouvimos gritos vindos de ambos os lados e vimos vários Apiacás perto da foz, outros na margem esquerda em uma canoa. (…) Logo que o capitão subiu a bordo, vestido com seu uniforme completo, distribuímos vários presentes para lisonjeá-lo. Mandei hastear a bandeira imperial russa, vesti-me em trajes civis, com um chapéu de três pontas e um pequeno sabre, o que impressiona as pessoas, e nos cumprimentamos como autoridades. (…) Algumas horas depois da nossa chegada, o capitão ainda estava de uniforme. Percebi o quanto isso era penoso pra ele e mandei tirá-lo. Ele ficou nu da cintura pra cima, só de calças. Mas depois tirou as calças também e vestiu uma jaqueta velha, deixando as partes íntimas à mostra, e assim ficou o resto do dia”. 
 
Florence complementa: “De manhã, pouco depois de começarmos a viagem, avistamos uma piroga tripulada por cerca de 20 índios daquela tribo. Sua aparição nos alegrou e surpreendeu, pois não contávamos senão pela tarde chegar às suas habitações. Ao nos verem, soltaram gritos de alegria. Não tardou que à margem esquerda enxergássemos a maloca deles, grande rancho que serve para todos os moradores do lugar, e para qual dirigimos as canoas. Na praia, 20 ou 30 homens, igual número de mulheres e muitas crianças enfileiraram-se para nos verem chegar. Um deles, que nossa camaradagem chamava de cacique e que de longe tal nos pareceu, envergava uma farda e tinha na cabeça um chapéu armado, o que fez que o Sr. Langsdorff fosse por seu uniforme de cônsul geral da Rússia, seu chapéu de plumas, espadachim ao lado e condecorações. Desembarcamos no meio desses selvagens, cujas mostras de alegria confirmaram tudo quanto ouvíramos contar sobre a amabilidade de seu caráter”. 
 
O cacique “apresentou-se-nos com uma velha farda militar, sem dragonas, um sovado chapéu armado na cabeça, calças de algodão grosso, aliás, sem camisa, sem gravata, nem espadachim e de pés no chão. (…) Os homens amarram no prepúcio um cartuchinho de folha de pacova (bananeira), cuja ligadura faz entrar o membro que desaparece de todo. As mulheres não se cobrem, mas seus gestos são decentes. (…) Além da tatuagem que é fixa, com suco de jenipapo fazem pinturas de cor preta, variadas conforme o capricho que não lhes dura mais de 20 dias ou um mês, isto é, tanto quanto não se desvanece a tinta. Se as mulheres não tatuam o corpo, em compensação empregam o jenipapo para listrarem de preto ora o quadril, ora as pernas”
 
Aldeia Apiacá.
 
 
CÔNSUL VISITA aldeia dos Apiacás
 
O cônsul visita a aldeia dos Apiacás. Recolhe exemplares novos de peixes, anota muitos dos usos e costumes dos Apiacás e sua técnica aprimorada de cerâmica. Florence relata os costumes dos amigáveis Apiacás e desenha sua maloca e alguns indivíduos. Mesmo debilitado, se maravilha com a praticidade dos índios: “Com rapidez arranjam uma piroga; tiram cascas de uma árvore; por meio de travessões de pau a mantêm muito aberta, fazem uma prega em cada ponta, que retêm por meio de cipós e está tudo pronto. (…) Um naufrágio nada significa; cada qual agarra o que lhe fica mais próximo e nada para a margem. Um só deles basta para puxar a canoa e pô-la em seco”.
Tece elogios à habilidade para o artesanato de barro e de vime. “Como em Provença, tecem uns descansos de vime para as panelas, que no Brasil não vi senão entre esses índios”. 
Florence acompanha os Apiacás “ao pari, nome que dão a uma paliçada em parte fora d’água, em parte submersa, feitas com estacas fincadas no álveo do rio e atravessadas por outras, sendo os interstícios tapados com juncos. A água eleva-se e transborda. Na base da paliçada praticam buracos circulares, a cuja boca adotam mundéus que ficam retidos contra a correnteza por um pau. Os índios mergulham dentro da paliçada, voltam à tona com os mundéus, retiram o peixe e tornam a mergulhar para repô-los em seus lugares. (…) 
De volta entregavam os peixes às mulheres e durante o resto do dia em nada mais se ocupavam a não ser em fazer colares de sementes, arcos, flechas, ornamentos de penas, etc. As mulheres trabalham mais: põem o peixe a cozer, e quando o há em abundância assam-nos em pratos de terracota; fazem-nos secar e socam-nos com as espinhas, o que constitui a farinha de peixe, com a qual enchem sacos, que guardam como mantimento. (…) Para pilarem o milho, são geralmente duas. O pilão parece obra de carpinteiro munido de boa ferramenta. O que mais surpreende é que as mãos são dois varejões bem direitos de 12 pés de altura”.  
 
Recepção na aldeia Apiacá. O cacique e o cônsul em roupas oficiais. Desenho de Florence. Rio Arinos, 1828.
 
 
Índios Apiacás  no rio Arinos. À direita, duas mulheres pilam mandioca para a preparação da farinha. Ilustração de Florence, abril,1828.
 
 ‘pari’, armadilha indígena para Pescar. Mesma técnica em Jequitibá, província de Minas e na Amazônia. Do diário de Langsdorff.
 
 
Mulheres  Apiacás. Por Florence
 
 
 
A boa vida dos índios seduz alguns tripulantes
 
 

INDIO APIACÁ – ilustração de Florence
 
 
 
A boa vida seduz o índio Gabriel, contratado por Langsdorff, que não conversa duas vezes e se embrenha na mata com uma índia. Abandona a expedição e é seguido por outro companheiro que tomara o barco em Diamantino “para fugir dos maus tratos do patrão”
Florence detalha: “Vimos um índio paralítico das pernas; assentava-se por cima de taquaras rachadas em duas metades: quando queria caminhar retirava a de trás para colocá-la adiante. (…) Nesse tempo chegou da primeira maloca uma rapariga que viera por terra para ver seu amante, contratado por nós a fim de ir até o Pará. Ela fez-lhe muita carícia e na ocasião da partida, o tal argonauta desapareceu com sua Armida. O mesmo fez, escondendo-se no mato, outro índio, chamado pela camaradagem Alexandre, e que viera conosco de Diamantino, fugido da casa de um morador que o maltratava”.
 
Langsdorff registra a convivência das índias com “negros e mulatos, a quem as índias se entregam com o mesmo prazer” e estranha não notar “nenhuma criança com cabelos crespos ou de cor mais escura. Explicaram-me então que, quando nasce uma criança com algum sinal ou suspeita de ter sido gerada por pai negro, ela é sacrificada”.
As araras enfeitam o ambiente: “Uma visão diferente ofereciam as araras azuis e vermelhas que voavam em volta da casa. Aqui elas são tratadas como animais domésticos, mas vivem soltas, voando livremente pelas redondezas e na mata. Os índios só se servem delas para retirar-lhes, de tempos em tempos, ora as grandes penas das caudas e das asas, ora as penas que cobrem os remígios das asas. Em outras palavras, vivem uma filosofia platônica. Mas, em conseqüência dessa prática, as cores das penas dessas aves vão mudando com o tempo: as vermelhas ficam amarelas, às vezes contornadas de vermelho”. 
Segundo o cônsul, “há 30, 40, 50 dessas aves voando livremente em volta das casas; à noite, eles ficam por perto e às vezes chegam a entrar nas casas em busca de comida; vivem aos pares e ali mesmo se acasalam. Dizem que é um fato raríssimo de ser ver. Os índios vão buscar essas aves nos ninhos, quando ainda são bem novinhos, e os dão para as crianças criarem, de forma que cada ave reconhece seu dono e esta o seu pupilo. Quando crianças, os índios se enfeitam com pequenos tufos de penas, mas nunca com penas de sua própria ave”.
 
Florence contabiliza 80 araras.
Mesmo passado tanto tempo, Langsdorff emociona os que acompanham, através da leitura de seu diário no dia 18 de abril, a implacável agonia de sua mente outrora tão poderosa: “Não dou notícia do que aconteceu até hoje, dia 18. Tive febre altíssima, timpanite e infecção das vísceras, não sabia mais o que estava fazendo. Mas hoje, dia do meu 55º aniversário, estou me sentindo melhor e quero fazer as seguintes anotações.” 
Langsdorff encontra forças e motivação para anotar aspectos das tatuagens e dos adornos dos Apiacás.
Sobre aniversário do cônsul, ver matéria pagina 26 – “CONFUSÃO DE DATAS – Bula papal cria o calendário gregoriano e datas confunte a cabeça de Langsdorff”.
 
 
CALENDÁRIO
 
 
 
CONFUSÃO DE DATAS
Bula papal cria o calendário gregoriano e
datas confundem a cabeça de Langsdorff
 
No registro, consta 18 de fevereiro de 1774 como data de seu nascimento. Em um retrato antigo, lê-se sob seu nome: ‘né le 18  avril 1784, mort le 29 juin 1852’. Portanto, em 18 de abril de 1828 Langsdorff completaria exatos 54 anos ou, segundo o outro registro, 54 anos e 2 meses. 
O papa Gregório XIII promulgou em 1582 o calendário gregoriano para corrigir o erro de 10 dias acumulados no antigo calendário juliano. A bula ditava que o dia imediato à quinta-feira, 4 de outubro, fosse sexta-feira, 15 de outubro de 1582. Portugal, Espanha e Itália o adotaram imediatamente. Ao longo dos três séculos seguintes, os países não-católicos relutantemente se adaptaram à mudança. Os interesses comerciais prevaleceram sobre a intransigência religiosa. À época do nascimento de Langsdorff, a Alemanha já adotara o calendário gregoriano. A Rússia foi um dos últimos países a corrigir a diferença que já aumentara para 13 dias em 1918, quando foi reconhecido. As datas históricas russas anteriores a 1918 são informadas nos dois formatos: segundo o antigo calendário juliano e, entre parênteses, no atual calendário gregoriano. Talvez tanta confusão tenha embaralhado mais ainda a mente do cônsul.
 
Dois dias infelizes
 E no dia 20, todo o peso de suas aventuras se instala sobre seus ombros: “Novamente, uma lacuna de dois dias. Dois dias infelizes. Cheguei a entregar o corpo e a alma ao Deus Todo-Poderoso, pois não acreditava que iria sobreviver ao dia de ontem. Passei esses dois dias inconsciente, delirando; meu único consolo eram os momentos de lucidez em que eu sentia a atenção e amizade dos meus companheiros Rubtsov e Florence. (…) Nem com a ajuda de duas pessoas eu conseguia ficar de pé, mas hoje estou me sentindo mais dono do meu corpo, embora não ainda da minha mente. A primeira vez que saí realmente foi para dar um passeio até uma aldeia indígena, que consistia de uma oca redonda, fechada, coberta de palha, com 45 passos de diâmetro, 90 de comprimento e 12 portas, cada uma com uma tábua, feita de casca de árvore.  (…) Saí com uma bengala e um guia e, cambaleante igual a um velho, fui caminhando até a porta central da oca, a toda hora tendo que me curvar para passar debaixo das redes. (…) Depois, meio acordado, meio dormindo, deixei que os índios e índias viessem me ver, pois até hoje não apareci para quase ninguém”.
 
Entusiasmo com os índios
Sua mente de naturalista, mesmo à beira do colapso, registra intuitivamente as dimensões da oca indígena, o arranjo e as atividades desenvolvidas em seu interior. Seu lado negociante permite um alento de entusiasmo: “Depois de algumas horas de descanso, senti-me forte o suficiente para satisfazer a minha vontade de fazer negócios. Comecei trocando minha mercadoria por tudo que me vinha aos olhos: colares, brincos e pulseiras de braço e de pé. Vi, satisfeito, os índios indo, ávidos, até suas casas para buscar objetos para negociar. Entre as minhas mercadorias, as de maior volume e valor eram facões, faquinhas e machados pequenos; entre as miudezas, as contas de vidro e os anzóis pequenos eram os preferidos. Por hoje chega, pois estou me sentindo muito fraco para escrever. (…) Com a ajuda de uma bengala e de um guia, consegui, não sei como, arrastar meu corpo cansado até a canoa. (…) À noite, me fizeram descer da canoa quase que contra minha vontade, eu teria dormido lá mesmo, não fossem os mosquitos me torturando e a chuva forte que ameaçava cair. (…) Caí num sono leve, não sei por quanto tempo, e tive um sonho muito agradável: eu me vi doente em Paris, com o meu amigo do peito G. Oppermann muito preocupado com minha doença e me mandando as melhores geléias de frutas. Acordei me sentindo fortalecido, aliviado, renovado como se tivesse nascido de novo. Ainda de madrugada, chamei meus serviçais e mandei que preparassem imediatamente uma geléia de tamarindo com um pouco de vinho e casca de pequi. Isso renovou as minhas forças e as de meus companheiros”.  
 

PRÓXIMA EDIÇÃO

No dia 23 de abril de 1827, a Expedição Langsdorff entra no rio Juruena. 
Expedição Langsdorff – Parte 11 – Na próxima edição, o rio Juruena será o palco do ato final em que a mente de Langsdorff se dissociará irreversivelmente de seu corpo.