LEONEL KAZ - ENTREVISTA

OS REVELADORES DE LANGSDORFF

24 de fevereiro de 2015

leonel kaz: “Entre os mais de 40 livros que fizemos, o que mais se revelou significativo para a História e a Arte do Brasil foi o da Expedição Langsdorff”.

“O que importa é que o resgate documental desta iconografia, seu apurado e profundo estudo por um corpo de cientistas e sua publicação em três volumes, isto tudo propiciou à Arte e às Ciências, aqui e no exterior, novas percepções sobre nossa terra, nossa gente, nossa formação etnográfica.”
 
“Uma coisa é saber da História pelo relato dos historiadores; outra é vê-la com os olhos que a viram.”
 
 
LEONEL KAZ – Entrevista
 
 
“A obra rendeu três volumes ricamente ilustradas e com seus amplos verbetes de estudo sobre cada imagem. Revelaram-se espécies desconhecidas! Revelaram-se flagrantes do Rio de Janeiro e Vila Rica! Revelaram-se tribos, como os Bororo, do qual havia pouca alusão iconográfica!”
 
 
 
Folha do Meio – Leonel, por que e como nasceu esta sua relação com a história do barão Langsdorff?
Leonel Kaz – Olha, deixa eu lembrar uma frase escrita por Clarival do Prado Valladares no livro sobre Eckhout: Pintor de Maurício de Nassau, livro que Salvador Monteiro e eu publicamos em Edições Alumbramento. “Uma coisa é saber da História pelo relato dos historiadores; outra é vê-la com os olhos que a viram”. Sim, ver o Brasil tal qual era visto por imagens de época – no caso, o século 17 da ocupação holandesa – reestudadas por um corpo científico, trazia um novo ar, uma percepção sensível e imediata, ao que nossos olhos de hoje podiam vislumbrar daquele período histórico. O mesmo se deu em relação ao acervo da Expedição Langsdorff.
 
FMA – Mas como começou o projeto do resgate e publicação do livro Langsdorff?
Leonel Kaz – Vamos ao início. Salvador Monteiro, baiano, conhecera Dom Clemente da Silva Nigra, diretor do Museu de Arte Sacra da Bahia. Na década de 50, Dom Clemente estivera com Assis Chateaubriand visitando uma coleção descoberta duas décadas antes na Rússia com quase 400 imagens originais sobre o Brasil. A então União Soviética recebeu os dois na Academia de Ciências, em São Petersburgo, onde nos porões dos arquivos de seu Jardim Botânico, tinham sido encontradas raridades sobre o Brasil: o material enviado pelo barão Langsdorff como resultado de sua expedição. Publicou-se uma matéria, à época, em O Cruzeiro. Mas a coisa ficou por isso mesmo. 
 
FMA – Sim, e a confecção do livro Expedição Langsdorff?
Leonel Kaz – Bem, já estávamos na década de 80, graças ao Itamaraty, repito, apenas graças ao Itamaraty e mais especialmente, graças aos embaixadores Paulo Tarso Flecha de Lima e Carlos Garcia, em Brasília, e Ronaldo Sardenberg, em Moscou, foi possível trazer a lume esta revelação sobre o Brasil dos primórdios do século 19, que os leitores da Folha do Meio estão lendo nesta série de 15 capítulos.  
Aí, em 1987, o Salvador Monteiro e eu fomos à União Soviética, acompanhados do fotógrafo Claus Meyer. Lá passamos três semanas vendo, revendo, estudando e fotografando as 83 aquarelas e desenhos de Rugendas, as 163 obras de Taunay e as 146 de Hercule Florence, que veio a se tornar um pioneiro da fotografia.
 
FMA – Qual foi o primeiro impacto?
Leonel Kaz – Total alumbramento, para fazer jus à nossa editora. Lá deparamos com a riqueza deste material inédito que, como publicado nesta Folha do Meio Ambiente, mostrava o resultado da expedição do barão alemão-russo Langsdorff, que conseguiu recursos do czar Alexandre I para realizar de 1821 a 1829 uma expedição de caráter científico ao Brasil. Na garupa, entre geógrafos, astrônomos, o barão trouxe três importantes artistas: o alemão Johan Moritz Rugendas e os franceses Taunay e Florence.
 
FMA – Vocês sabiam o valor do material?
Leonel Kaz – Sim, pelo relato do Salvador. Sabíamos que o material era revelador de nossa fauna, flora, etnografia, antropologia, mas não imaginávamos a que ponto! Voltando ao Brasil, reunimos um notável grupo de importantes cientistas deste país, sob o comando do botânico Luiz Emygdio de Mello Filho, diretor-emérito do Museu Nacional, para realizar a grande obra de, século e meio depois de seu envio à Rússia, catalogar e preparar os textos de análise para cada imagem. 
 
FMA – Quem participou desta tarefa?
Leonel Kaz – Participaram desta tarefa a notável antropóloga Bertha Ribeiro e ainda Ulisses Caramaschi, estudioso dos répteis e anfíbios; Erica Pelegrini Caramaschi, estudiosa dos peixes; Christopher Tribe, dos mamíferos; Anna Thimóteo, dos aracnídeos, Dante Teixeira, dos pássaros, entre outros. O texto histórico foi escrito pelo russo Boris Komissarov.
 
Leonel Kaz apresenta uma exposição recente à presidente Dilma Rousseff, no Rio. 
 
 
 
FMA – Você como editor e produtor cultural se entusiasmou…
Leonel Kaz – Mais do que entusiasmo. Ficamos extasiados. A obra rendeu três volumes, cada qual com cerca de 150 páginas ricamente ilustradas e com seus amplos verbetes de estudo sobre cada imagem. Revelaram-se espécies desconhecidas! Revelaram-se flagrantes do Rio de Janeiro e Vila Rica! Revelaram-se tribos, como os Bororo, sobre a qual havia pouca alusão iconográfica! Revelou-se um material de tal sorte rico, variado, inédito que a revista VEJA dedicou sua chamada de capa e mais 12 páginas a este material tão revelador da história do país.
 
FMA – Um mutirão para apoiar a “nova viagem” de Langsdorff…
Leonel Kaz – Você pode imaginar. Após o esforço do Itamaraty, foi o então governador do Distrito Federal – “o meu tipo inesquecível” José  Aparecido de Oliveira – que se encarregou de tornar viável a edição da obra, com o apoio do próprio Itamaraty, da Vale e da Eletrobrás. O lançamento do livro se deu no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com uma exposição de parte dos desenhos originais, que vieram da Rússia.
 
 
 
 
Capa do livro Expedição Langsdorff: verdadeira caça ao tesouro.
 
 
Embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima: entusiasmo e apoio oficial
 
 
 
Ronaldo Sardenberg assinou o contrato  com a Academia Russa de Ciências
 
 
 
FMA – A Folha do Meio considera esta a maior importante expedição do planeta. É assim mesmo?
Leonel Kaz – Silvestre, é mais ou menos isso mesmo. Vou repetir aqui o que está na apresentação da obra:  “A Expedição Langsdorff representa um dos mais importantes acontecimentos culturais e científicos do Brasil, iniciada antes mesmo de nossa Independência, no momento em que nosso País abria suas fronteiras aos interesses do mundo. Num País que vivia há três séculos fechado à curiosidade científica, experimentava-se um clima de abertura econômico-cultural. Era tempo e momento propícios para Langsdorff, um apaixonado pelo Brasil, desenvolver o espírito e a predestinação à grande aventura”.
 
 
FMA – Um resgate documental fantástico.
Leonel Kaz – A publicação saiu em maio 1987, 183 anos após Langsdorff ter chegado pela primeira vez à terra brasileira. Hoje são 211 anos. Foi um resgate documental da totalidade do material existente, em Moscou . Por isso que eu digo, o Itamaraty pelo embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima, pelo Carlos Garcia e Ronaldo Sardenberg e também pelo governador José Aparecido foram peças fundamentais. O Ronaldo Sardenberg, como embaixador em Moscou, assinou um contrato para a edição do livro com a Academia de Ciências. E Salvador e eu nos juntamos a este mutirão para tornar possível que o sonho de Langsdorff fosse revelado aos brasileiros.
 
FMA – Vocês foram pioneiros. Revelaram este acervo fantástico. Mas este tesouro cultural não continuou meio longe do Brasil?
Leonel Kaz – O fato de termos sido pioneiros e de termos revelado este tesouro cultural não nos torna melhores ou piores brasileiros. Esta foi nossa possibilidade e era nossa obrigação. O que se seguiu depois, com o proposital esquecimento desta aventura e do Itamaraty por outros tipos de “aventureiros”, faz parte da falha natureza humana. O que importa é que o resgate documental desta iconografia, seu apurado e profundo estudo por um corpo de cientistas e sua publicação em três volumes, com a ampla repercussão que obteve, propiciou à Arte e às Ciências, aqui e no exterior, novas percepções sobre nossa terra, nossa gente, nossa formação etnográfica. E ainda um painel raro de como a natureza e a cultura do Brasil eram vistos pelos olhos do mundo. 

 
 
Expedição Langsdorff – Parte 16
Na próxima edição – 260 – Março de 2015 –  Continuação do resgate da iconografia do acervo de Langsdorff, Rugendas, Taunay e Florence. 
Depoimentos dos embaixadores Paulo de Tarso e Ronaldo Sardenberg