EXPEDIÇÃO LANGSDORFF – PARTE 13

O DESTINO DOS PARTICIPANTES E DO MATERIAL PRODUZIDO pela EXPEDIÇÃO

26 de novembro de 2014

Alguns se abrasileiraram, outros voltaram para a Europa e mais de mil plantas, desenhos e relatórios enriqueceram a Academia de Ciências de São Petersburgo.

Georg Heinrich von Langsdorff em quatro tempos: 1) Em 1809.  2) Como cônsul russo por volta de 1815.  3) Retratado por Florence em1827.  4) E em fotografia de 1852.
 
 
 
O envolvimento de Georg Heinrich von Langsdorff com o Brasil chega ao fim. Pelo menos até 1930. Como geralmente acontece nos casos de amor, Langsdorff se surpreende com a magia do primeiro encontro. 
 
Em 18 de dezembro de 1803, o Nezdeja (‘Esperança’), veleiro em que viajava, foi envolvido por um comitê de boas vindas formado por enorme quantidade de borboletas carregadas pelo vento marítimo, a uns 80 quilômetros da costa brasileira. O fascínio e a ansiedade para desembarcar num ‘país de sonhos’ deixa Langsdorff agitado. À medida que os segredos são revelados, a realidade se estabelece. Aos poucos, o epíteto de malograda abandona definitivamente a expedição, que assume seu lugar entre as maiores aventuras em busca do conhecimento humano neste terceiro planeta do Sistema Solar.
 
 
A  VOLTA AO RIO DE JANEIRO
Permanência em Belém do Pará e os 46 dias de viagem para o Rio
 
“No dia 16 de setembro de 1828 chegamos, enfim, à cidade do Pará”.
Florence descreve a cidade e os planos mirabolantes do Marquês de Pombal (1699-1782), que comungava com outros estadistas a entrega à Espanha do exíguo território português na Europa “em troca de toda a porção espanhola da América Meridional”.  Caberia ao clero significativa participação: “Durante três anos consecutivos deveria o púlpito apregoar em todo o reino, que era vontade de Deus a emigração em massa para o Brasil, a fim de sem mais tardança espalhar a fé católica nessa vasta região, ainda quase toda entregue a gentios idólatras, obstinados em suas falsas crenças e correndo o risco de serem conquistados por nações protestantes. Tal era o manifesto desígnio da Providência. 
 
Ai dos que não se subordinassem de pronto aos decretos divinos! (…) Na esperança de fundar o mais vasto Império do mundo e querendo levantar-lhe a capital às margens do maior rio da Terra, tinha o ministro escolhido a cidade do Grão-Pará em razão de sua colocação sobre o Amazonas, cujo curso de milhares de léguas é caminho franco e aberto para os Andes, tornando seus grandes tributários outros tantos braços de comunicação com a América Meridional”.
 
Florence teve acesso à memória escrita do plano delirante. O Forte Príncipe da Beira na fronteira com a Bolívia; a fortaleza de Macapá; a construção do palácio, intendência, fundição e cadeia na Vila Bela de Mato Grosso; os grandes edifícios de Belém como o palácio do governo, o teatro, o arsenal e os nomes de localidades portuguesas como Santarém, Óbidos, Alter do Chão, Almeirim, Aveiros, estreito de Breves, etc., são resquícios da frustrada tentativa.    
Depois de quatro meses de espera, Riedel chega a Belém muito magro e parcialmente refeito das moléstias que também o incomodaram. Mais dez dias e o navio Pedro I, fretado por Florence, parte de Belém. 
“Quarenta e oito horas já tínhamos de viagem e ainda apanhávamos água doce. (…) Quinze dias depois de saídos, estivemos a naufragar nos baixios da costa do Maranhão a 12 léguas de terra, pelo que aproamos logo para o norte a ir buscar a rota seguida por todos os navegantes e que por certo não deveríamos ter deixado. Se não fora a mudança da cor do mar e o aviso da sonda, estávamos irremediavelmente perdidos. (…) Mas afinal, com 46 dias de bordo alcançamos a cidade do Rio de Janeiro, dando fim a nossa penosíssima, atribulada e infeliz peregrinação pelo interior do vasto Império do Brasil”. 
No navio, Florence reescreve o relato da expedição de Porto Feliz até Cuiabá. No dia 26 de março de1829 a expedição chega à Baía da Guanabara, “depois de uma ausência de 3 anos, 6 meses e 23 dias”.
 
 
No dia 26 de março de1829, a Expedição Langsdorff chega à Baía da Guanabara, “depois de uma ausência de 3 anos, 6 meses e 23 dias”.
 
 
 
Mapa Geral da Expedição, por Regina Machado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa Geral da Expedição, por Néster Rubtsov

 

 

 

 

 

 

Mapa russo da expedição.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O destino dos expedicionários

16 caixas de manuscritos e desenhos seguem para a Rússia.

 

Florence permanece alguns meses no Rio, visita seus amigos Felix Emile e Theodore Taunay, irmãos de Adrien, e entrega a eles a primeira parte de suas anotações. Envia a segunda parte, de Cuiabá a Belém do Pará, para a Rússia e mantém uma cópia. 
A amizade que o liga a Álvares Machado é tão forte que Florence, enfarado de tanta aventura, vai procurar refúgio nas plagas tranquilas do influente benemérito. Candidata-se à vaga deixada por Christian Hasse e assume o lugar de pretendente no coração de Maria Angélica Álvares Machado. Prático como sempre, une o útil ao agradável e torna-se genro de Álvares Machado, ainda em 1830. Ele tem 26 anos e Maria Angélica apenas 16.
Em setembro de 1829, Rubtsov retorna à Rússia com a primeira parte do arquivo da Expedição: 16 caixas com coleções, manuscritos, mapas e desenhos que são distribuídos pelos respectivos museus e gabinetes da Academia de Ciências. Apesar de ter mantido por um tempo o andar claudicante, se recupera de sua aventura tropical e é destacado para o Ministério do Serviço Hidrográfico da Marinha russa. Em 1837 assume a direção do Departamento Hidrográfico, de onde se aposenta em 1860 como coronel. 
Os detalhados e precisos mapas dos itinerários percorridos pela expedição e as plantas das cidades que visitou contêm informações à espera de estudos adequados. Enchem os olhos de quem os vê. Pena que as anotações sejam em russo. Rubtsov morre em junho de 1874, aos 75 anos.
 
 
Planta da cidade de Santos. Por Néster Rubtsov. 
 
 
 
Mapa da expedição da foz do rio Inhomirim até Nova Friburgo. Néster Rubtsov.
 
 
 
Relatório sobre saúde de Langsdorff
 
Em novembro de 1829, com as relações diplomáticas restabelecidas, o novo ministro plenipotenciário russo, Franz Borel, chega ao Rio de Janeiro. Conhecera Langsdorff em 1813, em Londres, e se assustou com a aparência do barão. Em carta para o Vice-Chanceler russo, comunica: 
“Com pesar, devo informar a Vossa Excelência que encontrei aqui o Sr. Langsdorff em uma situação completamente miserável. Privado de todas as suas capacidades mentais, ele age como se fosse uma criança, não pode ocupar-se de absolutamente nada, e tão pouco, consegue conversar. Foi feito para Langsdorff o relatório que ele teria a honra de dirigir a Vossa Excelência para solicitar a permissão de voltar à Europa. De acordo com os médicos, ainda que as águas de Karlsbad não o conseguissem curar completamente, deveriam, contudo, trazer-lhe algum alívio. Hoje a falta de tempo não me permite que eu me detenha mais nesse triste tema, mas terei a honra, Senhor Vice-Chanceler, de fazer um relatório detalhado sobre tudo o que diz respeito à última viagem de Langsdorff. Empregarei todos os meus esforços para reunir e enviar a São Petersburgo todos os materiais de sua expedição”.
 
Com pesar, devo informar a Vossa Excelência que encontrei aqui o Sr. Langsdorff em uma situação completamente miserável Privado de todas suas capacidades mentais…
 
Atestado médico e a demissão de Langsdorff da Academia Imperial por motivo de saúde.
 
 
 
 
 
Da esquerda para a direita:
 
Wilhelmine von Langsdorff e o marido, em Freiburg. Langsdorff era 27 anos mais velho que ela.
 
Riedel em 1827. Desenho de Hercule Florence. 
 
Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, em 1846, Rugendas reencontra Riedel e pinta seu retrato.

 

 

De Nova Friburgo, no Rio, para Freiburg, na Alemanha.
 
Langsdorff aguarda a conclusão dos trâmites legais e volta, em 1830, com a família para a Europa. A melhora física é rápida, mas não é acompanhada pela recuperação da memória. A deficiência do cônsul é uma grande perda para a ciência, mas preserva sua relação com Wilhelmine.
Como a atestar seu vigor físico, no dia 31 de julho de 1830 Wilhelmine dá à luz o menino Adolph Wilhelm von Langsdorff (1830-1891) em Antuérpia, na Bélgica, durante a viagem de volta do casal para a Alemanha. O governo russo o licencia em 1831 do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Academia de Ciências e concede a ele uma pensão vitalícia. Langsdorff muda-se com a família para Freiburg, no sul da Alemanha. Pelas manhãs, à mesa de seu escritório, tenta vencer as dificuldades provocadas pela doença.
Em eventuais diálogos deixa transparecer algum sinal de lucidez. Seu filho Georg von Langsdorff (1822-1921) observa que o pai, imediatamente após ler o jornal, não se recorda do assunto que lera. O velho Cônsul morre em 29 de junho de 1852, aos 78 anos, assistido pela família. Wilhelmine o sobrevive por 19 anos e, em 1871, aos 70 anos, se reúne a Taunay e Langsdorff.
 
 
 
Riedel, de Ludwig a um Luiz bem brasileiro
 
Riedel diz que o Brasil é igual os outros países: tem que pôr a mão no bolso para funcionar
 
Riedel, que chegara ao Brasil em 1821 e sofrera uma série de revezes econômicos, era grato a Langsdorff que o socorrera desde então. Os roubos e a perda da bagagem na Bahia deixaram-no em situação tão deplorável que permanecera por um tempo sem dinheiro para adquirir sapatos. Admirava a capacidade da população local que não era apegada a esse luxo e, por isso, ganhara o apelido depreciativo de uso corrente desde então: ‘pé-rapado’. 
 
Queixou-se em suas anotações: 
“Que infelicidade estar sem a comodidade necessária…, mas onde ir buscar dinheiro…? O Brasil tornou-se, pois, um lugar de banimento para mim. É um país como todos os outros, onde não se pode mexer-se sem pôr a mão no bolso, e aquele que não se pode permitir tal coisa é um infeliz, para o qual não há lugar neste mundo”.
À beira da miséria e com a saúde comprometida, Riedel escreveu a Langsdorff e expôs sua situação. O cônsul socorreu-o com dinheiro e instalou-o na Fazenda da Mandioca. O convite para participar da expedição aliviou tanto o botânico que ele não titubeou em transferir todo o herbário coletado na Bahia para a coleção de seu protetor. A amizade e gratidão eram vias de mão dupla, pois o cônsul também dedicava ao botânico grande consideração e escrevera a ele na despedida em Cuiabá, na carta em que recomendava como agir com Taunay: “(…) perdi o amigo, o amigo que facilita e torna a viagem mais agradável”. 
 
E complementou em suas instruções finais: “No caso de minha morte prematura ou do nosso desencontro, você deve ir o mais rapidamente possível a Santarém e providenciar todos os documentos, organizar a coleção e obter um crédito de dinheiro em meu nome. Reportar minha morte ao Conde Nesselrode em Petersburgo, assim como os planos que são de seu conhecimento. Não continuar a expedição sem a notificação prévia de minha morte”.
 
 
 
Riedel viaja para a Rússia e leva uma coleção de plantas
 

Foto de Ménètries em idade madura.

 

Em 1830, Riedel viaja para a Rússia com a segunda parte da coleção. Entrega ao Jardim Botânico de São Petersburgo o herbário com cerca de oito mil espécies e 80 mil exemplares de plantas, bem como 1.000 plantas vivas e a coleção carpológica, isto é, de madeira, frutos e sementes, com cerca de cinco mil exemplares. O acervo é o mais representativo da flora tropical e Riedel o botânico responsável pelo estudo de sua diversidade. 

 

 

Carta de recomendação de Ménétriès à Academia de Ciências escrita por Langsdorff.

 

 

 

 
O Jardim Botânico Imperial russo não abre mão de sua competência e seu diretor o envia de volta ao Brasil em agosto de 1831, com alguns alunos da Academia de Belas Artes e o jardineiro real Luchnat, para nova expedição. Alguns historiadores consideram essa expedição um prolongamento da Langsdorff, mas tanto o financiamento como os objetivos são de origem diversa. 
 
RIEDEL E PETER LUND
Riedel parte do Rio em 1833 para a nova excursão por São Paulo e Minas Gerais e, como convidado, um personagem dinamarquês nosso conhecido o acompanha: o Doutor Peter Wilhelm Lund (1801-1880). A saúde abalada de Riedel limita sua incursão até o rio São Francisco, de onde retorna ao Rio em 1835. Para o armazenamento de plantas vivas, à espera de serem enviados para a Rússia, Riedel cria no Rio de Janeiro uma filial do Jardim Botânico de São Petersburgo, onde as sementes pudessem germinar e novas espécies de plantas e ervas com propriedades farmacêuticas pudessem ser cultivadas. Depois de enviar mais de 22 mil exemplares e duas mil plantas vivas para a Rússia, os elevados gastos com a manutenção da filial acarretam sua extinção. Riedel desvincula-se de seus compromissos com a Academia de Ciências da Rússia e é convidado a chefiar o Departamento de Botânica, Agricultura e Artesanato do Museu Nacional. 
Posteriormente passa a dirigir os jardins da casa imperial e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O botânico alemão Ludwig Riedel morre como o brasileiro Luiz Riedel em agosto de 1861, com esposa e filhos brasileiros. As centenas de plantas que descreveu e os jardins cariocas que embelezou mereceriam a gratidão da cidade à sua memória, mas a Rua Ludwig Riedel existente está localizada no bairro Vila Isabel, em São Paulo. Cinco gêneros de plantas foram nomeados em sua homenagem. 

 

Página do diário de Ménétriès.

 

 

 

Langsdorff não desampara Ménétriès
Langsdorff tinha um coração mole. Depois da excursão por Minas Gerais, não renovou o contrato com Ménétriès, que desgostara o cônsul por causa de suas ligações com Rugendas. Mas não o desamparou. Jean-Maurice Edouard Ménétriés, o entomólogo francês, foi o primeiro a ser requisitado por Langsdorff para sua expedição quando ainda atuava no Jardin de Plantes de Paris. 
Voltou para a Europa e, munido de uma bela carta de apresentação, assumiu o nome Edward Petrovich Ménétriès e um cargo na Academia Imperial de Ciências. Em 1832, com a criação do Museu Zoológico da Academia, Ménétriès é indicado como responsável pelas coleções entomológicas, cargo que ocupa burocraticamente até sua morte em abril de 1861.

 
 
 
PRÓXIMA EDIÇÃO – Dezembro
Expedição Langsdorff – Parte 14
 
Na próxima edição, a aventura da descoberta e preservação dos arquivos esquecidos por mais de um século na Academia Russa de Ciências.