política pública ambiental

Vale a pena criar uma RPPN?

26 de novembro de 2014

Mesmo sendo um projeto importante para a sociedade, ainda há distorções e restrições sobre as RPPNs.

Izabela Zanotelli Collares – ENTREVISTA

 

Folha do Meio – O que é uma RPPN? 

Izabela Collares – Reserva Particular de Patrimônio Natural é uma unidade de conservação de domínio privado, com o objetivo de conservar a diversidade biológica, gravada em definitivo, por intermédio de Termo de Compromisso averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis. Não há um tamanho mínimo para ela. A área torna-se uma RPPN mediante iniciativa de seu proprietário via requerimento ao Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), podendo ser reconhecida em âmbito Federal ou por órgãos Estaduais do Meio Ambiente.
 
 
FMA – Quais os documentos necessários para se criar uma RPPN?
Izabela Collares – Há todo um processo burocrático junto ao ICMBio.  Primeiramente,  o proprietário interessado deverá acessar o sistema informatizado de monitoria de RPPN através do site do ICMbio. Ademais a relação dos documentos dependerá de ser propriedade de pessoa física ou jurídica. 
A relação de documentos é extensa. Dentre outros, resumindo, temos: escritura definitiva da propriedade, com matrícula no cartório de registro de imóveis; Cédula de identidade ou Ato de designação de pagamento (quando se trata de pessoa jurídica);  Comprovante de pagamento do imposto territorial rural-ITR;  Planta do imóvel, indicando limites e confrontantes da propriedade, área a ser reconhecida, e sua localização no município. 
 
FMA – Depois de criada, a RPPN pode ser comercializada?
Izabela Collares – É importante entender que uma vez criada. o proprietário não poderá mais se desfazer da reserva. A propriedade passará a seus herdeiros os quais também não poderão negociá-la. As RPPNs podem ser criadas por pessoas físicas ou jurídicas que tenham patrimônio próprio. 
 
RPPN ou Reserva Legal
 
FMA – Qual a diferença entre RPPN e a Reserva Legal?
Izabela Collares – A RPPN e a Reserva Legal são instituições distintas. A Reserva Legal é obrigatória podendo ser exigida a qualquer tempo. Já a RPPN é sempre ato voluntário do proprietário. Aliás, a criação de uma reserva particular não obriga o proprietário a instituir uma reserva legal.
 
FMA – Quais os principais benefícios ao se criar uma RPPN?
Izabela Collares – Sim, tem vários benefícios. Por exemplo, a isenção do Imposto Territorial Rural referente à área criada, ter preferência em pedidos de financiamento para investimentos na propriedade, direito de propriedade preservado, ou seja, não pode ser invadida, concessão e prioridade para recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente e preferência na concessão de crédito agrícola junto às instituições oficiais de crédito. 
E tem mais: é assegurado ao proprietário de uma reserva particular o direito de receber apoios por meio de medidas compensatórias sempre que o impacto atingir diretamente a área. Também poderá receber, contribuição financeira toda vez que empresas de abastecimento de água e produção de energia se beneficiarem dos recursos naturais protegidos pela reserva. 
O problema reside na eficácia desses benefícios. Questiona-se: estariam eles sendo realmente aplicados e concretizados?
 
FMA – Diante desse impasse da efetividade dos benefícios, os proprietários podem temer algum risco na decisão de formar uma RPPN? 
Izabela Collares – Exatamente.  Inclusive porque, muitos proprietários já receiam criar RPPN por não poderem utilizar de maneira sustentável seus recursos naturais como uma alternativa econômica.  
É diferente do que ocorre com a Reserva Legal, que prevê esta possibilidade mediante Plano de Manejo devidamente autorizado pelo órgão ambiental competente.
Restrições burocráticas 
e econômicas
 
FMA – Muitos proprietários receiam ter restrições ao uso da área?
Izabela Collares –  Sim, lembrando que  a restrição de uso em uma RPPN não é total. A reserva só poderá ser utilizada para o desenvolvimento de pesquisas científicas e visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais previstas no Termo de Compromisso e no seu Plano de Manejo.  Permite-se a instalação de viveiros de mudas de espécies nativas do ecossistemas onde está inserida a RPPN, quando vinculadas a projetos de recuperação de áreas alteradas dentro da unidade de conservação. Observa-se, também, que essas atividades devem ser autorizadas ou licenciadas pelo órgão responsável pelo reconhecimento da RPPN.
 
FMA – É fácil conseguir recursos para investimentos?
Izabela Collares – Esta é uma distorção que precisa ser aprimorada. Mesmo sendo possível a exploração econômica da RPPN, via ecoturismo, e possuindo certos benefícios, o que tem acontecido é que nem todas as RPPNs conseguem facilmente recursos e apoios de entidades ambientalistas. E isso é importante para colocar em prática a implementação da reserva, seja para centros de pesquisa, seja para sistemas de ecoturismo. Outro complicador é o fato de o processo de implementação da reserva particular levar anos o que deveria ser um processo rápido, de meses. A verdade é que estes fatos, somados às dificuldades cartoriais, diminuem o interesse do proprietário.
 
FMA – Como resolver esta distorção para aumentar o interesse pelas RPPNs?
Izabela Collares – Há vários fatores que limitam o maior interesse dos proprietários de terras. Por exemplo, a falta de divulgação, de eficiência dos benefícios concedidos aos proprietários dessas áreas, além das dificuldades encontradas para desenvolver todos os procedimentos requisitados. Faltam até profissionais que disponham de aparelhagem para realizar os mapeamentos e tornar mais ágil os processos. Tudo isso contribui para limitar o interesse do proprietário na hora de optar pela constituição de áreas particulares de conservação e preservação.
Na prática, embora existam incentivos e benefícios previstos, pelos órgãos públicos regionais, o fato é que não existem políticas ou instrumentos jurídicos específicos e adicionais voltados para os benefícios concretos da área e de seus proprietários.

 

”A grande maioria dos proprietários brasileiros, com toda razão, não se sentem estimulados a criar RPPNs, pois ficam  impedidos do uso sustentável dos recursos naturais nela existentes”.
 
 
FMA – Os proprietários se sentem motivados para criação de reservas?
Izabela Collares – A grande maioria dos proprietários brasileiros, com toda razão, não se vêem estimulados a criar reservas desta natureza, pois ficam, inclusive, impedidos do uso sustentável dos recursos naturais nela existentes. Na prática, embora existam incentivos e benefícios previstos pelos órgãos públicos regionais, o fato é que não existem políticas ou instrumentos jurídicos específicos e adicionais voltados para os benefícios concretos da área e de seus proprietários.
 
FMA – Além de faltar apoio e incentivos do poder público, o proprietário deve sentir também que será eternamente vigiado, fiscalizado…
Izabela Collares – Isso mesmo. Eu entendo que a implantação da RPPN limita o direito do proprietário sobre o imóvel. As atividades sobre ela passam a ser fiscalizadas, monitoradas e orientadas pelo Poder Público, inobstante o proprietário possa desenvolver atividades de cunho cientifico, cultural, educacional, recreativo e de lazer, o que na maioria dos casos não é atividade do proprietário rural. Mas acontece que em não havendo uma fiscalização e monitoramento pelo Poder Público, a área costuma ser degradada por atos de terceiro e, para haver o referido monitoramento, os agentes do Poder Público passam a figurar como espécie de intromissores na área de acesso à RPPN.
 
FMA – Em outros países essa é uma política preservacionista muito usada?
Izabela Collares – Verdade, a RPPN tem se tornado investimento em outros países, como o México, Costa Rica, EUA entre outros. Eles têm criado mecanismos para proteção ambiental de terras privadas e chegam a propor projetos de lei para criação de gravame ecológico, como parte de uma dinâmica internacional por uma política preservacionista. Infelizmente, no Brasil, sabemos não ter efetividade.
 
 
 
Na prática, embora existam incentivos e benefícios previstos, pelos órgãos públicos regionais, o fato é que não existem políticas ou instrumentos jurídicos específicos e adicionais voltados para os benefícios concretos da área e de seus proprietários.
 
 
 
FMA – Os municípios onde estão as RPPNs são beneficiados com algum incentivo?
Izabel Collares – Sim e não. Não se pode argumentar que haja um maior repasse de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os Municípios onde esteja localizada a RPPN, pois o mesmo não alcança o proprietário e nem o Poder Público tem qualquer vinculação ou obrigação de usar tais recursos no desenvolvimento da área.
O ICMS ecológico é um instrumento que beneficiaria os municípios com áreas de grandes proporções de conservação e seria um aliado ao incentivo às RPPNs. No entanto, poucos são os Estados e Municípios que aprovaram suas legislações. Parte do recurso poderia ser repassado pela prefeitura ao proprietário da RPPN. Esse repasse pode ser feito diretamente ou indiretamente na ajuda ao proprietário. 
O fato de não pagar imposto pode ser buscado por outros meios, como por exemplo, o projeto de manejo, para isenção durante o tempo de sua implantação.
 
FMA – Qual seria a fórmula ou a ideia mais vantajosa para que os proprietários e municípios tivessem mais interesse na criação de RPPNs?
Izabela Collares – A tendência é que o número de reservas criadas aumente de acordo com a regulamentação e apoio fornecido pelos Estados, Municípios, ou seja, pelo ente federativo que encontra-se mais próximo do proprietário da reserva.
 Hoje já temos alguns Estados que reconhecem as RPPNS em suas políticas públicas estaduais, inclusive com a regulamentação do ICMS ecológico.  Outras idéias também já existem ou estão sendo colocadas em práticas em algumas regiões, como parcerias com algumas ONGs e empresas, Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs), fundos de reparação de bens lesados, compensações ambientais, e outras fontes de incentivo financeiro como recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente.
 
FMA – Explique melhor o caso dos Pagamentos por Serviços Ambientais.
Izabela Collares – Sim, acredito que os Pagamentos por Serviços Ambientais seria um grande incentivo para os proprietários por dar-lhes mais fontes de exploração econômica da sua propriedade. Fomentar políticas públicas locais seria um grande avanço para ajudar a incentivar a criação da reserva. 
Essas fontes, como o incentivo a conservação dos estoques de carbono já pode ser realizado no Brasil e teria uma grande visibilidade internacional. Vemos que alternativas de incentivo existem, falta organização entre os diferentes níveis federativos e efetividade na aplicação da lei.
 
FMA – Há dois motivos para um proprietário criar uma RPPN: a preservação de uma área rica em biodiversidade e ter tranquilidade econômica para desenvolver um projeto sustentável, com lucro. Como  Estado pode ajudar mais e incentivar de fato?
Izabela Collares – Se o objetivo do empresário é mesmo preservar, com certeza ele terá outros meios de vida e não está tão preocupado com o sentido econômico e com o retorno financeiro. Mas se o empresário, mesmo querendo preservar, precisa ter um retorno financeiro, ele tem que ser profissional. Buscar ajuda, buscar informações e buscar retorno para seu empreendimento. 
Nós vemos, por exemplo, que o turismo explorado de forma amadora não dá dinheiro. Pior: emporcalha a propriedade e tira a privacidade do imóvel, sobretudo se ela não estiver em área periferia de natureza externa.