NARCISO, a beleza entorpecida

29 de outubro de 2014

E quando a ganância impede a contemplação da Lagoa de Curvinas, em Brejo-MA

"Narciso morreu embriagado pela própria beleza e encantamento. Os deuses, então, o transformaram numa flor – o narciso. Daí o nome da flor do Mediterrâneo Narciso (Narcisus poeticus) alva, solitária e perfumada."

 

 

 
 
 
 
O jovem caçador Narciso ao ver sua imagem refletida nas águas serenas do lago, tal como um espelho, viu-a de tamanha beleza que, tão logo a contemplou se apaixonou e então, perdido de amor, tentava abraçar a imagem tão fugidia que, ao simples toque com a ponta dos dedos na água, ela se desfazia em círculos concêntricos afastando o rosto pelo qual se apaixonara. “Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!” 
A paixão por si mesmo afastou de si uma das figuras femininas mais apaixonadas por ele, a ninfa Eco, que inconformada com a indiferença de Narciso, retirou-se amargurada para uma gruta, onde definhou até que somente restaram dela os gemidos. Eco repetiu… repetiu… e foi perdendo força que a impediu de viver e amar. 
Quanto a Narciso, morreu embriagado pela própria beleza e encantamento. Os deuses, então, o transformaram numa flor – o narciso. Daí o nome da flor do Mediterrâneo Narciso (Narcisus poeticus) alva, solitária e perfumada. As flores, nos mitos, geralmente representam as virtudes da alma ou o resultado da transformação; na cor branca fazem a percepção retornar à pureza, ao original, ao que realmente é.
A título de ilustração, o imortal Antônio Callado escreveu que as estátuas de bronze de Eco e Narciso, do escultor carioca Mestre Valentim, permaneceram até 1856 no alto do Chafariz das Marrecas, quando este foi destruído. 
Desde então, foram recolhidos, ao Jardim Botânico – RJ. Foi do escritor a idéia para reunir os dois mitos novamente e recomendou à direção do Jardim Botânico a construção de um monumento para colocação das estátuas. Ainda que sendo imortal, interferiu na vontade dos deuses que era separá-los. Não obstante, coube ao arquiteto Glauco Campello o projeto arquitetônico, tendo sido o tratamento paisagístico do arquiteto Carlos Fernando de Moura Delphim, que se utilizou da espécie mais semelhante ao narciso do Velho Mundo o lírio-do-amazonas. Perfumada e imaculadamente branca (Eucharis grandiflora).
Narciso simboliza a capacidade de olharmos para nós mesmos, Eco simboliza a capacidade de olhar o outro. Assim, o mito de Narciso pode servir de metáfora para “ecos” favoráveis ao apelo à preservação da vida e da beleza desse cenário da fotografia em questão, que tem como protagonista essa alva e linda ave doméstica refletida nas águas da Lagoa das Curvinas, no Povoado Lameiro, Município de Brejo-MA. 
Se Narciso adorava sua própria imagem e Eco a repetição tautofônica de um som, ambas as ações imitam nosso apelo para a preservação do local. Que não se perca numa contemplação egoísta individual, nem que se limite a uma reverberação de palavras elogiosas e vazias indiferentes à destruição das belezas naturais.