Florence por Florence
4 de maio de 2016O presidente Campos Salles se interessa pelas pesquisas de Florence
1829 – Achando-me no Rio de Janeiro de volta de uma viagem nos Estados de São Paulo, Mato Grosso e Grã Pará, com o naturalista Langsdorff, a lembrança da voz de inúmeros animais selvagens me sugere a idéia de inventar novos sinais musicais adequados, e escrevo uma memória intitulada Zoophonia. Francisco Álvares Machado, que eu tinha conhecido em 1825 em Porto Feliz, me convida para vir a Campinas; e nesta cidade, então Vila de São Carlos, fixei a minha residência.
1830 – Neste ano, só existia no Estado de São Paulo a tipografia do Farol, na capital. Eu queria publicar em francês o meu escrito sobre a Zoofonia. Se me era tão difícil imprimir o texto, impossível me era mandar imprimir as figuras musicais. Ter-me-ia sido dispendioso ir ao Rio de Janeiro. Achei melhor eu mesmo procurar os meios de imprimir minha memória. Um motivo poderoso que me impelia também para estas indagações era eu querer publicar mais de duzentos desenhos da minha viagem. Pus-me a trabalhar, e descobri a Poligrafia, cuja origem não é devida ao acaso, mas sim a um cálculo formado e premeditado.
1832 – Mr. Edouard Pontois, Encarregado de Negócios de França, com quem já me tinha entendido no Rio de Janeiro, remete ao Governo em Paris, um escrito onde revelo todo o segredo, e duas provas poligrafadas.
De 1830 a 1836, a poligrafia apresenta-me grandes dificuldades, mas vejo através tão importantes propriedades, que me esqueço da zoofonia, desenhos, etc., para só cuidar naquele invento. Não passarei em silêncio um incidente: e que em 1832 veio-me, sem premeditação, a idéia da impressão pela luz solar. Obtive várias negativas, entre elas, a da Cadeia de Campinas; distribuí 30 anúncios de meus gêneros a vender. O Sr. Joaquim Correa de Mello me ajuda a dar a este processo o nome de Photographia; mas quando eu soube que Daguerre tinha conseguido melhores resultados, abandonei este gênero de trabalhos. As propriedades da Poligrafia são as seguintes:
1 – Nunca se renova a tinta sobre a chapa.
2 – Escreve-se e desenha-se no sentido natural.
3 – Imprimem-se todas as cores simultaneamente.
4 – Ficam substituídas as pedras, chapas de cobre, aço, madeira, por um simples papel poligráfico. O público, entretanto, começava a me encomendar vários impressos, que eu aceitava para fazer experiências que, ora saiam boas, ora ruins; cansado de tantos prejuízos, eu fui ao Rio de Janeiro, comprei uma tipografia de 800$000 rs., e de 1836 em diante, eu pude satisfazer as precisões do público, e só imprimia desenhos na poligrafia.
1839 – A Phenix e o Observador publicam vários artigos revelando toda a poligrafia.
1840 – O Jornal do Comercio transcreve da Phenix estes artigos, e diz no fim: “Não se sabe o que se deve mais admirar, se a simplicidade dos meios que se emprega, se a grandeza do resultado que se obtém.” Aproveito desta boa disposição, e remeto 22 provas diversas poligrafadas, que o Jornal anuncia estarem expostas ao Publico, no seu escritório.
1842 – Neste ano principiam as minhas indagações sobre o Papel inimitável para Notas do Banco, e papéis de valores. Uma memória, acompanhada de uma estampa poligrafada, é publicada em são Paulo.
1843 – A Academia das Ciências e Artes de Turim declara em sessão de oito de Janeiro, que o meu invento é novo, que tem propriedades contrabalançadas por defeitos, mas que merece a proteção do governo da Sardenha. A Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro adota em sessão de 22 de novembro o parecer da Comissão, em que se fala principalmente da parte que respeita ao papel inimitável, com tanta particularidade, que mostra a importância que se dá ao assunto. Não nega a novidade dos outros princípios poligráficos, somente acha, com o invento, as provas atrasadas, por serem "os primeiros passos de uma arte nascente. O diretor da Academia me escreve em particular:” Votre découverte bien examinée, bien contredite, a eu enfin un véritable succès d’estime. "
1848 – Para simplificar o trabalho da composição tipográfica, emendo com óleo secativo, cada consoante com uma vogal, e formo os tipos-sílabas, de que resulta uma vantagem palpável.
1849 – O presidente do Estado Sr. Vicente Pires da Motta, remete, a meu pedido, ao Governo Imperial, um escrito acompanhado de oito provas inimitáveis. Em conseqüência disto, O Visconde de Goiana me manda fazer várias perguntas pelos senhores Laemmert, às quais respondo, mas não têm mais séquito. Provavelmente é isto devido ao meu espírito de inventar e não de aproveitar, porque o papel inimitável tem em si o cunho de um futuro vantajoso.
1851 – Mr. Picot me pede da parte de Mr. Villeneuve em Paris, esclarecimentos sobre a Fotografia, respondo que não tenho mais me ocupado desta arte, e aproveito a ocasião para mandar um escrito sobre a poligrafia. Tenho feito muitas tentativas para fazê-la conhecer em França.
1853 – Invento o Dicionário Sinóptico, onde sempre se abre necessariamente o livro, na página onde está a palavra procurada.
Stéreopintura
1859 – Sempre desenhei; e, dizem, que meus desenhos são corretos; mas raras vezes pintei a óleo. Não tive mestres em nenhuma destas repartições. No entanto, tendo descoberto alguns segredos em aquarela, fiz aplicação deles à pintura a óleo e saí-me bem. O coronel Labaumelle me dizia em 1829: "Les peintres ont beau vouloir faire de la lumière, ils ne feront jamais que du blanc" (Os pintores que desejam pintar a beleza da luz, eles não usarão nada mais que o branco). Eu digo hoje o contrário: pode-se pintar o sol numa paisagem com luz tão viva que não se lhe possa fixar os olhos. À vista disto é escusado dizer que se pode produzir todos os efeitos de luz, tais e quais existem na natureza. Não basta poder avivar as luzes tão calorosamente; é preciso também reforçar as sombras com a mesma energia; tanto uma como outra coisa produz o relevo, a transparência do ar, os glacis e afasta os objetos distantes. Os grandes pintores ainda não conseguiram plenamente isso; basta ver os seus chefes de obra, admiráveis como pinturas, mas tendo o defeito de refletir luz nas sombras, como superfície. O emprego que se tem feito ultimamente do betume nas sombras prova os esforços que se faz para remover este inconveniente; mas o betume tem cor, e também cobre um pouco. São ainda defeitos da arte. O Courrier du Brésil tem publicado em 1863 alguns artigos sobre a stéreopintura. Eu descobri há três anos uma substância que não é empregada na pintura a óleo; secando não perde a transparência e, por isto, dá mais força às sombras.
1858 – Faço novas impressões inimitáveis que denotam progresso. Nelas se vêm traços e cores fundidos uns com os outros, propriedade que a gravura não tem. Vê-se o Lavis capilar, ainda menos partilhado por qualquer processo. Estas impressões foram expostas ao público durante um ano, no Banco Mauá & C. em Campinas.
Nova Fase na Poligrafia
1861 – Uma mudança se opera, que vem a ser o complemento desta importante descoberta, e que explica trinta anos de duros sacrifícios e de reações que tantas vezes convergem sobre um inventor. Sendo a chapa poligráfica de uma substância dúctil, que rachava debaixo da pressão, a tinta atravessava a rachadura e se imprimia na prova; daí a pouco ficavam as provas desfiguradas pelas muitas fendas que se formavam. Com muito trabalho, conseguia evitar este inconveniente, mas não sempre. Era duro depois de ter trabalhado oito dias numa chapa, perdê-la num instante. Atribuindo com toda a razão, este defeito à pressão exercida, empreguei, mas com pouco resultado, muitas qualidades de prensas, mesmo pesadas e dispendiosas; o que era contrário à minha divisa: "produzir muito com poucos meios". Cansado enfim de tantas dificuldades, eu disse comigo: "Atiremos a prensa por um lado e imprimamos sem prensa, nem pressão alguma;" e consegui o que eu queria. Não tem dúvida que a poligrafia poderá servir-se da prensa, mas não me ocuparei disto por ora. Agora o princípio colorante existe no ar; deposita-se lentamente, e imprime-se através os clichês poligráficos, como a luz se imprime na fotografia; mas nesta arte, o nitrato de prata é muito caro, enquanto que na poligrafia o princípio colorante é tão barato como a tinta de escrever. Segue-se disto que se puserem 100 chapas diversas ou iguais, no assoalho de uma sala, imprimir-se-ão todas ao mesmo tempo. 2º Poder-se-á imprimir os maiores papéis, e mais largos tecidos, sem prensa, nem pressão alguma. 3º Poder-se-á reproduzir os quadros dos mestres da pintura, e os transportar sobre as paredes internas e externas das Igrejas, dos palácios, e das casas particulares.
1869 – O Dr. Otto Kupfer leva a Cassel e a Berlim, vinte provas diversas inimitáveis e me escreve que em Cassel um impressor-livreiro, propõe-se a incumbência de vender o processo mediante igual repartição do produto.
1870 – Em consequência disto, faço uma nova impressão, onde reconheço o seguinte: Existem meios de imprimir centos de mil provas inimitáveis, todas iguais, desde o começo até o fim. Resta-me agradecer ao Sr. Dr. Manuel Ferraz de Campos Salles e seus amigos, pelo interesse que tomam por meus trabalhos; são os primeiros campineiros que manifestam estas favoráveis disposições. Este fato tornaria injusta qualquer queixa de minha parte, sobre o que tenho passado há quarenta anos nesta cidade.
Campinas, 26 de julho de 1870.
Hércules Florence.
BIBLIOGRAFIA
As informações sobre Hercule Florence estão disponibilizadas por seu descendente, Florence Neto, no sítio: herculeflorence.blogspot.com.br
Théatre de La Photographie et de l’Image (www.tpi-nice.org)
Instituto Hercule Florence (http://search.ihf19.org.br/)
Hércules Florence (1804-1879) – Ensaio Histórico Literário, por Estevam Leão Bourroul
http://www.aperture.org/blog/light-writing-tropics/
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-47142014000200006&script=sci_arttext
Narrando viagens e invenções. Hercule Florence: amigo das artes na periferia do capitalismo – Tese de Pós-Graduação na FFLCH-USP, por Dirceu Franco Ferreira.