BRASÍLIA 57 ANOS

Arborização X Arquitetura

6 de abril de 2017

Arborização de Brasília: Esplanada Revisitada

 

Brasília completa 57 anos. Inaugurada em 21 de abril de 1960, é a única capital do mundo que nasceu filmada e fotografada. Com a posse do presidente Juscelino Kubitschek, em 31 de janeiro de 1956, o Brasil deu uma reviravolta política, econômica e cultural. O país se redescobriu ao ocupar o grande vazio do Centro-Oeste e ver, em 5 anos, JK cumprindo todas as 30 metas prometidas em sua campanha. Trinta metas e mais uma, pois a construção de Brasília era sua meta síntese. A construção de Brasília fez o Brasil colher um novo País do Centro-Oeste, do Cerrado e da Amazônia. O próprio JK afirmou que “depois da construção de Brasília ninguém mais poderia duvidar de nossa capacidade técnica, do vigor de nossas indústrias, da competência de nossos engenheiros e arquitetos e da capacidade do trabalhador brasileiro. Brasília deixou atrás de si um passado de derrotismo e pessimismo e inaugurou uma nova era de autoconfiança e de otimismo”.
 
Mas, 57 anos depois, a cidade que plantou um novo conceito de urbanismo, de convivência e de relação homem/natureza tem também alguns senões, como no caso da arborização da Esplanada dos Ministérios. A monumentalidade de Brasília está na valorização dos espaços livres com gramados, arborização, jardins e parques. Segundo o Duque d'Harcourt, em seu livro ‘Des Jardins Heureux’, o espaço vazio é “a expressão do invisível, um centro em torno do qual tudo se ordena. É o equivalente do silêncio que constitui, não se deve esquecer, um dos componentes da eloquência”. 
 
 
 
 
A arborização bonita, aprazível e harmoniosa das Asas Norte e Sul contrasta com a improvisação da arborização da Esplanada dos Ministérios (Foto: Bento Viana).
 
 
 
Plantaram-se tantas árvores, sem nenhum critério, em pleno coração da Capital, que acabou por gerar uma grande confusão. Pior: árvores exóticas e inadequadas estão tapando totalmente as fachadas dos Ministérios. (Fotos: Silvestre Gorgulho)
 
 
 
 
A ARTE DA ARBORIZAÇÃO URBANA
 
A arborização urbana é uma arte. Exige profundos conhecimentos de estética e uma perfeita integração entre homem, natureza e prédios. Há que ter um convívio equilibrado, propiciando aos habitantes do meio urbano o prazer de um belo visual, paz de espírito e harmonia no viver diário.
 
As plantas, os parques e os jardins emolduram uma cidade. Fazem parte da paisagem de uma cidade. Na natureza está o lado romântico das cidades.
 
Todas as cidades têm seus monumentos, seus prédios característicos, muitas vezes tombados como patrimônio cultural. Os parques e, sobretudo a arborização  urbana, têm que fazer parte deste contexto. Não pode haver agressão – mas sim harmonização – entre os prédios e a natureza.
 
 
ARBORIZAÇÃO DE BRASÍIA
 
Falta harmonização e equilíbrio na Esplanada
 
 
 
 
Há falta de harmonização entre prédios e o paisagismo: árvores exóticas encobrem as fachadas. Árvores exóticas e inadequadas estão tapando totalmente as fachadas dos ministérios.
 
Brasília é uma cidade tombada pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. É a única cidade contemporânea tombada. Brasília foi planejada. É a própria cidade-monumento.
 
Durante anos, muitas intervenções pontuais e aleatórias foram sendo efetuadas nos grandes canteiros, no Eixo Monumental, na Esplanada dos Ministérios, sem qualquer preocupação com o conjunto e com a integração com o meio edificado. 
 
 

“A arborização da Esplanada dos Ministérios se assemelha mais a um sítio rural onde se cultiva, sem qualquer ordem ou técnica, um pomar misturado a um jardim e a uma horta”.
Carlos Fernando de Moura Delphim

 
 
Muitas intervenções nunca deveriam ter sido feitas. Plantaram-se tantas árvores, sem nenhum critério, em pleno coração da Capital, que acabou por gerar uma grande confusão. Pior: árvores exóticas e inadequadas estão tapando totalmente as fachadas dos Ministérios.  
 
A Esplanada, hoje, se assemelha mais a um sítio rural onde se cultiva, sem qualquer ordem ou técnica, um pomar misturado a um jardim, a uma horta, de um modo típico de quem desconhece a arte de lidar com a natureza e com a estética. 
 
Muitos habitantes, guiados pelas melhores intenções, se viram no direito de inserir sua marca pessoal na paisagem, sob a forma de um mogno, uma mangueira, uma jaqueira, um pé de jamelão. Em muitos lugares não se vê a menor preocupação de estender à vegetação a ordem que criou a cidade e que a tornaram um bem cultural singular em todo o planeta. 
 
 
ARBORIZAÇÃO X ARQUITETURA
 
Assim, ainda que na melhor das intenções, plantou-se de tudo na Esplanada. No seu livro "Manual de Intervenções em Jardins Históricos", o arquiteto e paisagista do IPHAN, Carlos Fernando de Moura Delphim lembra muito bem que "o estrato arbóreo é um elemento quase arquitetônico. Uma árvore pode vir a assumir uma dimensão mais impactante que o próprio prédio". E é, justamente, o que está acontecendo em Brasília.
 
Carlos Fernando de Moura Delphim, um dos paisagistas preferidos de Oscar Niemeyer, deixa claro que "projetada para automóveis, Brasília não precisa ser inóspita para os pedestres que não encontram qualquer aconchego na travessia de alguns de seus grandes gramados. Corredores de sombra e frescura poderiam ser criados de forma ininterrupta, curvos e sinuosos, em contraposição á geométrica e retilínea malha da cidade e sem se chocarem com suas formas".
 
 
JOGO DE 4 ERROS NA ARBORIZAÇÃO
 
Os erros que precisam ser corrigidos, segundo Carlos Fernando de Moura Delphim:
 
1  – Nas imediações de belas edificações, foram plantadas árvores exóticas cujo porte adulto, muitas vezes, nem é ainda conhecido no Brasil. Ao crescerem, as árvores vão obstruindo e ocultando totalmente a visão de prédios que foram projetados para serem livremente contemplados. 
 
2  – Figueiras e mognos foram plantados em renque ao longo de alguns ministérios. Essas árvores têm um porte tal que estão tornando o conjunto de prédios bem menos significantes. Há uma competição entre as árvores e os ministérios.
 
3  – Há, ainda, o inconveniente das raízes causadoras de ruínas, como as chamou Guimarães Rosa.
 
4  – A vegetação do grande canteiro existente diante do Hotel Nacional e que deveria emoldurar a vista que se tem da edificação, não tem qualquer utilidade prática, seja do ponto de vista estético, seja do ponto de vista ambiental. Arvoretas raquíticas não chegam a constituir um conjunto aprazível para os olhos nem se prestam à função de sombrear e refrescar.
 
Medida compensatória: para cada árvore cortada na Esplanada, será plantada uma centena de outras em áreas adequadas.
 
 
OS CHEIOS E VAZIOS NA PAISAGEM DE BRASÍLIA
 
Diz o arquiteto-paisagista Carlos Fernando que é extremamente importante saber a exata medida entre os cheios e os vazios na paisagem de Brasília. "A idéia de Oscar Niemeyer em deixar amplos espaços cívicos livres e desocupados, como forma de valorizar sua arquitetura, deve ser integralmente respeitada. Entretanto as intervenções de plantio, onde se justificam, não devem ser tímidas, mas devem se integrar a esses vazios, servindo ao conforto e ao prazer estético da população". 
 
"Quando isoladas – lembra Carlos Fernando – antes parecem se separar do que se integrar à paisagem. Competem com o todo, subtraem, ao invés de colaborar, de acrescer. Como Brasília ficaria bela se novas espécies de árvores de floração deslumbrante fossem aqui introduzidas e se as espécies já existentes viessem a constituir conjuntos harmoniosos! Se manchas de cores vibrantes atravessassem seus espaços, se interpenetrassem, criando um novo desenho em contraponto ao lógico ordenamento urbano. Existem árvores de aspecto semelhante ao ipê com flores cor de sangue ou azuis e em outros tons também intensos de amarelo, roxo, branco e rosa. Muitas dessas árvores são nativas, outras exóticas e muitas nunca foram usadas na arborização urbana".
 
 
ÚNICA SAÍDA
 
Como o tema é polêmico, técnicos propõem criar uma comissão: IPHAN, Unesco, Ibama, Secretaria de Habitação e Urbanismo, Secretaria de Cultura e Ministério da Cultura para fazer um projeto de revitalização para adequar a arborização do Eixo Monumental e da Esplanada dos Ministérios à arquitetura de Niemeyer. A Comissão indicaria as intervenções capazes de valorizar aquilo que Brasília tem de mais singular: seus grandes vazios. Aí, então, seriam organizados os novos plantios. E, quando for necessário e justificável, indicando os espécimes arbóreos cujos inconvenientes recomendam sua supressão, observando atenciosamente se a avifauna não se utiliza destas árvores para nidificar. Assim sendo, espera-se até que os filhotes estejam adultos e, portanto, aptos a se mudar para outros locais. Nesse caso, seria adotada uma Medida Compensatória: para cada árvore cortada na Esplanada, será plantada uma centena de outras em áreas adequadas.
 
 
 
 
 
 
As árvores acabam assumindo uma dimensão mais impactante que os próprios prédios
 
 
 
Além de encobrir os prédios dos ministérios, as árvores plantadas sem o menor estudo paisagístico  passam a esconder comércio clandestino, camelôs e até outras irregularidades.
 
 
 
 
DEZ MANDAMENTOS DA ARBORIZAÇÃO URBANA
(por Silvestre Gorgulho)
 
 
I – Plantar espécies nativas da região. 
 
II – Adequar a espécie ao espaço disponível e à arquitetura para não haver agressão e sim harmonização entre prédios e natureza urbana.
 
III – Planejar a arborização de tal modo que a cidade esteja florida o ano inteiro.
 
IV –  Estudar o sistema radicular das árvores plantadas para que ele não interfira em redes subterrâneas e edificações.
 
V – As espécies frutíferas podem atrair pássaros, o que é bom, mas em áreas muito próximas às residências e edificações comerciais podem também atrair animais indesejáveis, como morcegos.
 
VI – Não realizar podas desnecessárias, interferindo o mínimo possível na arquitetura da copa das árvores.
 
VII – Fazer a poda apenas dentro dos padrões técnicos recomendáveis, ouvindo sempre o órgão responsável pela arborização.
 
VIII – Abolir completamente machados e facões na poda das árvores, utilizando instrumental adequado, como motosserra, facilitando a recuperação das cicatrizes nas plantas.
 
IX – Manter canal de comunicação permanente com a população para atender aos pedidos urgentes de poda, preservando assim a credibilidade da instituição governamental.
 
X – Não plantar árvores na estação da seca, evitando-se a onerosa e ineficiente irrigação por meio de carros-pipas ou consumo de água potável da rede pública.