Ação ambiental

Ação ambiental desastrosa na passagem da tocha olímpica

30 de junho de 2016

Exército disse que Juma participou de revezamento por coincidência. CMA nega que onça estaria estressada por conta do evento da Tocha.

Juma foi exposta ao público, com correntes, na entrada de uma trilha

 

Na foto, ela aparece acorrentada, olhar fixo para a câmera, e está deitada, embora com a cabeça levantada. Não está em posição de alerta, realmente nem parece que está sob uma situação de estresse. Um observador atento e sensível ao mundo dos animais diria que Juma estava entregue, sem ânimo. Talvez tentando abstrair a confusão em volta que nada tinha a ver com seu mundo de animal selvagem. Resolveram tratá-la, a onça que se tornou mascote do Centro de Instrução de Guerra na Selva, como animal domesticado. Assim, levaram-na para a cerimônia de tocha das Olimpíadas, sem respeitar o quanto toda aquela confusão poderia fazer mal, mudar seu comportamento.
 
Depois do evento, Juma se alvoroçou, avançou sobre um veterinário, os homens em volta tentaram dopá-la com um tranquilizante, não conseguiram, mataram-na.  Em legítima defesa, claro. Quem não conseguiu se defender da lastimável e vergonhosa e desnecessária  – para dizer o mínimo – ação daqueles homens, foi Juma.
 
Na carta contendo um pedido de desculpas, a Organização dos Jogos Olímpicos Rio 2016  diz que matar um animal não faz parte de suas “crenças” nem de seus "valores”. Acho que dizer isso é mais ou menos como dizer o óbvio. Gostaria mesmo de ter respondidas algumas questões. Por que manter uma onça como mascote e permitir que ela fosse levada para o evento? Os cachorros são animais que, estes sim, servem para serem domesticados, o que os soldados daquele Centro têm contra isso? Há raças de cachorro fortes, grandes, se a questão é mostrar força e poder sobre o animal. Outra pergunta: por que acorrentar as onças para serem fotografadas junto à tocha olímpica? O que isso tem a ver com o espírito olímpico?
 
Esqueceram-se ainda, na carta, de lamentar um dado importante: a onça pintada, espécie de Juma, é um dos animais em extinção da Mata Atlântica. Nos últimos registros, deu-se conta de que só havia 200 entre o Espírito Santo e o Iguaçu, no Sul do Brasil. E só para registrar: onças, entre outras coisas, agem como polinizadoras, aumentando as chances de os seres humanos se alimentarem no planeta.
 
Certamente não terei respostas às minhas perguntas. Sem respostas, as dúvidas se sobrepõem. “Animais selvagens sempre serão animais selvagens”, alerta Diogo Lagroteria, analista ambiental e veterinário ouvido pelo G1. Homens serão sempre homens, eu acrescento. E, na grande maioria das vezes, para má sorte do meio ambiente ao redor. É por conta desse estágio de depredação à natureza causada pelo humano que os cientistas deram o nome à nova era do planeta: Antropoceno.
 
Juma fazia parte de uma espécie de mamífero que pode atingir até 2,41 metros e pesar 158 quilos. Por conta da pesca predatória, por conta da perda e da degradação de seu habitat, esta espécie está ameaçada de extinção na Mata Atlântica. Com o vergonhoso episódio de terça-feira, Juma é menos uma onça pintada no Brasil.
 
 Mas, para mostrar que os humanos podem ser capazes de ações tão disparatadas quanto nobres, a extinção da espécie de Juma incentivara, por exemplo, a aprovação do Plano de Ação Nacional para Conservação da Onça-Pintada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)  em 2014. Bem, mas isso foi no governo cujo mandato foi suspenso por senadores…
 
“Atualmente, as pequenas populações da onça-pintada, na Mata Atlântica, encontram-se encurraladas e isoladas em pequenas áreas, o que impede sua migração de um local para outro trecho de floresta, sem risco de abate e atropelamento. O PAN Onça-pintada, com prazo de vigência até junho de 2017 e monitoramento anual dos resultados, prevê a realização de estudos para reintrodução de onça no bioma e tentativa de reprodução em cativeiro, processo que envolverá uma série de instituições governamentais, de pesquisa e ONG, sob a coordenação do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap)”, diz um trecho do Programa.
 
Os militares do Centro de Instrução de Guerra na Selva, lá em Manaus, deveriam ter prestado atenção a isso antes de tomarem um animal desta espécie como mascote.
 
A situação da onça pintada é tão cuidadosa que a ONG Ampara Animal, em Jundiaí, está lançando uma campanha para arrecadar R% 500 mil, via crowdfunding, para devolver 16 dessas espécies que estão em cativeiro para o seu habitat natural. Essa história tinha chegado à minha caixa de correios eletrônico antes de a triste história de Juma receber os holofotes da mídia. Oportuna, a assessora replicou o email, dessa vez se referindo ao triste desfecho da história de Juma:
 
“A aproximação do homem com estes animais é cada vez mais perigosa, pois estão destruindo o habitat natural delas com o desmatamento da Mata Atlância. Isso as deixa mais presentes nas áreas urbanas”, diz o texto do release que recebi.
 
A questão – e sim, ainda é uma questão para mim – é que o dinheiro arrecadado na campanha vai servir para construir confinamentos para as onças – maiores do que os de hoje, é verdade, mas ainda assim confinamentos. O enredo dessa história é o seguinte: as onças estão se afastando do seu território em busca de comida. Quando invadem a área urbana, tornam-se perigosas, é claro. Umas são até mesmo atropeladas, outras são vítimas de maus caçadores, que erram o tiro e as deixam feridas. Enfim, toda sorte de atrocidades que as impede de voltar ao seu território. Essa ONG as ampara, mas está sem verba e, hoje, as mantém em cativeiros de 40 metros quadrados.
 
“Com esta campanha de crowdfunding, a ideia é construir seis recintos, com tamanho aproximado de 180m² de área útil. Eles serão enriquecidos com diversos elementos visando proporcionar qualidade de vida aos animais, como um lago para nadar, árvores, vegetação natural, platô para caminhada, caverna para se proteger, dentre outros. Cada recinto abrigará, confortavelmente, dois animais”, diz o texto do release.
 
Mas o objetivo final, asseguram, é devolvê-las para a selva assim que estiverem em condições. Torço por isso. O crowdfunding, que pretende arrecadar cerca de R$ 500 mil, se chama Toca da Onça e é fruto de parceria entre a OSCIP Ampara Animal, o Instituto 100% Animais e a Mata Ciliar.
 
Foto: Matheus Castro