Cara do Cerrado

As histórias da vida, nem sempre são verdadeiras. Mas os personagens do Cerrado, como Waldomiro, são sempre verdadeiros

25 de março de 2015

Beto Ramazzina     Era uma noite de festa de celebração do aniversário de São Jorge, na capela erguida em sua homenagem na cidade de mesmo nome, às margens do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em pleno cerrado goiano. Um homem alto, sorridente, de voz forte, estava empenhado em alcançar o maior lance possível,… Ver artigo

Beto Ramazzina
 

 
Era uma noite de festa de celebração do aniversário de São Jorge, na capela erguida em sua homenagem na cidade de mesmo nome, às margens do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em pleno cerrado goiano.
Um homem alto, sorridente, de voz forte, estava empenhado em alcançar o maior lance possível, num leilão a céu aberto, para levantar fundos para as obras de conservação da capela.
– Quem dá mais, quem dá mais? Quero um lance digno não só da fé de vocês em nosso padroeiro, mas também digno desta maravilha gastronômica que está em minhas mãos.
Era a minha primeira participação numa festa de santo, desde os meus 8 ou 9 anos, quando acompanhei minha tia Walda numa procissão na igreja em Ocauçu, interior de São Paulo. Lembro-me bem que na época fiquei impressionado com tanta gente carregando vela acesa na mão, sem se queimar.
Quando eu e minha irmã Teresa acendíamos vela em casa, lá vinha bronca, “criança que mexe com fogo faz xixi na cama”. 
Passados mais de 50 anos, ali estava eu, com uma vela acesa na mão, protegida do vento por um saquinho de papel que, apesar do meu temor, insistia em não pegar fogo.
E ouvindo esse homem enorme, com um chapéu de vaqueiro a esconder a calvície prematura, dizendo maravilhas sobre algo que tinha nas mãos para vender. Ninguém sabia direito o que era.
Pelo menos eu não sabia.
– Vocês sabem o que eu tenho aqui nas mãos, embrulhado nesse papel alumínio? Sabem?
E as pessoas gritavam não e sim ao mesmo tempo, num coral mal ensaiado.
– Vocês sabem? 
E virando-se, deu dois passos em em minha direção, ficando com a “prenda” praticamente debaixo do meu nariz.
– Você sabe, meu jovem?
E eu, sorrindo, tímido, falei que não.
– Não sabe? Então aspire profundamente…
E eu aspirei com todo o meu pulmão, mas não tive nenhuma pista.
Falei que não sabia, envergonhado.
E ele, desapontado e sorridente, pediu ajuda a todos os presentes numa sonora vaia coletiva ao meu olfato fracativo.
– Como não sabe?? Esta é a oitava maravilha do mundo! É algo que só tem aqui neste canto do país!
E continuou:
– Tem gente que vem de fora só por causa disso aqui… 
E balançava a mão, enfático, como um pregador segurando a bíblia.
Nisso, ele se abaixa e puxa conversa com uma menina, não mais de 8 anos, sentada no chão em frente a mim.
Quer ver como até ela sabe o que tem aqui, meu jovem? 
E olhava direto pra mim.
– Menina, conta para o moço o que tem aqui dentro, conta meu anjo?
E a menina, muito viva, com olhos de jaboticaba, disse, gritando.
– É UMA MATULA!
Salva de palmas para ela, todo mundo rindo, alguns atrás de mim me dando tapinha nas costas. E eu, paulistano da gema, nascido e criado no asfalto, nunca tinha ouvido falar na tal de matula.
E o homem, não satisfeito com a adivinhação da menina, voltou-se pra mim, mais uma vez:
– É uma matula, sim! Ela está certa! Mas não é uma matula qualquer. É uma matula especial. Sabe por quê, meu jovem?
Outro não, desta vez só com a cabeça.
– É uma matula super especial, porque é uma matula só com ingredientes puros, saudáveis, e o que é mais importante: feita com muito amor e carinho pelo Waldomiro.
Risos e aplausos das pessoas, que a esta altura não tiravam mais os olhos de mim.
– E então! Quanto você vai dar por essa matula do Waldomiro, meu jovem?
E eu, sem saber o que dizer, mandei 10 Reais.
Vaia geral.
– 20 Reais.
Vaia.
– 30 Reais.
– 50 REAIS!
Palmas, assovios, tapas nas costas.
– Vendida, para o cavalheiro.
Dinheiro para lá, matula pra cá e não pude deixar de perguntar.
– Desculpe, mas quem é o Waldomiro?
Risos gerais. E ele, estendendo a mão para mim.
– Muito prazer, Waldomiro, um seu escravo.
A matula estava realmente uma delícia.
E desde essa ida a São Jorge, não há uma vez que eu não pare no Rancho do Waldomiro, no pé da Serra da Baleia, e não compre uma matula especial.
Do Waldomiro. 
E você? Já provou? Está na hora…