Sustentabilidade Amazônica

MAMIRAUÁ, ONDE A FLORESTA TEM VIDA

25 de março de 2015

Manejo do PIRARUCU dá vida sustentável à Reserva de MAMIRAUÁ

 
Mamirauá
Depois de conhecermos o povoado, subimos um pouco mais o rio e fomos até a casa flutuante do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), organização não governamental que tem parceria com o estado do Amazonas e com o Ibama para ajudar as comunidades locais em projetos financeiros e sociais. Cada uma das áreas que realiza o manejo possui uma instituição parceira, que se comunica diretamente com o Ibama ao enviar o projeto técnico e os requerimentos solicitando guias de transporte e os relatórios anuais, feitos após a pesca, bem como o monitoramento da captura dos indivíduos nos lagos, a colocação dos lacres e o preenchimento das planilhas com os dados dos pescados. Durante todo o trajeto, fomos acompanhados por garças brancas e mergulhões, além de alguns gaviões. Já no flutuante, tivemos como vizinhos botos, piranhas e um jacaré, que preguiçosamente observava sem muita curiosidade a movimentação na casa.
 
 
 
 
Mamirauá foi criada há 15 anos e é gerida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) por meio do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc). Uma RDS é uma área preservada que abriga populações tradicionais que vivem em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais.
A cidade de Tefé fica às margens de um grande lago de mesmo nome e é polo da região do triângulo Jutaí-Solimões-Juruá, sendo o principal local de recebimento de pessoas e mercadorias que vão para os grandes centros ou para o interior do estado. Para chegar a Mamirauá, subimos o rio Jarauá por cerca de 2h30 na “voadeira” (lancha rápida) com o chefe da RDS Amanã, Aroldo Xavier. O rio serpenteia com suas águas escuras num corredor margeado por florestas que, em alguns trechos, chega a quilômetros de distância. A exceção são as pequenas comunidades à beira do rio, com as crianças brincando na porta das casas e, vez por outra, algum ribeirinho aportando sua canoa. Chegamos a São Raimundo do Jarauá, povoado no qual acompanhamos a pesca do pirarucu. Cerca de 40 casas, algumas flutuantes, enfileiram-se à esquerda e à direita da maior construção local: a escola. O local de limpeza e tratamento do grande peixe é um flutuante e está localizado estrategicamente na entrada do povoado. Esta e outras comunidades participam do processo. De maneira geral, os homens pescam e as mulheres limpam. As crianças observam e já sabem que o manejo significa a existência do pirarucu em seu próprio futuro. 
 
 
Mamirauá
Depois de conhecermos o povoado, subimos um pouco mais o rio e fomos até a casa flutuante do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), organização não governamental que tem parceria com o estado do Amazonas e com o Ibama para ajudar as comunidades locais em projetos financeiros e sociais. Cada uma das áreas que realiza o manejo possui uma instituição parceira, que se comunica diretamente com o Ibama ao enviar o projeto técnico e os requerimentos solicitando guias de transporte e os relatórios anuais, feitos após a pesca, bem como o monitoramento da captura dos indivíduos nos lagos, a colocação dos lacres e o preenchimento das planilhas com os dados dos pescados. Durante todo o trajeto, fomos acompanhados por garças brancas e mergulhões, além de alguns gaviões. Já no flutuante, tivemos como vizinhos botos, piranhas e um jacaré, que preguiçosamente observava sem muita curiosidade a movimentação na casa.

De maneira geral, os homens pescam o pirarucu e as mulheres limpam.

 

 

Pescadores de várias comunidades se reúnem em um lago. As comunidades ribeirinhas de diversos locais e pescadores profissionais da cidade estabelecem acordos de pesca e trabalham em conjunto, dividindo os lucros.

 

Os planos de manejo não protegem apenas o pirarucu mas também outras espécies de peixes bem como toda biodiversidade 

 

 

Pescadores de várias comunidades estavam reunidos em um lago. As comunidades ribeirinhas de diversos locais e pescadores profissionais da cidade estabelecem acordos de pesca e trabalham em conjunto, dividindo os lucros. Se, antes, havia tentativas de invasão nas áreas de manejo para a realização de pesca ilegal, gerando conflitos entre moradores das comunidades próximas e invasores, várias das áreas contam, atualmente, com um objetivo comum: a manutenção dessas mesmas áreas. Para chegar ao lago onde ocorre a pesca, subimos o rio, cheio de bifurcações, e encontramos o local do acampamento rudimentar das canoas, ancoradas em um trecho solitário do Jarauá. 

Após entrarmos em uma trilha aberta na mata pelas passadas dos pescadores, vimos uma pessoa com passo apressado e um enorme pirarucu nas costas, que deveria pesar uns 80 quilos. Os pés descalços afundavam no solo de várzea escorregadio. O calor e a umidade são imensos, mas os mosquitos não chegavam a incomodar. Mais à frente, vários pescadores em suas pequenas canoas procuravam encurralar o próximo peixe. Vez por outra, a cumbuca que retira água das embarcações era acionada para evitar que elas afundassem. 
 
Pirarucu: plano de manejo
O pirarucu, além de brânquias, possui pulmões, que lhe possibilitam ter respiração aérea. O peixe sobe à superfície a cada 20 minutos em busca de oxigênio. Dessa forma, é fácil realizar a contagem do lago para saber quantos indivíduos habitam a área e, com isso, obter autorização do Ibama para o manejo: a cota de pesca é de 30% dos indivíduos adultos. Os peixes pescados devem ter o tamanho mínimo de 1,5 metros. A subida para respiração permite também aos pescadores saber o local onde o pirarucu se encontra. 
Os pescadores rodeiam o peixe com uma rede de malha. Quando ele se enrosca na rede, é puxado para a canoa. Outra forma de pesca é o arpão. O trabalho é organizado: há o grupo que pesca, o que carrega o peixe e o que organiza o acampamento e leva o pirarucu para limpeza, cada um com seu coordenador. Muitas vezes, é necessário retirar o matagal que encobre os peixes no meio do lago, o que demanda muito tempo e trabalho. Pausa apenas para o almoço: tambaqui recém-pescado assado no jirau feito de paus e farinha de mandioca, refeição típica dos ribeirinhos.
Conforme dados oficiais de captura de pirarucu na bacia amazônica brasileira, houve um aumento bastante significativo de produção nos últimos anos nas áreas de manejo do estado do Amazonas. Em 2001, foram produzidas 75 toneladas de pirarucu. Esses números vêm aumentando ano a ano. Em 2013, a produção passou de 1,3 mil toneladas. Para se ter uma ideia, no resto do Brasil, em 2001, foram produzidas menos de 500 toneladas e, de 2005 a 2007 (últimos anos em que há dados compilados), a média ficou em 1,2 mil toneladas. 
As áreas manejadas também têm aumentado ano a ano. Em 2011, foi autorizada a pesca em 14 áreas de manejo e a captura de cerca de 18 mil pirarucus. Neste ano, foram autorizadas 42 áreas de manejo e a captura de 43 mil pirarucus. Mesmo assim, a cota de pesca autorizada ainda não foi alcançada. Os 70% de adultos não pescados são suficientes para se manter a população estável caso não haja invasões ou pesca predatória. 
Estudos realizados pelo pesquisador Leandro Castello indicam que, no Pará, por exemplo, onde não existe a restrição da pesca do pirarucu fora do defeso, as populações de pirarucu estão sofrendo processos de extinção local por falta de um programa de manejo, como o que existe no Amazonas. 
 
Comércio organizado
Do lago, os pirarucus pescados são carregados até a canoa com motor de rabeta, que os leva ao local onde serão limpos, medidos, pesados e colocados em um barco especial, que os manterá congelados até chegarem aos grandes mercados. 
O mais importante é o lacre numerado fornecido pelo Ibama, que atesta a legalidade do produto e o acompanhará até a venda ao consumidor final. Mesmo quando em mantas, a nota fiscal de venda do produto traz o número do lacre, o que atesta sua legalidade. As informações de cada pirarucu, incluindo o número do lacre, são escritas em uma planilha, que comporá um dossiê. Essas informações permitem que, em caso de dúvida sobre a legalidade de determinado produto, ela seja sanada. 
O processo todo de limpeza não dura mais do que 30 minutos. Quem avista a canoa com motor de rabeta se aproximar cheia de pirarucus avisa aos outros comunitários, que se aprontam rapidamente. O local é lavado antes do recebimento dos peixes. Só é permitida a entrada com as botas limpas, que ficam dentro da própria área do procedimento. A maior parte dos peixes é levada para Manaus. O restante abastece outros municípios, estados e, até mesmo, o exterior. 
Os plano de manejo não protege apenas o pirarucu mas também outras espécies de peixes bem como a biodiversidade das regiões onde se instalam. Além da pesca, os ribeirinhos fazem um pequeno roçado para subsistência. Em algumas comunidades, outra fonte de renda é o turismo ecológico. Os comunitários lembram que, antes do manejo, com a pesca sem controle, os peixes estavam diminuindo. 
O respeito à natureza gera neles uma altivez que pode ser lida como sentimento de cidadania. Normalmente, a produção é vendida antecipadamente. A renda gerada com a pesca permite que as famílias possam viver com dignidade.
Os resultados indicados pelos dois projetos provam que, somada à ação empenhada, a conscientização ambiental, aos poucos, pode transformar uma realidade devastadora em uma outra, promissora, em que a convivência harmoniosa com a natureza é, para além do desejável, perfeitamente possível.  *
 
 
Em 2014, foram autorizadas 42 áreas de manejo e a captura de 43 mil pirarucus. 
 
 
Os peixes pescados devem ter o tamanho mínimo de um metro e meio.