NATURALISTAS VIAJANTES

O Príncipe e o Botocudo

9 de agosto de 2016

O Príncipe Maximilian e sua comitiva passam por Carapebuçu, Vila Nova de Almeida e chega a Quartel da Regência, na foz do Rio Doce

TERCEIRA PARTE

 

Uma excursão pelo rio Doce. Vale notar a exuberância da mata ciliar de um rio que o crime ambiental da Samarco quase que o levou a morte.

 
 
NA FOZ DO RIO DOCE
 
Passa por Carapebuçu, Vila Nova de Almeida e chega a Quartel da Regência, na foz do Rio Doce.  Anota com exatidão: “O Rio Doce nasce na capitania de Minas Gerais, formado pela junção do rio Piranga com o Ribeirão do Carmo: pois é depois dessa confluência que recebe o nome de Rio Doce”. O Ribeirão do Carmo vem dos lados de Ouro Preto e Mariana e o rio Piranga corta Ponte Nova, para se encontrarem nas proximidades de Santa Cruz do Escalvado.
 
Realiza uma expedição até Linhares e, na volta, demonstra sensibilidade na observação do gosto do mineiro: “Na jornada rio abaixo, visitamos o guarda-mor da Ilha do Boi, onde fez belas plantações de milho e mandioca. Percebemos logo, em sua casa, que era mineiro, porque se alimentava mais de milho do que de farinha de mandioca, o que constitui hábito característico dos habitantes dessa província. Para reduzir o milho a farinha, fazem uso de um pilão, denominado ‘preguiça’”. 
 
Em muitos lugares, o monjolo ainda é conhecido por ‘preguiça’.
 
Na povoação Barra de São Mateus, verifica que o rio, cujo nome brasileiro é Cricaré, ainda é habitado por manatis, “o peixe-boi dos portugueses”.
 
Na Vila de São José do Porto Alegre, “comumente denominada Mucuri”, encontra o mineiro Bento Lourenço Vaz de Abreu Lima, faiscador de pedras preciosas de Minas Novas, que desceu o rio Mucuri e pensava estar descendo o rio São Mateus. Bento Lourenço, acompanhado de um grupo 22 soldados e de voluntários armados, depois de vários anos abrindo à própria custa uma trilha, alcançou o litoral e foi recebido festivamente na vila. Maximiliano recolhe o relato das aventuras e das adversidades sofridas pelo grupo.
 
Nas florestas próximas de Mucuri, habitada pelos Pataxós, constata uma velha novidade: “As mulheres jovens consideram a pintura do corpo como o melhor meio de agradar os homens moços, razão por que trazem geralmente consigo um pouco de urucum”.
 
Espanta-se com a crueldade de um colono, “que levou para as florestas roupas usadas por pessoas motas de varíola, tendo perecido numerosos selvagens em consequência desse procedimento desumano”.
 
Tece loas ao coqueiro e seus frutos e se delicia com o “sabor agridoce e muitíssimo refrigerante” da água-de-coco, que é de “mau gosto nos cocos velhos que chegam à Europa”.
 
 
 
 
Expedição do grupo do príncipe Maximilian subindo o rio Doce
 
 
CHEGANDO A ALCOBAÇA
 
 
Atravessa o rio Peruípe, a vila de Viçosa e chega a Alcobaça, depois de passar por Caravelas. No labirinto formado pelas ilhas da região, o Sr. Freyreiss se perde e, apenas por sorte, a troca de tiros é ouvida e a aventura termina sem a tragédia prenunciada, depois de mais de um dia de angústia.
 
Numa manhã, o caçador Mariano consegue abater uma arara, de um bando que pousou nas proximidades do acampamento, para alegria de Maximiliano, que não possuía nenhum exemplar em sua coleção.
 
Descreve o uso dos mundéus pelos indígenas, armadilhas que permitiram enriquecer sua coleção de mamíferos.
 
No Morro da Arara, o grupo constrói alguns ranchos, com oficina de ferreiro e outras benfeitorias.
 
Reencontra o capitão Bento Lourenço, que avançara até o local. Na despedida dos desbravadores, acompanha o grupo por um tempo e registra em gravura o capitão, de chapéu de pele, enquanto toma a ‘jacuba’, que é uma mistura de água, rapadura e farinha de milho.
 
Atravessa o rio Alcobaça, “denominado Itanhaém no primitivo idioma”, e o rio Jucuruçu e chega a Vila do Prado, que diz ser menor que Alcobaça.
 
Passa por Cumuruxatiba, cujo nome deve ser impronunciável para um alemão. Maximiliano escreve ‘Comechatiba’ e ‘Currubichatiba’. Atravessa a barra do rio Cahi, o rio Corumbau e chega ao vilarejo índio de Cramimoã, que tem um destacamento militar com o nome de Quartel da Cunha. Pela descrição geográfica do príncipe, é a Caraíva de hoje. Atravessa o rio dos Frades, cujo nome é homenagem a dois frades franciscanos que nele se afogaram, ao tentar atravessá-lo na maré cheia, ainda no século XVI. Descreve a vila de Trancoso, nas vizinhanças da qual consegue apanhar um filhote de onça em um dos mundéus preparados.
 
 
 
 
No Morro da Arara, o grupo constrói alguns ranchos, com oficina de ferreiro e outras benfeitorias. Maximilian reencontra o capitão Bento Lourenço, que avançara até o local.
 
 
 
 
PORTO SEGURO A VISTA
 
 
Atinge Porto Seguro, sem mencionar a existência do Arraial d’Ajuda. Passa por Santa Cruz e aloja-se na povoação de Santo André.
 
Às margens do Rio Mogiquiçaba, depois de um longo jejum lácteo, consegue leite, “as vacas da região são bonitas e gordas, mas não dão tanto nem tão bom leite quanto as nossas da Europa, o que provavelmente se deve ao solo arenoso”.
 
Chega finalmente a Rio Grande de Belmonte. O rio carece ainda do nome Jequitinhonha, que o batizaria oficialmente depois de expedições mais detalhadas. Anota que a comunicação fluvial com Minas Novas, em Minas Gerais abastece a pequena vila.
 
A 17 de agosto de 1816, com duas canoas alugadas e equipadas, inicia uma excursão pelo rio até a região das Minas Gerais. Instala-se nas proximidades do Quartel dos Arcos e aproveita a ausência dos botocudos para examinar suas choças. Ao tentar um exame mais detalhado de uma sepultura indígena, “(…) me surpreendeu o curto, mas áspero som de uma voz rude. Voltei-me imediatamente e eis que bem atrás de mim estavam diversos botocudos! Nus e tisnados, como os animais da mata, mostravam-se com os grandes batoques de pau branco enfiados nas orelhas e no lábio inferior, arcos e flechas nas mãos. Confesso que o meu susto não foi pequeno; fossem eles hostis e seria traspassado pelas flechas antes eu os pudesse pressentir. Avancei destemidamente para eles, e todas as palavras da sua linguagem que me ocorreram à memória no momento, proferi-as. Apertaram-me ao peito, à maneira dos portugueses, bateram-me no ombro e pronunciaram, em voz alta, umas frases ásperas; quando viram, então, a minha espingarda de dois canos, exclamaram repentinamente, admirados; pun-uruhú (muitas espingardas)”.
 
 
 
 
As choças feitas no local chamado Morro da Arara
 
 
PRÓXIMA EDIÇÃO: Na edição 270, de setembro, o príncipe Maximilian encontra com os índios Botocudos e consegue uma preciosa encomenda para seu ex-professor na Alemanha: o crâneo de um botocudo.