Heitor Alves Bispo: Gente do Meio

LIÇÕES DO HEITOR

23 de setembro de 2014

Quando o BISPO se descobre ambientalista

Com a coragem herdada dos botocudos, Heitor encara os desafios de lutar pela criação ou ampliação de unidades de conservação em sua Grota Grande natal, hoje Felício dos Santos. Na contramão de alguns políticos locais, de visão imediatista e estreita. Com a resignação do negro africano, arregaça as mangas e parte para novas lutas, quando o poderio econômico cala sua voz solitária. Tentou inutilmente salvar os 1.300 hectares de cerrado da voracidade da empresa Capivara de Minas Participações Ltda. 
 
 
 Heitor e o diretor do Parque do Rio Preto, Antônio Augusto “Tonhão” de Almeida: parceria em defesa da biodiversidade do Cerrado.
 
 
 
A empresa dirigida por José Marcos Fantin, pai da atriz global Priscila Fantin, com o laudo favorável do professor José Geraldo Mageste, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM – substituiu 1.300 hectares de mata nativa por eucaliptos. Das promessas de geração de empregos e de um campo de pouso como compensação, restaram um empregado responsável pela fiscalização e uma área parcialmente erodida.  A religiosidade, herança do português colonizador, é lenitivo seguro nessas decepções.
Heitor é casado com dona Erotilde Alves Evangelista, a Tide. Dois de seus três filhos, Fábio e Diego, são engenheiros agrônomos a caminho do doutorado e o caçula, também Heitor, lá vai pelo mesmo caminho. 
A tese de mestrado de seu filho Diego Alves Bispo, versou sobre a importância da região da chapada do Couto, no município de Felício dos Santos, na recarga do manancial do Jequitinhonha, comprovação científica do que Heitor sempre soube sintetizar, com sensibilidade e competência: “Estamos pisando em nossa caixa-d’água”. (ver Folha do Meio Ambiente, setembro 2005: O Curral de Mozart)
Heitor pai, alfabetizado já adulto, aprendeu na prática a importância da informação. Seu depoimento é lição de vida.
 
 
Primeira lição:
Heitor era operário da construção civil em São Paulo no final da década de 1970. Depois de comer um pastel na Praça da Sé em companhia de outros operários, seu colega e conterrâneo Clóvis Lopes perguntou onde poderia descartar o guardanapo. Os companheiros foram enfáticos: “Joga na praça mesmo, que tem lixo pra todo o canto”. 
Clóvis, apesar de rapaz mais novo, retrucou que iria procurar uma lixeira, pois “minha contribuição para a sujeira a praça não vai ter”. 
Heitor diz que foi como levar um murro no estômago. Saiu dali, passou numa igreja e assumiu o compromisso de nunca contribuir para a sujeira coletiva. A partir de então, sempre carrega o próprio lixo e, às vezes o lixo produzido por terceiros, em seu embornal. 
 
 
Segunda lição:
O segundo murro no estômago foi desferido por seu irmão mais novo, o Alcebíades ‘Lili’ Alves Bispo. Convidados para participarem de uma caçada para os lados de sua Grota Grande natal, Lili apareceu munido de um berrante, ao invés das tradicionais espingardas e cartucheiras. Seus parceiros só entenderam o motivo ao mirarem o primeiro animal que avistaram. Foi berrante urrando para um lado, bicho correndo para o outro e tiro ribombando no vazio. 
Lili então desabafou em alto e bom som: “Vão comprar carne no açougue! ‘Cês gostariam que um bando de à toa fosse caçar os filhos de vocês?” 

A lição valeu. A espingarda foi aposentada e carne, a partir de então, só a comprada no açougue.
Há poucos dias, ao ‘descortinar’ uma trilha para os lados de seu sítio, Heitor deu de cara com uma cascavel, a boicininga dos nossos índios, na tranqüilidade da digestão de algum pequeno roedor. Na contramão do costume de matar instintivamente nossa irmã rastejante, sacou de sua câmera digital presenteada por um sobrinho, fotografou a preguiçosa cascavel e abandonou aquela parte para roçar noutro lugar. 
Sob protestos dos demais companheiros, que queriam porque queriam sacrificar a bicha. Heitor me confidenciou no nosso último encontro, ao narrar o episódio: 
“Agora eu sinto mesmo que me tornei um ambientalista”.