DIÁLOGO EM BUSCA DE SAÍDAS

24 de fevereiro de 2015

A maior crise não é política e nem econômica. É a crise ambiental.

“A nossa crise maior é a ambiental. Não é política e nem econômica. Qual será a nossa saída? Leis até que temos demais, mas os cumprimentos são de menos”.
 
 
 
AFLIÇÃO DO TONHÃO
 
Perito em rios, árvores, bichos e sobretudo em pessoas, e atento às complicadas relações entre o Homem e a Natureza, Tonhão abraçou a causa da proteção do rio Preto e de sua região. E liderou o processo de criação do Parque Estadual do Rio Preto, uma pequena pérola encravada no centro de Minas Gerais. Hoje ele é, sem dúvida, o parque mais bem cuidado de Minas Gerais.  Mas Tonhão está aflito – ele sabe que o parque não é uma ilha, muito pelo contrário. “Por toda a região nascentes secaram. Outras reduziram enormemente as suas vazões”, diz ele.
 “Parece que a coisa, desta vez, é em nível global. Recebemos visitantes de toda parte, e sempre que pergunto é a mesma resposta. E aqui na região, pelo que venho observando, a situação se agrava a cada ano. Fico relembrando a fartura de água, a quantidade de moinhos de fubá que conheci. Eles não funcionam mais por falta de água”, relata Tonhão.
E também o próprio Parque Estadual do Rio Preto é afetado. “Sofremos na pele, aqui em Rio Preto, uma das maiores faltas d’água que, nos meus 54 anos de vida, pude presenciar. Mesmo dentro do Parque, uma área preservada, ficamos preocupados com o baixo nível d’água a que chegaram os nossos mananciais, em 2014”, lamenta.
 
A crise maior é ambiental
 
 
Na “virada” do Rio Preto encontramos uma resposta para a agonia brasileira. Apenas saqueando seremos sempre um país inacabado, o desperdício de uma possibilidade. O tal futuro que nunca chega”.
 
GESTÃO AMBIENTAL
 Desolado, penso que em alguns cenários nem mesmo uma gestão ambiental impecável poderá garantir as nossas fontes de água.
Tonhão está preocupado e sem saber aonde vamos chegar. Ele analisa: “Nos últimos meses as manchetes dos jornais só falam de problemas relacionados com a água. Preservação, mau uso, descaso… Agora estão falando mais, pois começa a faltar água nas torneiras dos grandes centros. Mas parece que a ficha do ser humano ainda não caiu”.
 E ao fim lança a pergunta: “Não vemos no país, em nenhum nível de Governo, ações efetivas sendo realizadas. Programas de proteção e preservação de nascentes não vão para frente. O bolsa-verde, por exemplo, seria uma saída. E a obrigatoriedade da educação ambiental nas escolas? Leis até que temos demais mas os cumprimentos são de menos.”
 E me fulmina: “A nossa crise maior é a ambiental. Nâo é política e nem econômica. Qual será a nossa saída?”
 
EXTRATIVISAS & INCLUSIVAS
Eu olho para aquela figura meio improvável, meio contraditória. Um homenzarrão: corpulento, mais de 1,90m, porém doce quase que como uma criança. E o ar bonachão? Esconde energias inesgotáveis. Alguém que lidera pelo esforço, talento e estudo. Difícil imaginá-lo erguendo a voz.
 Eu olho e fico rindo por dentro, porque acabo de descobrir que ele tem a resposta para a própria pergunta, mas não sabe disso. O que está ao nosso alcance – cuidar bem do meio ambiente, melhorar a gestão das águas – é exatamente o que ele soube fazer na sua região.  
Uma teoria político-econômica ainda pouco conhecida pelo público brasileiro vê o desenvolvimento das nações como a transformação de sociedades “extrativistas” em sociedades “inclusivas”. 
A publicação “Porque as nações fracassam” (Acemoglu & Robinson) explica bem a tese.  Sociedades extrativistas extraem, sugam e destroem – tanto as pessoas quanto os recursos. Sociedades inclusivas desenvolvem o potencial humano e usam seus recursos da forma mais inteligente possível. E assim se tornam o que chamamos de “desenvolvidas”. 
Muitas nações já tentaram, mas poucas conseguiram. Outras quase chegaram lá, mas mudaram de rumos e fizeram a marcha da insensatez, uma sequência meio amalucada de decisões erradas.
 
 EXEMPLO DO PARQUE DO RIO PRETO
A criação do Parque Estadual do Rio Preto é, no fundo, o fim da linha de um esquema extrativista – centrado no saque de recursos, como cristais de quartzo e madeira, por uma população muito pobre e carente de tudo. Em seu lugar surge um arranjo que, se ainda não é totalmente inclusivo, pelo menos aponta para isso, e pode vir a ser.  
A área do parque é hoje vista como uma riqueza comum a ser mantida e utilizada com inteligência. O aproveitamento turístico e científico, o uso do patrimônio genético, e o recebimento de royalties pelas áreas e pelas águas preservadas são algumas das fontes de desenvolvimento regional. A isso se junta a criação de arranjos produtivos variados, tudo tendo como âncora o parque.  Então eu afirmo para ele: “Na “virada” do Rio Preto encontramos uma resposta para a agonia brasileira. Apenas saqueando seremos sempre um país inacabado, o desperdício de uma possibilidade. O tal futuro que nunca chega”.
 Mas ele também torce: “Hoje, por incrível que pareça, choveu a noite toda. Tomara que continue”.
Feliz 2015!