Mudanças Climáticas
Novo filme de Leonardo DiCaprio adota tom mais pessimista sobre mudanças climáticas
3 de novembro de 2016por Amelia Gonzalez Uma boa sugestão para quem se interessa pela história do aquecimento global é assistir ao “Before the flood”, documentário com cerca de uma hora e meia de duração que tem como protagonista Leonardo DiCaprio, ator que virou uma espécie de arauto das mudanças climáticas. Desde ontem está disponível na internet… Ver artigo
por Amelia Gonzalez
Uma boa sugestão para quem se interessa pela história do aquecimento global é assistir ao “Before the flood”, documentário com cerca de uma hora e meia de duração que tem como protagonista Leonardo DiCaprio, ator que virou uma espécie de arauto das mudanças climáticas. Desde ontem está disponível na internet para quem quiser. DiCaprio passou dois anos viajando mundo afora e teve ajuda de pessoas que entendem do riscado para fazer o filme. O produtor executivo é nada menos do que Martin Scorsese e a direção é de Fisher Stevens.
O elenco do filme também tem nomes de peso: o ator conversou com o Papa Francisco, com Barack Obama, com John Kerry (secretário de Estado dos Estados Unidos), com Sunita Narain, do Centro para Ciência e Desenvolvimento de Nova Delhi. Dessa última ele levou uma reprimenda: um cidadão norte-americano consome o mesmo do que dez cidadãos da China, 34 da Índia e 61 da Nigéria. O excesso de consumo precisa, necessariamente, estar na agenda sobre mudanças climáticas se é que se quer levar a sério o problema, lembrou ela. DiCaprio concordou, engoliu em seco, seguiu em frente.
Já no aeroporto de Nova York, de volta para casa depois de uma das viagens que fez, a câmera acompanha o ator entrando em seu carro, dirigindo por uma autoestrada e refletindo a respeito de sua pegada de carbono. Faz uma espécie de mea culpa, o que o aproxima do espectador, já que mentalmente contabiliza o quanto de carbono que vem emitindo. E se pergunta, sabendo que não obterá resposta:
“Qual o jeito certo de se fazer isso?”
Nomeado em 2014 como “enviado das Nações Unidas sobre mudanças climáticas”, DiCaprio estreia seu segundo documentário a respeito dos efeitos que a industrialização e o consumo excessivo de combustível fóssil estão tendo sobre a natureza. Em “A Última Hora”, de 2007, seu recado era de que ainda havia tempo para mudar o cenário para melhor. Em “Before the flood” a mensagem não parece tão otimista.
Sem muito entusiasmo, uma das soluções que o documentário apresenta é a taxação de carbono, prática que vem sendo questionada pelos movimentos sociais e ambientais. Acabo de receber uma publicação da Fundação Heinrich Böll com uma série de artigos que expõem algumas incertezas com relação à eficácia de se estabelecer um imposto para quem emite mais carbonos. Ainda vou ler mais detalhadamente e contar detalhes aqui no blog. Mas a chave da questão, o que provoca a resistência maior, é que o carbono acabou se transformando em uma espécie de “nova mercadoria”.
“Da mesma forma que começamos a contar calorias, agora estamos aprendendo a contar carbono. Referimos ao carbono neste momento da nossa argumentação sem entrar em detalhes mais específicos: é a simiplicidade da ideia que a torna tão poderosa”, diz o texto organizado por Camila Moreno, Daniel Speich Chassé e Lili Fuhr. Voltarei a ele em outro momento.
Lembrei-me da contestação ao sistema de venda de carbono porque, na imagem, me pareceu que o próprio DiCaprio também não está muito convencido disso. Há um certo tom pessimista quando ele diz, baseado em fatos, que há décadas, quase meio século, a humanidade sabe que está causando um grande mal a si própria e ao planeta por causa de sua excessiva industrialização e consumo.
Um dos momentos mais marcantes do documentário é quando o avião sobrevoa e pousa em Kiribati, uma das nações-ilhas do Pacífico que estão numa espécie de corredor da morte por causa do aumento do oceano provocado pelo derretimento das geleiras do Ártico. DiCaprio entrevista Anote Tong, então presidente do pequeno país, que dá uma declaração forte:
“Temos que enfrentar a situação de que nós não seremos capazes de acomodar toda a nossa gente por causa das águas do Oceano que já estão avançando. Com a política de migração que lançamos, se uma pessoa quiser, hoje ela pode migrar para outro país”.
O problema, portanto, mais do que comprovado, não vai acontecer no futuro, mas já está acontecendo hoje, agora, em muitos lugares. Na China, DiCaprio conversou com um professor que lhe disse que cada vez mais as pessoas daquele país estão sentindo na pele o problema da poluição provocado pelo alto consumo do carvão.
“A China é a fábrica do mundo, está fabricando produtos para o mundo ocidental e muito da poluição dessa indústria está sendo jogada no nosso quintal”.
Numa área pequena, em torno de Pequim, o consumo de carvão é igual ao consumo total de carvão dos Estados Unidos, o que preocupa muito sobretudo os pais de crianças pequenas. Este será o legado que vamos deixar às futuras gerações? Uma série de doenças respiratórias e de pele que podem ser transmitidas pela atmosfera que respiramos?
DiCaprio talvez tenha preferido não se aprofundar numa questão que, no entanto, o tempo todo se mantém como pano de fundo em seu documentário. A desigualdade social é que traçará o caminho das maiores vítimas das mudanças climáticas. Na Índia, por exemplo, o documentário deu voz a pequenos agricultores que não conseguem mais garantir sua sobrevivência plantando cebola no território hoje alagado.
Na hora de eleger os vilões, DiCaprio não se intimidou. Pôs na tela o nome de algumas empresas poderosas do ramo alimentício– entre elas Quaker, Pepsico, Tyson, Kraft Heinz, entre outras menos conhecidas dos brasileiros – que contribuem para a devastação de uma das maiores florestas tropicais do mundo na Indonésia. Para tirar o óleo de palma, essas multinacionais queimam as árvores provocando incêndios intermináveis. Para se ter uma ideia, em 2015, quando o fogo começou a arder, emitiu-se mais carbono diariamente ali do que a economia norte-americana inteira, segundo informou Farwiza Farhan, presidente de uma organização não-governamental na Sumatra, dedicada a proteger o meio ambiente.
“O óleo de palma é um commoditie barato que está fazendo o lucro de várias corporações”, disse ela.
DiCaprio também vai até águas profundas, com um biólogo experiente, para mostrar como os seres marinhos estão também sendo impactados pelo aquecimento, como os corais já estão morrendo.Passeia também pelos corredores da Conferência das Partes que aconteceu ano passado na França, a COP-21, e pergunta para o secretário John Kerry: “Conferências e reuniões estão acontecendo há tanto tempo. Essa vai ser diferente mesmo?”
Kerry disse que sim, será diferente, porque agora estamos mais próximos da tragédia que os eventos extremos, a seca, as tempestades, a elevação do nível dos oceanos causam não apenas ao meio ambiente. Mas também aos humanos.
Essa tomada de consciência está custando a chegar aos países emergentes, pressionados que sempre foram pelo desenvolvimentismo. Mas a Suécia, por não ter problemas nesse sentido e por ser um país pequeno, está dando um exemplo e tanto: tornou-se livre de combustíveis fósseis em setembro desse ano. Aliás, foi esse o compromisso expresso pelos líderes das sete potências do G7 em junho do ano passado.
Vale a pena assistir ao documentário de DiCaprio e refletir com ele sobre as trilhas do aquecimento global.