A VIDA VEM EM CAMADAS
13 de janeiro de 2016Das montanhas às grandes bacias sedimentares e ao vale do rio Doce
PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE
Assim, as histórias e os tempos da infância, da juventude e da maturidade vão se sobrepondo em um leito que a cada dia se torna mais profundo, mas também mais rico, denso e complexo. É interessante pensar que essa forma de analisarmos e compreendermos a vida, e que obviamente se aplica às vidas de todos nós humanos, se aplica também à vida do planeta Terra, que em última análise é o suporte físico das nossas vidas.
Não, desta vez eu não me ocuparei das nossas montanhas, nas quais podemos tocar com as mãos rochas antigas, muitas vezes velhas de dezenas ou até de centenas de milhões de anos. Foram o clima (com a chuva, o sol, o vento e o gelo) e fenômenos como os terremotos que trouxeram essas rochas até o que hoje é a superfície da Terra.
Desta vez eu falarei das grandes bacias sedimentares. É nessas depressões da superfície terrestre que foram sendo depositados lentamente, com a erosão e o movimento das águas, toneladas de minerais, materiais vulcânicos, matéria orgânica, micro-organismos, resíduos…
Ocorre que todo esse material acaba sendo disposto em camadas ao longo do tempo. Assim, bem como acontece nas nossas vidas, essas camadas nos mostram como vai seguindo a vida na Terra.
A estratigrafia
Há uma técnica de pesquisa que tem como objetivo exatamente compreender a história da Terra por meio das suas camadas sedimentares: ela se chama estratigrafia.
Recentemente tive acesso a um interessante relato sobre as pesquisas estratigráficas realizadas no chamado “médio curso” do rio Doce, em Minas Gerais. O médio rio Doce começa no encontro desse rio com o Piracicaba (na região central de Minas Gerais), e vai até a divisa de nosso Estado com o Espírito Santo. As informações foram organizadas pela geógrafa Ceres Moreira.
Segundo ela, há cerca de 10.500 anos atrás teve início um intenso processo de assoreamento nessa região, modificando o antigo sistema fluvial. Esse assoreamento foi tão grande que a camada por ele “construída” tem mais de 35 metros de profundidade! Depois disso, há uns 10.000 anos, o assoreamento foi interrompido. Formaram-se os lagos que ainda hoje estão lá, e o rio Doce se estabilizou em um novo leito.
Mas a estratigrafia também nos revela muito sobre a vegetação de cada época. No período desse grande assoreamento encontram-se resíduos de pólen de plantas típicas de cerrado e de campo, o que indica que o clima já foi mais seco naquela região.
Em seguida, em camadas que correspondem há uns 8.000 anos atrás, já surgem indícios de uma floresta típica de áreas menos úmidas. E depois a sequência de camadas vai mostrando evidências de florestas cada vez mais úmidas, até chegarmos às matas tropicais, similares às que estão hoje preservadas no Parque Estadual do Rio Doce.
Em camadas datadas de meados do século XIX (1850 em diante) começam a aparecer marcas mais fortes da ação humana. Menos pólen de árvores, e mais pólen de campos e pastos. Mais areia, resultante da erosão dos solos.
E então chegamos ao que é hoje a última camada. Um material argiloso, contendo metais variados e resíduos orgânicos, e que pela sua composição parece ter vindo de longe, das cabeceiras do rio. Também parece ter sido depositado de forma súbita.
Esta camada trágica e insana pertence ao ano de 2015, mas representa também algumas décadas que o antecederam.
Feliz 2016! Ou melhor: Feliz Camada Nova!
(Paulo André B. Mendes é ornalista e geógrafo) – [email protected]