EXPEDIÇÃO PARNAÍBA VIVO - VII

Cachoeiras, Ribeiro Gonçalves

19 de dezembro de 2014

Atracamos no cais de Ribeiro Gonçalves pelo meio da tarde, muitas pessoas esperavam numa escadaria do cais. Existe aqui um porto de travessia, com balsas levando e trazendo pesados caminhões de carga, pessoas apressadas carregando sacos, bananas e gaiolas com pássaros, outras sem nenhuma pressa. Começo a pensar nos contos colombianos de Garcia Marques: o… Ver artigo

Atracamos no cais de Ribeiro Gonçalves pelo meio da tarde, muitas pessoas esperavam numa escadaria do cais. Existe aqui um porto de travessia, com balsas levando e trazendo pesados caminhões de carga, pessoas apressadas carregando sacos, bananas e gaiolas com pássaros, outras sem nenhuma pressa. Começo a pensar nos contos colombianos de Garcia Marques: o ar pesado e quente, as pessoas e seus dramas. 
 
 
“Creio que está ainda em tempo dos órgãos públicos e da sociedade se mobilizarem e tomarem providências concretas para garantir a sobrevivência do nosso rio Parnaíba”.
Artur Dias Pinheiro, agrônomo
 
 
Almoço farto no restaurante a uma quadra do turvo rio que era avistado embaixo. Presentes assessores do prefeito, além dos secretários da agricultura e do meio ambiente. Cardápio: galinha de cabidela, arroz branco e arroz-maria-isabel, mandioca cozida e salada; provei uma “Remanso” das boas para enfrentar o calor de 40ºC. A cidade é um pouco elevada, subindo para o cerrado a partir do rio até uma chapada plana. 
Saímos para conhecer a pequena cidade, dando de frente com uma feira em barracas na praça. Compro uma “buritizada”, doce de buriti, uma Remanso, as noites estão frias na beira do rio. E chegamos ao pequeno hotel. Vejo os jacus (Penelope ochrogaster) domesticados, pousados em grandes pedras em meio às galinhas no terreiro, a mata ao lado do quintal. A mata invade a cidade ecológica.
 
O Ribamar, o Carlos, a Shirleane e eu fomos diretos a uma rádio FM comunitária dar entrevistas ao vivo a convite do João Carlos, que tem um programa ambiental diário. Descemos apressados para mais uma audiência pública: ouvir a voz ribeirinha, sábias vozes. Jovens idealistas, professoras, donas de casa, o vice-prefeito, vereadores e agricultores, que sentem as dores do seu rio, levantavam a voz que ribombava nos barrancos lado a lado. É esta uma região de fronteira agrícola ao deus-dará, do agronegócio que ocupa as chapadas sem nenhum controle ambiental.
 
A concorrida audiência começou numa sala da escola, que ficou lotada, e transferida para a igreja. O vice-prefeito Agamenon afirmou, “farei tudo o que estiver ao meu alcance para implantar o desenvolvimento sustentável, para evitar o que ocorreu com o Riozinho, afluente do Parnaíba, que foi totalmente assoreado pela construção da estrada que desce da chapada aberta sem nenhum estudo ou projeto”. 
O destino da bacia foi assim definido no final pelo agrônomo Artur Dias Pinheiro: “Creio que está ainda em tempo dos órgãos públicos e da sociedade se mobilizarem e tomarem providências concretas para garantir a sobrevivência do nosso rio Parnaíba”. A verdade é que há muita revolta na região contra a ocupação dessa nova fronteira agrícola.
 
Vera Lúcia Carvalho, diretora da escola, deu seu depoimento em meio à pressa para preparar o almoço no seu restaurante – os cheiros da culinária e a música dos dois estados descem junto com a expedição – é difícil não perceber em cada parada os aromas gastronômicos da exótica e farta comida típica, e da música brega é impossível fugir. Deixamos o pequena cidade às quatro da tarde, com atraso devido ao pernoite na Estiva. Fotografei a multidão acenando em despedida, o barco girando lento sobre os remansos de água barrenta da enchente. Em destaque uma alta ponte recém-construída, ainda sem as ombreiras de acesso. A ponte está no ar sobre cinco pilares, sendo três na água, um bem ao centro, atraindo a atenção de todos, o rio turbulento. 
 
De repente, o barco-voadeira de apoio do Ibama, que fora desatrelado do PIPES para vistoriar à frente em situações perigosas, num momento tão rápido que ninguém viu como ocorreu, os operadores saltaram ao rio, o barco sendo lançado contra o pilar central onde ficou emborcado. Osório, fiscal do Ibama em São Luís e o Carlos Biar se agarraram atônitos nas bordas do barco. 
 
A morte passou por eles, constatamos ao chegar com cuidado, na fortíssima correnteza. Nada sofreram, a não ser escoriações leves. O resto da tarde até às seis foi perdido tentando o resgate do barco e do motor imerso nas águas, o que foi conseguido somente após o nível das águas baixarem nos dias seguintes. Todos ou quase todos dormiram no barco ancorado junto ao acampamento da ponte. 
 
Passando por nós o barco-pesquisa da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semar-PI) que se encontrava em Alto Parnaíba, o técnico Werner Curt Hosang, engenheiro naval de Itajaí, nos indicou um local para hospedagem. Este técnico realiza um trabalho de pesquisa de navegabilidade ao longo do rio. 
Dali subimos à busca do hotel de um paranaense no alto da cidade junto a um posto de gasolina, e enquanto se preparava o jantar, informei-me sobre as pesquisas batimétricas, que serão concluídas em setembro. Jantei ali mesmo, arroz branco com surubim frito em postas. O técnico estava às voltas com mais um problema no barco, a hélice avariada pela terceira vez, enquanto a nossa continuava intacta. Segundo ele, uma pesquisa em águas mínimas na estiagem foi realizada no ano anterior, e agora está a pesquisar com o rio cheio.
 
Em tempos idos, barcos subiam e desciam o rio, levando sal desde o porto de Parnaíba no delta e descendo com cera de carnaúba e mercadorias diversas desde Alto Parnaíba. Foram estes os tempos áureos parnaibanos.
 
 
"Em tempos idos, barcos subiam e desciam o rio, levando sal desde o porto de Parnaíba no delta e descendo com cera de carnaúba e mercadorias diversas desde Alto Parnaíba.”