Jornalismo e ambientalismo

MISSÃO PAULA SALDANHA

19 de dezembro de 2014

Os 40 anos de pioneirismo da jornalista referência em documentação, conscientização e educação ambiental pela tevê.

Paula Saldanha abraça o jornalismo da causa cultural, ambiental e educacional

 

Folha do Meio: Como a preocupação com as questões ambientais surgiu na sua vida?
Paula:
Em 1972, eu e meu companheiro, o biólogo Roberto Werneck, estávamos antenados no que era conhecido no mundo como ‘ecologia’ e acompanhávamos os trabalhos dos ‘verdes’ na Europa e da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos – a EPA. Pedi para fazer reportagens sobre meio ambiente e literatura para o Jornal Hoje. Nesse tempo eu já escrevia para revistas especializadas. Passei a acumular a  apresentação do Fantástico, com a do Jornal Hoje, em 1976, e do Globinho, em 1977.

 
FMA: Como foi sua experiência com o Telejornal para crianças. Você abordava temas ambientais? 
Paula: No Globinho eu já fazia reportagens sobre questões ambientais, mas o telejornal abria um leque de temas e notícias. Em 1979, dei uma pausa no Fantástico e passei a me dedicar ao Globinho e a um projeto novo: a criação de um programa sobre ‘ecologia’. Levei a ideia para o Boni, que resolveu batizar a série com o nome de ‘Globinho Repórter’ – foi o primeiro programa de meio ambiente da TV brasileira!
 
FMA: O que você acha mais interessante no trabalho em televisão?
Paula: Sem dúvida é a força e o alcance da TV, principalmente em um país como o Brasil, onde as parabólicas estão em toda parte – até nas aldeias indígenas, nos confins da Amazônia. Desde minhas primeiras apresentações no Fantástico, quando percebi o imenso alcance da TV, decidi criar reportagens e programas para mostrar um Brasil que não aparecia nos meios de comunicação de massa. Havia muito material importado e as equipes de jornalismo cobriam mais as capitais. Minha ideia era ir para campo, para as regiões mais distantes.
 
FMA: Quando você iniciou o jornalismo ambiental na TV, como isso foi recebido pela TV Globo e pelo público?
Paula: Primeiro é importante dizer como isso foi visto pelo governo militar, em plena ditadura. As primeiras reportagens com o tema ‘ecologia’ para o Jornal Hoje (1976 a 1977) e Globinho (1977 a 1983) mostravam a entrada de imobiliárias em áreas de preservação permanente, como margens de lagoas e encostas de florestas do Rio de Janeiro. Nosso trabalho era considerado ‘subversivo’. Quando fizemos, em 1979, o documentário ‘A Amazônia é Nossa’ para nosso primeiro contrato com o Jornalismo da Globo (Globinho Repórter), não se podia falar que a Amazônia era nossa, porque o governo federal facilitava a entrada de multinacionais na Amazônia. Chico Mendes, que defendia os povos da floresta (seringueiros e índios) foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e foi assassinado, porque o governo militar não atendeu a seu pedido de socorro das ameaças de morte que ele vinha sofrendo.
 

Cobrindo a corrida do ouro em Serra Pelada

 

Defendendo as praias do rio Araguaia

 

Espaço nobre para mostrar os povos da floresta Amazônia

 

 

FMA: O que fez você largar os estúdios da TV Globo e iniciar um trabalho independente?
Paula:
Eu estava com muitos projetos de produção independente, desde que eu e Roberto começamos a fazer nossos primeiros documentários, em 1977.
Com a criação de nossa produtora RW Cine, em 1979, Roberto passou a viajar por todo o Brasil e eu ficava presa em estúdios. Em 1985, decidi voar livre, como pássaro, junto com meu companheiro, documentando nosso país e nossos irmãos brasileiros.
Foi uma decisão corajosa, porque a produção independente para TV não era comum no Brasil. Mas eu tinha certeza de que poderia dar uma contribuição muito maior em campo, exercendo o jornalismo ambiental, do que como apresentadora em estúdio.  

 
FMA: Como foi feita a série sobre o Araguaia que acabou fechando os garimpos que poluíam o rio?
Paula: Ah, isso foi em 1987. Tivemos o convite da Globo para produzir reportagens especiais para o Fantástico. Mergulhamos, então, em viagens incansáveis, por todo o país, mostrando o que vai mal e, também, projetos que estão dando certo. Aí fizemos uma das primeiras reportagens para o Fantástico, justamente sobre o rio Araguaia. Chamava ‘A Morte do Araguaia’. Teve muita repercussão e conseguimos o fechamento dos garimpos de ouro em toda a bacia desse grande rio. Hoje, é muito gratificante ver que o Araguaia se recuperou e renasceu em menos de três décadas.
 
FMA: Como foi trabalhar em regiões distantes e de difícil acesso?
Paula: As pessoas não têm ideia como era viajar para regiões isoladas, sem as condições que existem, hoje, no Brasil. 
Quando começamos os primeiros documentários, em 1977, 1978 e 1979, depois de muitas horas voo para Belém e Manaus, ainda tínhamos que viajar de barco, canoas ou em pequenos aviões. As pistas eram improvisadas, não havia torres de controle nos pequenos aeroportos. Uma vez, em Macapá, quando estávamos decolando para o Oiapoque, nosso monomotor quase foi derrubado por um Boing da Varig que estava chegando. Nosso avião sacudiu violentamente, com a turbulência da imensa aeronave que atravessou bem na nossa frente. 
Em 1990, na reserva Chico Mendes, no Acre, pegamos um CB que jogava nosso pequeno avião contra a copa das árvores. Quando o piloto conseguiu escapar por uma ‘janela’ nas nuvens, não pode pousar na pista indicada porque, com a tempestade, ela tinha virado um imenso lago com troncos de árvore boiando. Gastamos muito combustível procurando um lugar para pouso no meio da floresta e fomos obrigados a fazer um pouso de emergência, numa estradinha de barro, torcendo para não vir nenhum caminhão.
 
FMA: Desde suas primeiras reportagens e documentários, você fala de ‘ecologia’ ligada às populações? 
Paula: Sim, é fundamental estabelecer a relação entre o ambiente, os recursos naturais e as populações. Então não se pode isolar meio ambiente de economia e cultura. Temos mostrado nessas quase quatro décadas que, no Brasil, as populações tradicionais sempre preservaram o meio ambiente, enquanto as grandes corporações, em busca de recordes de produção, esgotam os recursos naturais como florestas, solo e água. Daí a destruição da biodiversidade de várias regiões. Nessas áreas degradadas, fica impossível para pequenos agricultores produzirem alimentos, com prejuízo para várias comunidades.
 
FMA: Você há 25 anos alertou para a crise de abastecimento de água em São Paulo. Era uma crise anunciada?
Paula: Claro! Sempre ouvimos e documentamos os alertas dos cientistas sobre questões de grande importância para o país, como a ‘água’. Em nosso programa Terra Azul, em 1989 fiz uma apresentação dizendo exatamente o seguinte: “A partir de 2010, o paulistano deverá consumir água de esgoto tratada.” 
Pode conferir na minha página facebook.com/jornalistapaulasaldanha.
Desde a década de 1970, acompanhamos o trabalho de cientistas do INPA, mostrando o deslocamento da umidade da Amazônia, em forma de chuvas, para o centro sul do Brasil e de todo o continente Sul-Americano – são os ‘rios voadores’.
Recentemente, temos denunciado a ameaça das grandes lavouras de grãos, aos aquíferos e aos lençóis d’água da região do Brasil central, região do Cerrado. Ali é  berço das nascentes das três principais bacias hidrográficas brasileiras. Não se pode continuar destruindo o que o Brasil tem de mais precioso: a água.
 
FMA: O IPCC, em seus relatórios sobre mudanças climáticas, tem mostrado a responsabilidade do homem nas emissões de CO2 para atmosfera. Este é o momento dos países tomarem decisões?
Paula: O momento de reverter as mudanças climáticas já passou. O biólogo Roberto Werneck, meu companheiro, afirma que, agora, já ‘estamos descendo ladeira e que os governos precisam apagar o fogo’. Capitalismo selvagem não combina com preservação do Planeta. Novas formas de produção e de combustíveis precisam ser adotadas, para conseguirmos alguma eficiência na redução das emissões de gás carbônico para a atmosfera.
 
FMA: Nessas quatro décadas de TV, focadas no jornalismo ambiental, você e o Roberto fizeram um trabalho muito marcante, com várias conquistas. Daria para citar três que você considera mais importantes?
Paula: Olhando pelo retrovisor, de fato foram muitas conquistas e realizações. Para ficar nas três que você pede, acho que posso destacar: 
A organização e financiamento da Expedição Científica de 2007, aos Andes peruanos, que oficializou a nascente do rio Amazonas 1.000 km mais ao sul do que se considerava anteriormente. Isso mudou os mapas hidrográficos da América do Sul. 
O apoio que demos a comunidades ribeirinhas e de pescadores do litoral brasileiro, com a conquista de títulos de posse, contra a grilagem de suas terras, permitindo que essas populações pudessem cuidar de sua morada e das novas gerações. A valorização dos territórios e da cultura indígena, principalmente no Xingu, Ilha do Bananal e Território Yanomami.
 
FMA – Como será o formato de seu novo programa em 2015?
Paula – Será um programa na linha será jornalística, com editoriais sobre questões brasileiras, reportagens em campo, entrevistas e debates. O novo programa apresentará o Brasil por Paula Saldanha e seus convidados ilustres.

 

Na tevê de Paula Saldanha, um especial sobre o rio Japurá, no Amazonas

 

Nos Andes, com técnicos peruanos a oficialização da nascente do rio Amazonas

 

Gravando o boto nas belas águas do rio Tapajós, em Alter do Chão, no Pará