Sistema Cantareira

SISTEMA CANTAREIRA

13 de janeiro de 2016

Sistema Cantareira sai do volume morto. Mas a crise do passado ainda é muito presente. E o futuro?

Folha do Meio – Quais as principais lições que a seca do Sistema Cantareira deixa para os gestores de água?

Raymundo Garrido – São muitas. Desde a necessidade da observância à sinalização dada por instrumentos de gestão do abastecimento urbano e do uso dos mananciais hídricos, os quais são bastante eficientes, passando pela indicação clara de que trazer água bruta de pontos cada vez mais distantes não é a única. E nem a melhor. Mas mostra que outros procedimentos são necessários, como medidas de diluição de risco, harmonia entre políticas públicas funcionalmente interligadas. A inobservância ao critério da diluição de risco está caracterizada pelo acanhado nível de interligação dos sistemas provedores de água da Região Metropolitana de São Paulo.

Foto: RAYMUNDO GARRIDO, professor de Engenharia da UFBA

 

FMA – Harmonia entre políticas públicas? Exemplo?

Garrido – Sim, a necessidade de políticas públicas harmônicas pode ser exemplificada pelo descolamento entre a política de desenvolvimento urbano, a políica partidária e a política de recursos hídricos, por exemplo. Se essas três políticas estivessem harmonizadas, certamente o crescimento do tecido urbano paulistano e de sua área conurbada teria sido planejado para crescer em outros moldes, e talvez não chegasse aos vinte milhões de habitantes como já chegou.

FMA – Quais as garantias de que não teremos seca tão severa?

Garrido – De acordo com os mais abalizados meteorologistas, as previsões ajudam muito pouco quando se trata de prognóstico sobre o comportamento dos sistemas formadores de chuvas no Sudeste brasileiro. Quando muito, o que se pode prever é o que vai acontecer nos sete dias seguintes e, mesmo assim, sem condições de oferecer dados quantitativos precisos sobre precipitações. O fato de o período seco de que estamos tratando não ter sido previsto por nenhuma instituição voltada para os estudos e acompanhamento de clima e tempo vem corroborar esse comentário. Ao contrário, previu-se que a estação seria normal ou até mesmo com chuvas acima da média na região.

 

O uso do volume morto

 

FMA – Fazer uso do volume morto do Cantareira foi uma medida acertada?

Garrido – No meu ponto de vista, não havia outra saída, mas poderia ter sido postergada se o racionamento houvesse sido decretado em princípios de março de 2014. As chamadas curvas de aversão ao risco do sistema Cantareira já sinalizavam a necessidade do racionamento desde o final de 2013. Como o uso do volume morto começou à volta do dia 16 de maio de 2014, então é certo afirmar que esta medida poderia ter ficado para um pouco mais tarde caso o governo tivesse decretado o racionamento na RMSP.

O fato é que razões de ordem política se sobrepuseram a essa necessidade e a apreensão da população foi maior, até mesmo porque já se registravam cortes pontuais no fornecimento de água na região atendida pelo sistema Cantareira. A imprensa divulgou isso em várias ocasiões durante o ano de 2014. Em outras palavras, terminou ocorrendo um racionamento tácito com cortes na referida região. O sistema Cantareira chegou a operar longamente com 24,00 m3/s quando sua vazão operacional é de 32,00 m3/s.

 

FMA –  Considerando que o Cantareira atende a mais ou menos 8,5 milhões de pessoas, então a diferença entre 32,00 m3/s e 24 m3/s deixou pouco mais de dois milhões de habitantes sem água por um tempo longo?

Garrido – Isso não ocorreu porque, no calor da adversidade, a SABESP agiu criativamente. Em primeiro lugar, atuou na tarifa de água premiando a quem economizase água tratada, chegando a reduzir o valor da conta em 30% para os consumidores que reduzissem em 20% o volume consumido. No final de 2014, instituiu a multa por aumento de consumo para vigorar a partir do primeiro dia do ano corrente.

Essa multa é de 20% sobre a conta para quem aumentar o consumo em 20%, e de 50% para aqueles que aumentarem o consumo em mais de 20%. Foi estabelecido, portanto, um sistema de bônus & ônus.

Para avaliar se o consumidor gastou água de mais ou se economizou água, tomou-se por base a média de seu consumo nos doze meses imediatamente anteriores. A bonificação fez com que, durante a escassez de água, as economias reduzissem o consumo em 4 m3/s. O benefício de não se ter chegado ao colapso do sistema Cantareira por certo terá compensado o custo que a companhia de saneamento enfrentou com a redução de sua receita.

FMA – E os outros 4 m3/s, como é que foram solucionados?

Garrido – Os 4 m3/s restantes foram aportados por meio de manobras operacionais telecomandadas pelas quais foram transferidas águas de outros sistemas para o Cantareira. Já em meados do primeiro semestre de 2014, eram transferidos 3 m3/s do sistema Guarapiranga e 1 m3/s do sistema Alto Tietê, perfazendo os 4 m3/s. Somados à economia de 4 m3/s que a população fez para beneficiar-se do referido sistema tarifário de bônus e ônus, a população pôde conviver com o problema do Cantareira. Já no final do ano, em outubro de 2014, a SABESP começou a transferir água de mais um sistema para a área servida pelo Cantareira. Dessa vez, o sistema de origem da água foi o Rio Grande, porém em uma vazão menor, de 0,5 m3/s. Essas manobras são feitas por meio de válvulas comandadas telemetricamente e as obras de adaptação que permitiram as transferências de água foram realizadas durante a crise, quando tais dispositivos de interligação deveriam existir desde antes para acorrer a situações emergenciais como a que se viveu no ano passado.

Essa foi uma das importantes lições aprendidas.

 

FMA – O sistema Cantareira é uma obra de grande envergadura. Como se dá o seu funcionamento.

Garrido – O Cantareira é um colosso! Trata-se de uma das maiores obras de saneamento do mundo. É a maior obra de engenharia hidráulica da América Latina. A água bruta é captada nas bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) onde inicialmente fica residente no sistema de reservatórios geminados Jaguari-Jacareí. Daí, a água é sucessivamente transferida por meio de túneis, passando pelos reservatórios Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro. Depois desse último, a água é bombeada para o reservatório Águas Claras que alimenta a Estação de Tratamento de Águas do Guaraú, na região da capital do Estado. Após a potabilização nessa ETA, a água é transferida pelas redes de distribuição Guaraú‐Mooca, Guaraú‐Consolação, Guaraú‐Lapa e Alças Oeste e Leste. Essa trama faz a água chegar às zonas Norte e Central e a partes das Zonas Oeste e Leste da Capital, a atende, ainda, várias municipalidades como Caieiras, Carapicuíba, Francisco Morato, Franco da Rocha, Osasco e São Caetano do Sul. Adicionalmente atende em parte os municípios de Barueri, Taboão da Serra e Santo André. O esquema hidráulico da figura seguinte mostra o caminho da água bruta até chegar à ETA Guaraú.

 

 

 

FMA – A transposição do Jaguari (Paraíba do Sul) é realmente necessária?

Garrido – Em entrevista anterior, referi-me ao tema da resiliência urbana no tocante ao abastecimento de água aplicado à RMSP. Vista por esse prisma, a transposição é, sem dúvida necessária. Mas ela somente deve ser utilizada em situações críticas, como aliás foi a do Cantareira em 2014, ou então de acordo com um plano operacional que minimize as perdas da bacia de origem da água (que é a do Paraíba do Sul), já que não adianta “descobrir um santo para cobrir outro”. Opiniões que tive oportunidade de conhecer a partir de renomados hidrólogos, dão conta de que a transferência de uma vazão que se situe entre 5 m3/s e 7 m3/s pode ser sustentada pelos regimes hidrológicos das duas bacias e diante das demandas com as quais cada uma delas já está comprometida.

Essa análise hidrológica deve ser feita considerando-se um espaço hidrográfico mais amplo para que possam ser avaliadas as repercussões sobre demandas já existentes e que estejam em conexão direta ou indireta com a transposição. Em qualquer caso, construir-se o canal para somente ser utilizado em situações de grande anormalidade hídrica em qualquer uma de suas extremidades, parece-me necessário. Deve-se conceber um projeto que permita o trajeto reversível da água pelo menor custo possível, pois se no presente é o Sistema Cantareira que precisa importar água, amanhã pode ser que o Jaguari (Paraíba do Sul) é que tenha esta necessidade.

FMA – Que outras obras estão sendo concebidas ou já em projeto para a segurança hídrica da região?

Garrido – Há um estudo que abrange uma área de grandes proporções. Esse estudo, elaborado por iniciativa do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo – DAEE, é o Plano de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macroetrópole Paulista. Trata-se do estudo mais completo e de maior alcance já elaborado no campo dos recursos hídricos no Brasil. Ele é inovador ao ampliar o cinturão perimetral de avaliação hídrica e intitulou de Macrometrópole Paulista a área pesquisada que tem como centro nervoso a RMSP.

A água evidentemente é, entre outros, um recurso que precisa ser adequadamente avaliado quanto ao ordenamento de seu uso. Nesse estudo estão concebidas inúmerass obras que ali são denominadas Esquemas Hidráulicos. Os referidos Esquemas Hidráulicos formam distintos arranjos, em número de dez, os quais foram avaliados em termos de eficiência, de custos e de externalidades, positivas e negativas. As externalidades mais diretas como a limitação à produção de energia em sistemas de geração já existentes são também quantificadas.

FMA – E como fica a preservação ambiental com tanta obra nova?

Garrido – Como eu mencionei na resposta à pergunta anterior, as externalidades mais diretas são avaliadas, entre elas os impactos sobre o setor energético (ganhos e perdas. Conquanto esse seja um impacto ambiental relevante, na minha opinião, o espectro de externalidades pode ser ampliado nesse estudo incorporando, para tanto, uma série de outros impactos ambientais. É sobretudo relevante, também, que o estudo de impacto revisite o conceito de análise social, por meio dos preços sociais dos diversos fatores de produção. Note que, para avaliar o mérito dos arranjos, o Plano chega a calcular o índice de Valor Presente Líquido Privado (VPLP), isto é, a preços de mercado, um dos inúmeros pontos positivos do trabalho. Poderia ser enriquecido acrescentando o cálculo do Valor Presente Líquido Social (VPLS). Certamente, uma análise que se ampare no conceito de preços sociais mostrará com maior ênfase o mérito de cada arranjo.

 

FMA – E o que é exatamente a Macrometrópole Paulista?

Garrido –A Macrometrópole Paulista é a área composta pelas Regiões Metropolitanas de São Paulo, de Campinas e da Baixada Santista, além dos municípios que fazem parte da UGRHI[1]-05 (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), os quatro municípios mineiros que fazem parte das bacias PCJ, os municípios da UGRHI-10 (Sorocaba e Médio Tietê) e parte dos municípios paulistas da UGRHI-02 (Paraíba do Sul). Essa região, ilustrada pelo mapa abaixo, tem uma extensão de aproximadamente 52.000 km2, abriga cerca de 34 milhões de pessoas e responde por uma percentagem significativa do Produto Interno Bruto do Brasil, de quase um terço do PIB.

FMA – A existência de dois domínios da água ajuda ou atrapalha a gestão neste caso da Macrometrópole Paulista?

Garrido – Na medida em que existem comitês de bacia e suas correspondentes agências de água, é indiferente se o domínio é único ou se os dois domínios se fazem presentes, que aliás é o caso. As decisões colegiadas podem ser ágeis e trazem sempre o equilíbrio que caracteriza a prudência das forças vivas da sociedade amesendadas em um comitê de bacia. A essa instância cabe deliberar sobre os projetos, sobre os cuidados com os impactos ambientais, sobre os direitos pre-existentes e tudo o mais quanto diga respeito à pertinência das propostas. No Plano de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista, as obras de abastecimento constituem o objeto principal, mas no comitê de bacia elas entram como interesse de um dos usos múltiplos da água, o qual será confrontado com interesses dos outros usos, ensejando que se extraiam, do debate, soluções equilibradas.

 

REUSO DA ÁGUA

 

FMA – O reúso da água está avançando?

Garrido – O reúso da água já vem sendo praticado em São Paulo há algum tempo. Em Mogi das Cruzes, um quinto do esgoto tratado pelo SEMAE é utilizado para a lavagem de ruas, desobstrução de galerias e irrigação de jardins. A SABESP também fornece água de reúso e a indústria tem se beneficiado dessa oferta. Há outros exemplos da prática de reúso em São Paulo, mas é forçoso reconhecer que o reúso já poderia estar bem mais disseminado a esta altura, pois é amplo o leque de sua utilização.

A água de reúso não-potável ainda pode ser aplicada no combate ao fogo, em obras civis para a mistura de argamassas e concretos (desde qua não contenham halogenetos), na terraplenagem para a umectação dos solos, na pavimentação para lubrificar os rolos compressores e evitar que o asfalto adira a estes, em trabalhos minerários para a umectação de estradas de acesso às minas com o objetivo de evitar revoadas de poeiras, e em uma série de outros casos que admitem água de qualidade inferior. Portanto, apesar de tratar-se de uma medida necessária para que se economize um recurso natural escasso, ainda é pouco o que já se fez. E é uma lástima porque justamente é um pesquisador da USP que vem há quase duas décadas alertando para a importância do reúso. Refiro-me ao professor Ivanildo Hespanhol cujos trabalhos científicos têm reconhecimento internacional. Ao que parece, a crise de escassez de água do Cantareira chamou a atenção de todos para a busca de soluções de convivência com a seca, e o reúso da água constitui uma das mais salientes dentre tais soluções.

FMA – Você se referiu a reúso não-potável. Entendo então que existe o reúso potável. É isso?

Garrido – Exatamente. O reúso potável tem como produto final a água de beber. Ambos os tipos, potável e não-potável, podem ser classificados ainda em reúso direto e reúso indireto. No reúso direto, depois de tratado o esgoto, ele sai diretamente para uso pelo cliente. No caso do reúso indireto, depois de tratado o esgoto, o produto é lançado em um curso d’água para ampliar a diluição dos parâmetros de agressividade remanescentes. Isso significa que o reúso potável indireto tem efetivada a sua potabilização depois da captação no corpo d’água que recebeu a primeira fase do tratamento do esgoto visando o reúso da água.

FMA – A população vai mesmo beber água que um dia foi esgoto?

Garrido – O padrão de qualidade da água de reúso potável é o mesmo da água potabilizada a partir de fontes não poluídas. As experiências iniciais há mais de meio século nos Estados Unidos mostraram que, apesar do aspecto psicológico de estar bebendo água que foi fabricada a partir de esgoto, o consumidor supera, com o tempo, esse incômodo. No início era em cidades muito distantes de mananciais que se aplicava a medida do reúso, via o tratamento quaternário.

O que importa efetivamente é que a água de reúso potável esteja em conformidade com os padrões de potabilidade. A grande vantagem do reúso em geral reside em não ter-se que aduzir água de longas distâncias, economizando recursos que podem ser aplicados em outras políticas públicas, aumentando o bem estar social. Além disso, interfere-se menos no meio ambiente utilizando a mesma água local várias vezes.

FMA – Que outras medidas podem contribuir para a segurança hídrica?

Garrido – Em entrevista anterior, referi-me ao combate às perdas de água, físicas nas redes de distribuição e resultantes da evasão de faturamento pelo uso clandestino da água. Trata-se de um problema para o qual praticamente todas as companhias e serviços autônomos de abastecimento estão atentos porque tem custado caro para a sociedade brasileira. Nós ainda perdemos muita água. A cobrança pelo uso da água bruta já é um instrumento que concorre para a preocupação com a redução das perdas, mas o instrumento que pode tornar ainda mais intensa esta preocupação é o mercado de águas, ainda não previsto pela legislação brasileira.

FMA – Mercado de águas?

Garrido Sim, é claro que em um sistema de mercado de águas, os volumes que correspondem à água de uso doméstico, assim como aqueles destinados à dessedentação de animais, são prioritários quando a escassez se avizinha e, nessas circunstâncias, o referido mercado, que precisa ser fortemente regulado, não interfere na vazão de água bruta que deve ser entregue à companhia ou serviço de abastecimento para tais finalidades. Creio portanto que seria de toda a oportunidade se o tema do mercado de águas fosse reaberto na pauta congressual. Em outra ordem de preocupação, uma importante medida que concorre para a segurança hídrica é eliminar o déficit do tratamento de esgotos urbanos, pois essa é uma das causas que têm feito com que o abastecimento venha sendo solucionado por meio de obras hidráulicas que trazem a água de distâncias cada vez maiores, com investimentos vultosos e custos operacionais elevados, consumindo energia que poderia ser destinada a outros usos, além de impor impactos sobre o território.

 

FMA – As Parcerias Público-Privadas podem acelerar o processo de ampliação da cobertura no tratamento de efluentes urbanos?

Garrido – Sem dúvida alguma. As PPPs são um meio de alavancar projetos com os quais o estado sozinho não tem condições arcar. São também o caminho de trazer a eficiência do setor privado para a operação de tais projetos. Mas do que nunca, presentemente o Estado brasileiro precisa do investimento privado para avançar em vários setores das políticas públicas. A taxa de investimento do País está baixa, aquém de 15% do produto, quando deveria ter como patamar inferior algo ao redor de 25% para impulsionar o crescimento, um imperativo de qualquer sistema econômico.

O Programa de Despoluição de Bacias – PRODES, popularmente referido como “Compra de Esgoto”, criado na Agência Nacional de Águas e hoje alocado no Ministério das Cidades é um tipo peculiar de PPP que poderia ter dado uma enorme contribuição à marcha para cobertura do déficit de tratamento de efluentes urbanos, mas que parece estar submetido às limitações de recursos financeiros.

FMA – O aquífero Guarani pode socorrer a RMSP?

Garrido – As águas do Guarany são nobilíssimas porque são de excelente qualidade e protegidas por um manto basáltico cuja espessura chega, em alguns pontos, a 1,5 km. Em outros pontos, essa espessura é mínima: são os pontos de recarga, isto é, por onde entra a água que vai se acumulando no subsolo. A região de Ribeirão Preto é uma dessas zonas de recarga. As fronteiras do aqüífero Guarany, entretanto, estão um pouco distantes da Região Metropolitana de São Paulo. Todavia, se pensarmos no perímetro da Macrometrópole, a região de Campinas é a candidata natural para receber essas águas.

O já referido Plano de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a macrometrópole menciona estudo elaborado pela SABESP cogitando a possibilidade de aduzir 5,00 m3/s para Campinas e para a RMSP. Essa vazão poderia ser obtida por meio de 270 poços com produtividade média de 100 m3/h e regime de operação de 16 horas diárias. O aproveitamento das águas do Guarany não figura em nenhum dos arranjos do Plano da Macrometrópole.

FMA – A RMSP está tão perto do mar? Por que não dessalinizar águas marinhas e trazê-las para a capital?

Garrido – Os mares e oceanos cobrem três quartas partes da superfície do globo terrestre. Água salgada existe de sobra, portanto. Ora, se dessalinizar essa água custa, por exemplo, entre US$1,00/m3 e US$1,50/m3, então o tamanho do problema da água no mundo já está dado por meio da referida cifra. Em outras palavras, o problema já está formulado, basta equacioná-lo. O mais reside em calcular o custo de transportar essa água depois de dessalinizada para a região em que será utilizada.

De fato, a RMSP está perto do mar, mas a altura de recalque é uma barreira a vencer. E o custo da energia é elevado. Enquanto for menos caro usar água a água doce do continente, não há porque usar as águas do mar. Esse trade-off só reforça a importância de preservarem-se as bacias hidrográficas, e de utilizar racionalmente a água doce.

FMA – A seca do Cantareira está dando sinais de que está se dissipando. Mas, e se a seca do Cantareira persistisse?

Garrido – A seca persistir, ou voltar com severidade antes do que se espera, é uma contingência a considerar sem nenhuma dúvida. Sucede que a noção de contingência pressupõe incerteza, portanto seria de bom alvitre que os Planos de Contingências considerassem com destaque como as instituições estão preparadas para esse evento incerto. Essa abordagem é tanto mais necessária quando se tem em mente o fato de as previsões meteorológicas para a região afetada pela seca não serem seguras, gerando a maior das incertezas sobre os estoques futuros dos mananciais. Os dois Planos de Contingências de 2014 abordaram tanto mais as certezas de como se estava convivendo com o fenômeno que já estava instalado, e que, portanto, já era bem conhecido. Nitidamente, ali estava faltando explicitar o que fazer se a seca severa persistisse.