Dia Mundial da Água

GANDARELA A CANTAREIRA MINEIRA

25 de março de 2015

A represa da Cantareira, em São Paulo, virou estrela de televisão. Porém há outras Cantareiras invisíveis em Belo Horizonte e por este Brasil a fora

"A represa da Cantareira, em São Paulo, virou estrela de televisão. Porém a “Cantareira” de Belo Horizonte é invisível, subterrânea. Não é simples medir o seu nível, mas ela também está secando aos poucos – é o que mostra a pequena vazão das suas nascentes."

 

 

Seguimos viagem e ganhamos o alto da Gandarela. Então, parado em um dos mirantes, eu apreciei lá embaixo a bacia do rio das Velhas, as serras que a rodeiam e as matas que ainda recobrem o seu fundo. É embaixo disso tudo que estão os aquíferos do alto Velhas: a nossa caixa d’água natural, a nossa represa da Cantareira.

A represa da Cantareira, em São Paulo, virou estrela de televisão. Porém a Cantareira de Belo Horizonte é invisível, subterrânea. Não é simples medir o seu nível, mas ela também está secando aos poucos – é o que mostra a pequena vazão das suas nascentes.
Então, para nossa surpresa, rapidamente o tempo mudou. Uma massa de nuvens carregadas trouxe um cenário familiar, mas que agora é também incomum.
Na mesma hora me lembrei:
“Cheguei a Belo Horizonte com as grandes águas de 1921. Ia começar a chover de janeiro a março, só de raro o céu de chumbo se fendendo e o sol fazendo uma visita de horas, dias, no máximo semana, para, depois, o mundo soverter-se nos ciclones. (…) Chove, chove sem passar.”   [Pedro Nava, Chão de Ferro, Ed. Companhia das Letras, 2012]
 
RECARGA DOS AQUIFEROS
Então, privilegiados, observamos a maravilha das chuvas: a recarga dos aquíferos do Velhas, com a absorção da água pelos afloramentos de canga da Gandarela. A canga é como uma esponja, ela suga cada gota, e dali elas seguem para o aquífero. É esse mecanismo que precisamos preservar a todo custo. É ele que enche a nossa Cantareira. Eu via as águas se infiltrando e pensava se elas chegariam ao Velhas, lá embaixo, agora mais um filete do que um rio. Que um dia foi navegável.
“É claro que em 1921 elas chegavam. É quando se ouviam os gemidos dos caudais descendo os declives procurando o Arrudas, enchendo o rio das Velhas, o São Francisco.”
 
 
FANTASIA X REALIDADE
 
Abri alguns jornais que trazia comigo. Encontrei falas de muitas pessoas, todas preocupadas com essa situação.
 
Prefeitos – Pregam o uso racional.
Deputados – Se mostram indignados.
Executivos de mineradoras – Distribuem elegantes e caros relatórios de sustentabilidade.
Técnicos – Afirmam que suas gigantes barragens de rejeitos, feitas de terra, são seguras.
Órgãos ambientais – Se dizem vigilantes e eficientes.
Empresários – Alegam seguir padrões internacionais.
 
Lia essas coisas imerso na névoa, me sentindo em um mundo da fantasia. Então, quando as nuvens
subiram um pouco, eu pude observar de novo todo o alto Velhas. O mundo real.
O que eu via lá embaixo eram projetos de mineração que gastam mais água do que cidades inteiras, e
ainda impedem a absorção das chuvas pelos aquíferos. Tudo aprovado com aplausos pelos governos,
prefeitos inclusive. Em cenas irreais, eles desviam rios inteiros 24 horas por dia.
Olhei para a região das nascentes do Velhas: Mariana e Ouro Preto. Ali, a maior parte da água disponível já
é usada para operações de extração e transporte de minério de ferro. Agora fizeram um aqueduto particular,
que busca água em Santa Bárbara, a 50 km de distância.
Me voltei para Itabirito, observando a Estação Ecológica de Arêdes. Uma área de recarga de aquíferos,
reduzida há poucos dias por uma decisão dos deputados estaduais.
Ainda em Itabirito: suas lideranças entregaram um volume de água equivalente ao consumo atual da cidade
para uma fábrica de bebidas. Em um futuro próximo, quando a água faltar, a população lavará louças e roupas com refrigerantes?
Na mesma região, o relatório oficial sobre a ampliação de um condomínio declarou que não haverá interferência nas águas, “uma vez que o abastecimento será realizado por meio da concessionária local”. A concessionária trará água de avião, penso.
Ali perto planejam uma cidade inteira, mas dizem que não faltará água. E asseguram que a lagoa dos Ingleses – recentemente promovida a manancial de emergência de Belo Horizonte – não será prejudicada.
Me recordei da Pampulha, e me senti enganado.
Buscando algum alívio me virei, olhando para o norte. Avistei a Serra do Curral. Então me lembrei dos planos, em andamento, para mais uma grande mina de ferro a céu aberto, desta vez na região do Taquaril.
O problema é que eles estão pregando uma coisa e fazendo o seu oposto. Sempre, agora, todos os dias.
Pensei: as áreas de recarga dos aquíferos do rio das Velhas não poderiam mais ser destruídas. E a água já armazenada não deveria ser bombeada de forma tão irresponsável. É o futuro nosso e o dos nossos filhos que está em jogo. Mexo de novo nos jornais, me distraio com as formações de canga, olho de novo a paisagem.
O que mais pensar? Nada. 
São todos uns farsantes.