Espetáculo da Primavera
23 de setembro de 2014Ipês branco, amarelo, roxo dão a mística da arborização urbana
Fotos: BENTO VIANA
Em Brasília, os moradores param para desfrutar e fotografar os ipês que dão um colorido especial à vida da Capital
Segundo o chefe do Departamento de Parques Jardins de Brasília, Rômulo Ervilha, existem mais de 260 mil pés de ipês colorindo o chão e o majestoso céu do Distrio Federal
Cidades que se preocuparam com a arbonização ganham um espetáculo de cores no início da Primavera. O cidadão sente-se em um jardim. A moldura é divina: ipês coloridos, céu azul, o horizonte entrelaçado em árvores diversas, aves maravilhosas e um céu de rara beleza compõem um cenário deslumbrante. Eu falo dos ipês multicores, que nesta época do ano maravilham a todos os passantes, nas ruas, praças, jardins e quintais, de muitas cidades como Belo Horizonte e Brasília.
A palavra ipê tem origem no idioma tupi, e que quer dizer algo como “árvore cascuda”. Cerca de uma dezena de árvores, todas pertencentes ao gênero Tabebuia, ganham o nome de ipê. Elas são bem parecidas entre si, só que cada uma nos traz uma beleza especial: é o amarelo, o rosa, o lilás…
Descobri que três projetos de lei tentaram declarar o ipê como a flor do Brasil, só que eles não foram aprovados. Mais interessante do que isso, percebi que muitos botânicos consideram o ipê a árvore símbolo do país, apesar da Lei nº 6.607 ter estabelecido o pau-brasil como a “árvore nacional”.
Os ipês são um presente que ganhamos da Mata Atlântica, mas eles também podem aparecer no Cerrado, na seca Caatinga e até no Pantanal – de lá me contam sobre verdadeiras matas de ipês. Ao sul de Belo Horizonte, no Quadrilátero das Montanhas e das Águas, vemos ipês nas florestas que acompanham os contrafortes da Serra do Curral, e também nas que se espalham pelas áreas mais baixas do Complexo da Serra da Moeda. E ao norte, já no Cerrado, na região de Lagoa Santa, também estão lá os ipês.
Paulo André
O ipê amarelo reina absoluto na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte.
As flores têm personalidade. Orquídeas e bromélias, por exemplo, são seres de beleza delicada, porém duradoura. “Me aprecie sempre que quiser, mas de perto” – elas parecem me dizer. E o manacá? Aquele perfume suave, nos convidando o tempo todo a observar as muitas centenas de pequeninas flores brancas. A dama da noite, parcimoniosa de dia, de noite muda de ideia e também espalha o seu perfume. Determinada. E eu concluí que um ipê florido não é uma árvore. Um ipê florido é um evento. Mais do que isso: é um espetáculo.
Em Belo Horizonte tem data marcada: entre julho e agosto. Duração: dias, poucos dias. Local: vários, com destaque para a Praça da Liberdade e para as avenidas do Contorno e Getúlio Vargas. Em Brasília, os ipês dominam e encantam. Verdadeiras alamedas de ipês amarelos e brancos. Quando os ipês bancos florescem – depois dos amarelos – parece que nevou. Mas quem, quem terá planejado esse roteiro exuberante, as folhas saindo de cena e as flores brotando do caule inóspito? Brotam rápido e em massa, crescem e dominam a paisagem.
Dedé de Zé Luca
Deslumbramento: o ipê-roxo tira o fôlego de quem passa pelo Conjunto Nacional, em Brasília.
Tanto Brasília como Belo Horizonte com os ipês floridos é uma outra cidade. Tento me lembrar de espetáculo parecido: talvez as cerejeiras do hemisfério norte? Pobre a cidade sem ipês, miserável a cidade sem árvores. O trabalho do fotógrafo belo-horizontino Júlio Toledo exalta a relação entre essas lindas árvores e a nossa malha urbana. Ilustra bem o que eu digo. Um amigo me conta que na minúscula Caldas, lá no sul mineiro, não há árvores. E que, ao pedir o urgente plantio, ouviu como resposta uma longa explicação sobre dificuldades técnicas e custos. Percebeu, desapontado, que nada acontecerá. Quanta bobagem. Claro que não desdenho da técnica, mas plantar árvores pode ser um gesto simples, ainda que sempre grandioso. Jardineiros anônimos, amadores ou curiosos, um dia eles plantaram muitos dos ipês de Belo Horizonte. E felizes foram aqueles que viram a sua muda crescer, até que um dia… brilhou a primeira flor.
Governava a cidade o prefeito Célio de Castro (1997-2001). Planejou-se uma grande reforma na Avenida do Contorno. Nova drenagem e pavimento, canteiros centrais modificados. Só que alguém queria aproveitar a obra para aumentar pistas de rolamento. Dezenas de árvores, entre elas muitos dos ipês da avenida, seriam sacrificadas. Em decisão sensata, o Conselho Municipal do Meio Ambiente ponderou que não valeria a pena trocar tantas árvores por asfalto. Perda indiscutível, ganho duvidoso. E os ipês continuaram florescendo na Avenida do Contorno. Mas nem todos os ipês têm a mesma sorte. Era uma vez uma menininha que cresceu vendo um ipê da sua janela. Amarelo, copado, dos grandes. Perguntei se ela precisava ficar na pontinha do pé para ver. Nem isso: ele transbordava em flores, dominava a paisagem. Um dia a Luciana cresceu, mas o ipê… o ipê se foi. O concreto levou. É desse jeito: quando uma árvore vem conviver conosco nas cidades, a vida dela fica igual às nossas. Desafios, obstáculos, a sobrevivência incerta. Para continuar, só mesmo achando graça nas tolices humanas, nas nossas ilusões de supremacia. Então os ipês seguem florindo. Cor infinita, beleza absoluta.
OBS: Os ipês-roxos florescem entre junho e julho. Os amarelos entre julho e setembro. E os brancos entre agosto e outubro.