Fotografar é Produzir Conhecimento

29 de outubro de 2014

“Sou um contador das histórias da natureza, busco sobretudo evocar a forte ligação entre cada espécie e seu ambiente”.

“Não pense que a fotografia está apenas diante da teleobjetiva. A imagem nasce dentro de cada um de nós, moldada pelas nossas experiências e visão de mundo. Busque com a objetiva elementos visuais capazes de dar forma à sua interpretação particular sobre o seu tema de interesse.”
Luciano Candisani
 
 
 
 
 
 
 
O filhote de tartaruga verde, em seu primeiro mergulho. faz parte do Livro Atol das Rocas, um dos sete de autoria de Luciano Candisani.
 
 
Cardume de Curimbas no rio Olho d’água, MS. Uma fotografia do projeto mais recente de Luciano Candisani sobre a vida nos rios brasileiros com publicação prevista para 2015, na National Geographic.
 
 
 
Tartaruga vítima da poluição dos mares, na Praia da Fazenda, Parque Estadual da Serra do Mar. Mesmo em áreas protegidas, os animais não estão livres dos efeitos nocivos. Elas engolem plásticos por confundirem com algas.
 
 
 
 
 
O Tamanduá mirim fotografado para o Livro Pantanal na linha d’água, lançado em 2013.
 
 
 
LUCIANO  CANDISANI – Entrevista
 
 
Folha do Meio – Como você começou no mundo da fotografia?
Luciano Candisani –  Minha relação com a natureza sempre foi muito próxima. Desde cedo, vivi as realidades de uma grande cidade e de áreas dominadas pelo verde, com os bichos, o mar e as florestas. A Mata Atlântica e o mar foram meus quintais e minhas primeiras referências de beleza e admiração.  Cresci viajando para os locais mais remotos do planeta através de documentários do Cousteau e as matérias da National Geographic. Sempre gostei disso. Tive acesso, desde cedo, a equipamentos fotográficos profissionais do meu pai. Daí, a união entre natureza e fotografia foi acontecendo naturalmente.  Atualmente trabalho para a National Geographic, a mesma publicação que me inspirou a seguir essa profissão.
 
 
"Na área ambiental,  algumas leis anacrônicas trazem dificuldades tanto para os servidores das agências ambientais quanto para outros profissionais cujas atividades são desenvolvidas dentro das UCs, como fotógrafos e pesquisadores. "
 
 
 
FMA – E sua formação profissional?
Luciano – Na hora de escolher a faculdade, acabei seguindo a minha paixão pelo tema natureza e optei por Biologia. Mas já entrei sabendo que queria trabalhar com imagens de natureza, fotografia e filmes. 
Quando saí da faculdade de biologia na USP, eu já trabalhava profissionalmente na fotografia de natureza.  Comecei minha carreira profissional como fotógrafo de expedições científicas, documentando expedições do Instituto Oceanográfico da USP.
 
FMA – Gosta mais da pesquisa científica, do trabalho acadêmico ou da arte fotográfica?
Luciano – A pesquisa científica é algo fascinante e muito importante, inclusive a pesquisa básica, sem resultados práticos imediatos. Porém, o resultado dos trabalhos acadêmicos é muito demorado para o meu tipo de expectativa. Encontrei no jornalismo fotográfico uma ferramenta de comunicação com um público maior e de forma mais rápida. A questão de trabalhar em favor da conservação da biodiversidade dos ecossistemas sempre esteve presente como prioridade para mim. E  acho que a fotografia é uma ferramenta fantástica para a esse tipo de objetivo.   
 
FMA – Mas isso não significa que você valoriza apenas a documentação?
Luciano –  Não, pelo seguinte. Procuro fazer imagens interpretativas, capazes de carregar a minha resposta emocional diante da cena. A grande imagem encanta tanto quanto informa. Quando  o fotógrafo  usa os controles da câmera  e os recursos da composição para registrar a sua própria interpretação sobre o tema, o resultado final ultrapassa os limites de um simples registro e se aproxima da expressão artística, interpretativa. 
 
FMA – Você sente um interesse maior hoje pela fotografia de natureza?
Luciano – Sim, vejo com alegria o crescente interesse das pessoas pela fotografia de natureza, A imagem estática  é reconhecida como uma das principais ferramentas a serviço da conservação ambiental. Um exemplo  recente: ao se emocionar com as fotografias de uma matéria da National sobre o Gabão, o presidente do país se empenhou na criação de 11 parques nacionais.
 
FMA – Pela fotografia você já conseguiu uma realização profissional?
Luciano – Olha, pela fotografia, consegui todas as realizações profissionais que tive, pois vivo exclusivamente das minhas reportagens fotográficas e dos desdobramentos delas
 
FMA – As instituições públicas como Ibama, ICMBio, guardas florestais ajudam ou criam mais dificuldades para os profissionais da fotografia? 
Luciano – Boa questão. ICMBio e Ibama e as agências estaduais são fundamentais para a conservação da natureza no Brasil. Mas, claro, também sofrem com a mesma burocracia do setor público que atravanca as atividades do país em todos os setores. Na área ambiental,  algumas leis anacrônicas trazem dificuldades tanto para os servidores das agências ambientais quanto para outros profissionais cujas atividades são desenvolvidas dentro de unidades de conservação, como fotógrafos e pesquisadores. 
Sempre que faço trabalhos em parques e reservas, antes apresento aos gestores das UCs as características do projeto e os desdobramentos positivos que eles podem ter para a proteção das unidades. E posso dizer que sempre tive o apoio das UCs. Vejo que os gestores tem boa vontade ao julgar as iniciativas que podem trazer benefícios às suas unidades. E, de fato, muitos trabalhos meus acabaram trazendo benefícios reais para a conservação de espécies e para o ambiente.
 
FMA – Você acha justo ter que pagar uma taxa para fotografar ou filmar a natureza em algum parque ou reserva biológica?
Luciano – Não, não acho justo a cobrança de taxas para os fotógrafos em trabalho artístico, documental e jornalístico . Projetos prioritariamente  publicitários devem ser analisados separadamente.
 
FMA – Suas fotos correm o mundo. Onde encontra maior receptividade?
Luciano – Ah, nos Estados Unidos. E também em muitos países da Europa. As minhas fotografias publicadas no exterior tem uma repercussão maior. Tem um número maior de pessoas interessadas no tema e muitas publicações que dedicam espaço a ele. A edição principal da National Geographic, por exemplo, tem 40 milhões de leitores no mundo. Quando minhas matérias saem lá, recebo comentários de países tão distantes quanto Coreia e Japão. É muito interessante esse alcance.
 
FMA – Já fez alguma exposição sobre seu trabalho?
Luciano –  Sim, já fiz exposições individuais e participei de muitas coletivas. A minha mostra mais recente é a coletiva “Danajon Bank “, que abriu em Chicago, passou por Londres e , agora, está em Manila, nas Filipinas. O trabalho, que fiz com outros três fotógrafos, mostra a vida das populações tradicionais que dependem do mar para a sobrevivência ao longo da barreira de recifes Danajon, nas Filipinas.
 
FMA – Toda fotografia conta uma história. Qual a melhor história que você contou através de uma única foto?
Luciano – Diria que a história contada de forma mais eloquente por uma imagem minha é a dos efeitos do crescimento populacional e mudança nos padrões de consumo sobre um modo de vida tradicional, baseado no extrativismo sustentável, no mar. Falo da fotografia que fiz do menino Marveen Jay em sua atividade diária de coleta de ovas de caramujo  para a mesa da família. Essa atividade, tradicional é sustentável, vem no primeiro plano da imagem. Ao fundo, sobre a água, aparece o efeito da superpopulação na Ilhota de Marveen Jay. A imagem acabou de ganhar o prêmio “Big Picture”, da academia de ciências da Califórnia.
 
FMA – Prazeroso sempre é, mas é difícil ser um fotógrafo de natureza?
Luciano – A maior dificuldade da fotografia na natureza está ligada a efemeridade e imprevisibilidade total da maior parte dos eventos. Para produzir interpretações que fujam do inventário didático, é preciso tempo diante do tema e isso é uma raridade quando a história está ligada a animais em ambiente natural.
 
FMA – Para uma bela foto, basta estar no lugar certo, na hora certa e com a luz correta?
Luciano – Não! Para se ter uma bela foto precisa de muita coisa. Pesquisas e estudos são fundamentais na formação de uma interpretação prévia sobre o tema. É preciso conhecer o assunto e, mais importante, formar uma opinião, um conceito sobre ele.
 
FMA – Algumas dicas para quem quer se aventurar na arte de fotografar?
Luciano – Sim! Não pense que a fotografia está apenas diante da teleobjetiva. A imagem nasce dentro de cada um, moldada pelas nossas experiências e visão de mundo. Busque com a objetiva elementos visuais capazes de dar forma à sua interpretação particular sobre o seu tema de interesse.
 
 
 
O menino Marveen Jay, coleta ovas de caramujo na Ilha de Bilang Bilang, Filipinas. A fotografia evoca o impacto da mudança nos padrões de consumo em uma comunidade extrativista marinha
 
 
 
 
Esta foto do macaco muriqui com seu filhote teve ampla repercussão e levou benefícios reais à conservação dessa espécie que está entre os 25 macacos mais ameaçados do mundo.