Expedição Langsdorff - Parte 15

O RESGATE DA ICONOGRAFIA DA EXPEDIÇÃO LANGSDORFF

24 de fevereiro de 2015

Comitê de cientistas liderados pelo professor Luiz Emigdio de Mello Filho analisa e estuda cada um dos 368 desenhos e aquarelas da Expedição.

 
A atenção oportuna do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, mineiro de Belo Horizonte e referência da diplomacia brasileira, permitirá ao leitor da Folha do Meio Ambiente olhar a iconografia da Expedição Langsdorff com o deleite daqueles que encontram um álbum de fotografias antigas e desconhecidas.
Surpreendente é o adjetivo que melhor acompanha a leitura das informações coletadas por aquele grupo heróico, retidas por tanto tempo nas salas austeras da Academia Russa de Ciências e reveladas em doses homeopáticas a partir de 1930.
 
O embaixador Paulo Tarso se entusiasmou com a publicação da série e enviou para a redação da Folha do Meio Ambiente um livro maravilhoso e fundamental, já fora de catálogo: ‘A Expedição Langsdorff ao Brasil (1821-1829)’, por Salvador Monteiro e Leonel Kaz – Edições Alumbramento, 1988.
 
Em 1981, o artista plástico e ex-diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Aloísio Sérgio Barbosa de Magalhães (1927-1982), se empenhou em editar um catálogo completo do acervo da expedição existente nos arquivos da Rússia pela Fundação Pró-Memória. O lançamento despertou o interesse de estudiosos brasileiros e os esforços do Itamarati e do Ministério da Cultura em formar uma comitiva para avaliar o acervo e firmar acordos para exposição no Brasil. 
 
O entusiasmo de Salvador Monteiro e Leonel Kaz, sócios da Alumbramento, os levou à Rússia em busca do resgate da iconografia completa da expedição. O embaixador Ronaldo Sardenberg assinou o contrato de edição do material com a Academia Russa de Ciências.A Revista VEJA de 13 de julho de 1988 publicou reportagem assinada por Wagner Barreira sobre a Expedição e os esforços de Monteiro e Kaz para resgatar o acervo de imagens. 
 
O texto de Wagner Barreira está reproduzido no livro e a reportagem original, sob o título ‘Viagem Fantástica’, pode ser lida no endereço http://search.ihf19.org.br:8080/xmlui/handle/1357/112#page/1/mode/1up. 
 
Eis um trecho:
 
A CAÇA AO TESOURO
 
“Passados 160 anos da Expedição Langsdorff, dois brasileiros protagonizaram uma segunda aventura na contramão. Por intermédio de Dom Clemente Maria da Silva Nigra, que visitou o acervo Langsdorff em Leningrado na década de 60, e de reportagens esparsas da imprensa brasileira, Salvador Monteiro e Leonel Kaz tomaram conhecimento há dez anos do tesouro tropical imerso na União Soviética e desde então concentraram esforços para a publicação do material iconográfico da expedição. Depois de seguidas gestões junto aos embaixadores soviéticos no Brasil e pedidos aos representantes brasileiros em Moscou, a dupla conseguiu autorização para fotografar a iconografia completa da Expedição Langsdorff e viajou à União Soviética, acompanhada do fotógrafo Claus Meyer. “Fizemos tudo como a lei russa manda”, diz Kaz, que, com Monteiro, encontrou-se com uma série de estudiosos russos da Expedição Langsdorff, entre os quais Abram Tritzo, da Academia de Ciências da União Soviética, e o professor Boris Komissarov, autor de duas dezenas de livros sobre a expedição e responsável pelo texto de introdução dos três volumes da Alumbramento.
Entre maio do ano passado (1987) – quando retornaram da União Soviética – e a impressão dos primeiros exemplares, há um mês, os dois editores vasculharam o mundo científico em busca de especialistas capazes de comentar cada desenho e cada aquarela. Coordenados pelo professor Luiz Emigdio de Mello Filho, ex-diretor do Museu Nacional, a equipe de pesquisadores escreveu textos sintéticos e rigorosos, comentando as características de cada elemento retratado. “Quanto mais conhecíamos sobre a Expedição Langsdorff, maiores as surpresas que estavam reservadas”, diz Salvador Monteiro, que aponta o resgate da iconografia da Expedição como um dos grandes acontecimentos culturais do Brasil.

 

Comitê analisa cada desenho

Luiz Emigdio de Mello Filho reúne grupo de cientistas para analisar desenho de animais, aves, cultura indígena, répteis e anfíbios

O professor, médico, biólogo e paisagista carioca Luiz Emigdio de Mello Filho (1913-2002) reuniu uma equipe de botânicos, zoólogos e etnógrafos para classificar e comentar cada aquarela e desenho. Ele próprio analisou as 77 paisagens do acervo.  As 52 espécies vegetais foram identificadas pelas professoras Elza Fromm Trinta e Emília Balbina Alves dos Santos, do Museu Nacional. 
Os invertebrados foram analisados pela professora Anna Thimóteo da Costa. As coleções de répteis e anfíbios, apreciadas pelo professor Ulysses Caramaschi, que diz: “Para melhor avaliar a importância científica do material obtido pela expedição, deve-se considerar que no seu início, apenas 14 das 31 espécies eram conhecidas, nove foram descobertas por outros autores enquanto transcorria a viagem; e oito continuaram desconhecidas mesmo ao término desta, sendo descritas muito tempo depois. Uma delas, a serpente ‘Bothrops moojeni’, só viria a ser realmente conhecida 140 anos após ter sido maravilhosamente figurada por Hércules Florence”.
 
A avaliação das figuras de peixes ficou a cargo da professora Érica Pellegrini Caramaschi. O ornitólogo Dante Martins Teixeira estudou as 59 aquarelas de aves. Os mamíferos foram analisados pelo professor Christopher Tribe. Os aspectos etnográficos foram avaliados pela professora Bertha Ribeiro. As imagens de vice-reis pelo professor Ronaldo Menegaz e as dos negros e colonizadores pelo professor Raul Lody. 
A pesquisadora da cultura indígena e professora Bertha Gleizer (Romênia, 1924 – Brasília, 1997) assumiu o sobrenome Ribeiro ao formalizar sua união civil e filosófica em 1948 com o antropólogo, escritor e político mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997). Assim a professora Bertha Ribeiro sintetizou a importância das ilustrações científicas da expedição: “Precursores da fotografia, os artistas que acompanharam as expedições científicas do século XIX documentaram artesanalmente, através da pena e do pincel, a natureza e a cultura. Essa iconografia tem tanto mais valor quando se considera que constitui o único documento que restou de tribos indígenas extintas ou descaracterizadas pelo impacto avassalador da civilização. 
 
Descartando recordações triviais ou fantasiosas, Rugendas, Taunay e Florence registraram, única e exclusivamente a essência das situações vividas. Para isso contribuiu a orientação científica a seu trabalho, pelos naturalistas, que exigia o registro da espécie estudada com isenção e fidedignidade. Os artistas, no entanto, trataram sua temática com força e poesia. Divagando sobre a imagem, comunicaram ao espectador um prazer estético aliado a uma informação histórica e científica”.
As 368 aquarelas e desenhos da expedição receberam nomenclaturas atualizadas e o especialista se baseou nas informações extraídas do CATÁLOGO COMPLETO DO MATERIAL EXISTENTE NOS ARQUIVOS DA UNIÃO SOVIÉTICA – A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA DE G. I. LANGSDORFF AO BRASIL, publicado em 1981 pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 
 
 
 
As ilustrações feitas no entorno da
fazenda da Mandioca e em MG
 

‘Vista da ponte nova do Paraibuna, na fronteira da Província do Rio de Janeiro com a de Minas Gerais’. 
17 de maio de 1824. Rugendas. 
“Logo chegamos à estrada que foi construída depois da nova ponte sobre o rio Paraibuna. Tudo ainda é muito selvagem. Numa distância de 20 a 30 passos à direita e à esquerda, vê-se a mata derrubada e queimada; aqui e acolá já se vê capoeira crescida; e, isolados, ranchos recém-construídos. (…) A ponte tem 400 palmos de comprimento e 30 ou 40 palmos de largura e apresenta uma estrutura bastante peculiar. Embaixo, ela tem cinco pilares de pedras, com suportes de ferro pontiagudos voltados para cima. As distâncias entre as colunas são desiguais, uma vez que estão assentadas sobre as rochas existentes no rio. Apoiadas sobre esses pilares estendem-se vigas de uma espessura incomum, e, sobre elas, de uma coluna a outra, correm longas vigas transversais. A ponte está assentada sobre esse vigamento, com sua bela balaustrada e cobertura. Alguns técnicos criticaram-na por ter sido feita tão baixa, o que a expõe ao perigo de desabamento em função das enchentes do rio. De qualquer forma, a ponte é bonita; dificilmente existe obra parecida no Brasil. Conta-se até que o Imperador teria dito que não existe, em toda a Europa, uma obra como essa. Sua construção durou dois anos e meio, e diz-se que ela teria custado 250.000 cruzados. O rio corre comprimido entre as rochas e, impetuoso, forma cachoeiras, por assim dizer, embaixo da ponte”.
  
Diário de Langsdorff, em 18 de maio de 1824.

 

O gambá (marsupial), primeiro sul-americano a pisar solo europeu. Por Rugendas (não comprovada).

‘Este animal é o gambá da floresta atlântica do leste e sul do Brasil, comum até nos subúrbios das cidades grandes’. (Prof. Cristopher Tribe) “Espécie típica do gênero por ser a primeira conhecida, pois, segundo registram os anais da História da América, teve a honra de ser o animal número um do Mundo Novo conhecido na Europa, para lá levado por Vicente Yañez Pinzón, em 1500. O bicho devia ter causado sensação pela estranheza de trazer os seus filhotes metidos na bolsa do ventre, novidade de organização estrutural antes nunca vista por olhos de europeu, pois os marsupiais da Europa já se haviam extinguido no período terciário, há milhões de anos. (…) ‘Gambá’ é designação do sul. Na Bahia é chamado saruê e também sarigüéia; no nordeste, cassaco e timbu; na Amazônia, mucura ou micura”. 
(Eurico Santos. Entre o Gambá e o Macaco. Ed. Itatiaia)
 
 
 
‘Planta da cidade de Nova Friburgo, situada a 22° 18’ 22’’ de latitude S e 42° 32’ 18’’ de longitude W de Greenwich’. 
 
Provavelmente a primeira planta de cidade das Américas tomada com instrumentos astronômicos. Por Nester Rubtsov, por volta de 1824. 
 
 
 
‘Rio Paraíba e Registro’. RUGENDAS 14 de maio de 1824. 
‘(…) A análise dessa paisagem destaca o curso calmo e largo do rio, já nessa época com suas margens desprovidas da vegetação ciliar’. (Prof. Emigdio)
 
 
 
 
‘Em Tamarati, Província do Rio de Janeiro’. 
Entre 1822 e 1824. Rugendas. ‘Os negros ao chão; os brancos, sentados. A cena é um retrato significativo das relações de poder no período colonial, com os brancos em posição superior, definindo hierarquia. (…) Todos se aquecem em torno de uma fogueira’. (Prof. Raul Lody)
 
 
Praia de Botafogo. Entre 1822 e 1824. Por Rugendas.
 
 

 

‘Província do Rio de Janeiro’. Entre 1822 e 1824- Rugendas.

‘Num ambiente que parece ser o de um armazém ou mercado, dois grupos principais: um de escravos, ao centro, o outro de feitores, à esquerda. Os escravos estão ao redor de uma trempe que sustenta caldeirão com o alimento… ’ (Prof. Raul Lody)

 

‘Serra da Estrela. Província do Rio de Janeiro’ 

Entre 1822 e 1824. Rugendas. 
Paisagem da Serra da Estrela, no caminho velho de Petrópolis.  Segundo o professor Emigdio, a comparação com o quadro atual da vegetação regional indica um apreciável grau de regeneração espontânea.

 

Vista do Vale denominado Laranjeiras e Montanha do Corcovado, no Rio de Janeiro’. Entre 1822 e 1824. Rugendas.

‘O Vale de Laranjeiras guarda uma relação direta com a vida e a obra de Langsdorff, pois residiu no local e aí, como em sua Fazenda Mandioca, na base da Serra da Estrela, hospedava e atendia aos botânicos itinerantes que por ali passavam. (…) A aquarela mostra uma propriedade limitada por muralha e pórtico delimitando um espaço interior onde escravos negros executam seus trabalhos. Tachos sobre fogueiras, e também algumas louças utilitárias de barro integram-se à cena. Fica como indagação a questão de saber se aí está representada a casa de Langsdorff. O perfil dos morros que circundam o vale de Laranjeiras é bem reconhecível’. (Prof. Emigdio)

 

‘Vista do Pão de Açúcar, tomada de Botafogo a oeste’. 

4 de junho de 1824. Rugendas. ‘Os morros da Urca e do Pão de Açúcar formam um conjunto significativo na paisagem carioca. (…) Mesmo as anfractuosidades características do pão de Açúcar aparecem bem nítidas na face voltada para a enseada de Botafogo. O Morro da Urca, tal como hoje o vemos, mostra uma coroa de vegetação acima de suas escarpas arredondadas e desnudas, salvo nas cavidades e linhas de drenagem superficiais, onde uma deposição de terra mais fértil permite o crescimento de uma vegetação de maior porte. Em primeiro plano, na praia de Botafogo, os meios de transporte da época: as cavalgaduras, o carro de boi e o barco a vela’. (Prof. Emigdio)
 
 
 
OS REVELADORES DE LANGSDORFF
 
LEONEL KAZ ENTREVISTA
 
“Entre os mais de 40 livros que fizemos, o que mais se revelou significativo para a História e a Arte do Brasil foi o da Expedição Langsdorff”.
 
“O que importa é que o resgate documental desta iconografia,
seu apurado e profundo estudo por um corpo de cientistas
e sua publicação em três volumes, isto tudo propiciou
à Arte e às Ciências, aqui e no exterior, novas percepções
sobre nossa terra, nossa gente, nossa formação etnográfica.”
 
Leonel Kaz tem o DNA da Cultura. Eu o conheci quando, em 1986, no governo José Aparecido de Oliveira, ele veio a Brasília para fazer o primeiro livro de arte da Capital. “BRASILIA” é um livro com estilo: quatro em um. Sim, quatro livros que se abrem em forma de cruz, relembrando justamente o Plano Piloto de Lucio Costa. Na época ele e Salvador Monteiro tinham uma empresa Alumbramento, hoje Aprazível. Leonel Kaz foi Secretário de Cultura e Esportes do Estado do Rio, curador do Museu do Futebol/SP e dos projetos do Museu de Arte do Rio/MAR e Museu do Amanhã. É co-autor e editou cerca de 40 obras, todas dedicadas à cultura brasileira. A Alumbramento nasceu pelas mãos de Salvador Monteiro, ao qual Leonel se reuniu na década de 1970. Dezenas de livros foram publicados, alguns inteiramente artesanais, feitos à mão, como “Amor, Amores”, em tiragem de 300 exemplares, de Carlos Drummond de Andrade. Outros livros sobre ecossistemas brasileiros – como “Amazônia Flora Fauna” (que recebeu até carta de elogio de Bill Clinton!), assim como uma série de fotobiografias como as do próprio Drummond, Bandeira, Mário de Andrade, Villa-Lobos. Mas, sem dúvida, o livro que mais se revelou significativo para a história e a arte do Brasil foi o da Expedição Langsdorff.
 
 
 
“Uma coisa é saber da História pelo relato dos historiadores; outra é vê-la com os olhos que a viram.”
 
 
 
“A obra rendeu três volumes ricamente ilustradas e com seus amplos verbetes de estudo sobre cada imagem. Revelaram-se espécies desconhecidas! Revelaram-se flagrantes do Rio de Janeiro e Vila Rica! Revelaram-se tribos, como os Bororo, do qual havia pouca alusão iconográfica!”
 

 
A ENTREVISTA
 
Folha do Meio – Leonel, por que e como nasceu esta sua relação com a história do barão Langsdorff?
Leonel Kaz – Olha, deixa eu lembrar uma frase escrita por Clarival do Prado Valladares no livro sobre Eckhout: Pintor de Maurício de Nassau, livro que Salvador Monteiro e eu publicamos em Edições Alumbramento. “Uma coisa é saber da História pelo relato dos historiadores; outra é vê-la com os olhos que a viram”. Sim, ver o Brasil tal qual era visto por imagens de época – no caso, o século 17 da ocupação holandesa – reestudadas por um corpo científico, trazia um novo ar, uma percepção sensível e imediata, ao que nossos olhos de hoje podiam vislumbrar daquele período histórico. O mesmo se deu em relação ao acervo da Expedição Langsdorff.
 
FMA – Mas como começou o projeto do resgate e publicação do livro Langsdorff?
Leonel Kaz – Vamos ao início. Salvador Monteiro, baiano, conhecera Dom Clemente da Silva Nigra, diretor do Museu de Arte Sacra da Bahia. Na década de 50, Dom Clemente estivera com Assis Chateaubriand visitando uma coleção descoberta duas décadas antes na Rússia com quase 400 imagens originais sobre o Brasil. A então União Soviética recebeu os dois na Academia de Ciências, em São Petersburgo, onde nos porões dos arquivos de seu Jardim Botânico, tinham sido encontradas raridades sobre o Brasil: o material enviado pelo barão Langsdorff como resultado de sua expedição. Publicou-se uma matéria, à época, em O Cruzeiro. Mas a coisa ficou por isso mesmo. 
 
FMA – Sim, e a confecção do livro Expedição Langsdorff?
Leonel Kaz – Bem, já estávamos na década de 80, graças ao Itamaraty, repito, apenas graças ao Itamaraty e mais especialmente, graças aos embaixadores Paulo Tarso Flecha de Lima e Carlos Garcia, em Brasília, e Ronaldo Sardenberg, em Moscou, foi possível trazer a lume esta revelação sobre o Brasil dos primórdios do século 19, que os leitores da Folha do Meio estão lendo nesta série de 15 capítulos.  
Aí, em 1987, o Salvador Monteiro e eu fomos à União Soviética, acompanhados do fotógrafo Claus Meyer. Lá passamos três semanas vendo, revendo, estudando e fotografando as 83 aquarelas e desenhos de Rugendas, as 163 obras de Taunay e as 146 de Hercule Florence, que veio a se tornar um pioneiro da fotografia.
 
FMA – Qual foi o primeiro impacto?
Leonel Kaz – Total alumbramento, para fazer jus à nossa editora. Lá deparamos com a riqueza deste material inédito que, como publicado nesta Folha do Meio Ambiente, mostrava o resultado da expedição do barão alemão-russo Langsdorff, que conseguiu recursos do czar Alexandre I para realizar de 1821 a 1829 uma expedição de caráter científico ao Brasil. Na garupa, entre geógrafos, astrônomos, o barão trouxe três importantes artistas: o alemão Johan Moritz Rugendas e os franceses Taunay e Florence.
 
FMA – Vocês sabiam o valor do material?
Leonel Kaz – Sim, pelo relato do Salvador. Sabíamos que o material era revelador de nossa fauna, flora, etnografia, antropologia, mas não imaginávamos a que ponto! Voltando ao Brasil, reunimos um notável grupo de importantes cientistas deste país, sob o comando do botânico Luiz Emygdio de Mello Filho, diretor-emérito do Museu Nacional, para realizar a grande obra de, século e meio depois de seu envio à Rússia, catalogar e preparar os textos de análise para cada imagem. 
 
FMA – Quem participou desta tarefa?
Leonel Kaz – Participaram desta tarefa a notável antropóloga Bertha Ribeiro e ainda Ulisses Caramaschi, estudioso dos répteis e anfíbios; Erica Pelegrini Caramaschi, estudiosa dos peixes; Christopher Tribe, dos mamíferos; Anna Thimóteo, dos aracnídeos, Dante Teixeira, dos pássaros, entre outros. O texto histórico foi escrito pelo russo Boris Komissarov.
 
Leonel Kaz apresenta uma exposição recente à presidente Dilma Rousseff, no Rio. 
 
 
 
FMA – Você como editor e produtor cultural se entusiasmou…
Leonel Kaz – Mais do que entusiasmo. Ficamos extasiados. A obra rendeu três volumes, cada qual com cerca de 150 páginas ricamente ilustradas e com seus amplos verbetes de estudo sobre cada imagem. Revelaram-se espécies desconhecidas! Revelaram-se flagrantes do Rio de Janeiro e Vila Rica! Revelaram-se tribos, como os Bororo, sobre a qual havia pouca alusão iconográfica! Revelou-se um material de tal sorte rico, variado, inédito que a revista VEJA dedicou sua chamada de capa e mais 12 páginas a este material tão revelador da história do país.
 
FMA – Um mutirão para apoiar a “nova viagem” de Langsdorff…
Leonel Kaz – Você pode imaginar. Após o esforço do Itamaraty, foi o então governador do Distrito Federal – “o meu tipo inesquecível” José  Aparecido de Oliveira – que se encarregou de tornar viável a edição da obra, com o apoio do próprio Itamaraty, da Vale e da Eletrobrás. O lançamento do livro se deu no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com uma exposição de parte dos desenhos originais, que vieram da Rússia.
 
 

Capa do livro Expedição Langsdorff: verdadeira caça ao tesouro.
 
 
Embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima: entusiasmo e apoio oficial
 
 
 
Ronaldo Sardenberg assinou o contrato  com a Academia Russa de Ciências
 
 
 
FMA – A Folha do Meio considera esta a maior importante expedição do planeta. É assim mesmo?
Leonel Kaz – Silvestre, é mais ou menos isso mesmo. Vou repetir aqui o que está na apresentação da obra:  “A Expedição Langsdorff representa um dos mais importantes acontecimentos culturais e científicos do Brasil, iniciada antes mesmo de nossa Independência, no momento em que nosso País abria suas fronteiras aos interesses do mundo. Num País que vivia há três séculos fechado à curiosidade científica, experimentava-se um clima de abertura econômico-cultural. Era tempo e momento propícios para Langsdorff, um apaixonado pelo Brasil, desenvolver o espírito e a predestinação à grande aventura”.
 
 
FMA – Um resgate documental fantástico.
Leonel Kaz – A publicação saiu em maio 1987, 183 anos após Langsdorff ter chegado pela primeira vez à terra brasileira. Hoje são 211 anos. Foi um resgate documental da totalidade do material existente, em Moscou . Por isso que eu digo, o Itamaraty pelo embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima, pelo Carlos Garcia e Ronaldo Sardenberg e também pelo governador José Aparecido foram peças fundamentais. O Ronaldo Sardenberg, como embaixador em Moscou, assinou um contrato para a edição do livro com a Academia de Ciências. E Salvador e eu nos juntamos a este mutirão para tornar possível que o sonho de Langsdorff fosse revelado aos brasileiros.
 
FMA – Vocês foram pioneiros. Revelaram este acervo fantástico. Mas este tesouro cultural não continuou meio longe do Brasil?
Leonel Kaz – O fato de termos sido pioneiros e de termos revelado este tesouro cultural não nos torna melhores ou piores brasileiros. Esta foi nossa possibilidade e era nossa obrigação. O que se seguiu depois, com o proposital esquecimento desta aventura e do Itamaraty por outros tipos de “aventureiros”, faz parte da falha natureza humana. O que importa é que o resgate documental desta iconografia, seu apurado e profundo estudo por um corpo de cientistas e sua publicação em três volumes, com a ampla repercussão que obteve, propiciou à Arte e às Ciências, aqui e no exterior, novas percepções sobre nossa terra, nossa gente, nossa formação etnográfica. E ainda um painel raro de como a natureza e a cultura do Brasil eram vistos pelos olhos do mundo. 
 

 
 
Expedição Langsdorff – Parte 16
Na próxima edição – 260 – Março de 2015 –  Continuação do resgate da iconografia do acervo de Langsdorff, Rugendas, Taunay e Florence. 
Depoimentos dos embaixadores Paulo de Tarso Flecha de Lima e Ronaldo Sardenberg