A epopeia dos naturalistas viajantes continua. Muitos botânicos aventureiros se embrenharam pelas matas, rios, montanhas, tribos indígenas pesquisando flora, fauna, grutas, povo, cultura e a alma tropical brasileira. Cortaram o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Todos eles vieram para o Brasil por uma paixão desenfreada pela mega diversidade do solo brasileiro. Todos deixaram a tranquilidade e o conforto da Europa para enfrentarem condições difíceis e terras inóspitas em busca do conhecimento. Relatórios, desenhos, pesquisas e estudos aprofundados da natureza exuberante e misteriosa de um país continental chamado Brasil estão hoje em várias universidades, bibliotecas e academias de ciências espalhados pelo mundo. Estamos na quarta parte da aventura de Georg Wilhelm Freyreiss (1789-1825), Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855) e de Guido Thomaz Marlière (França 1767 – Minas Gerais 1836). As coleções feitas por Freyreiss enriqueceram a Academia de Ciências da Suécia. Georg Freyreiss viajou pela Província de Minas Gerais em companhia do Barão Eschwege, que vai a Abaeté para inspecionar a prospecção de chumbo na região. Eschwege teve importância na modernização das práticas extrativas de minerais, pois ele foi como pioneiro da indústria siderúrgica brasileira.
O Espinhaço são todas essas serras montanhas, montes, vales formados pelos mesmos fenômenos geológicos acontecidos há bilhões de anos.
Serra da Moeda, Serra da Gandarela, Serra do Caraça, Serra da Piedade, Serra do Curral, Serra dos Alves, Serra do Cipó, Chapada Diamantina, Serra dos Cristais, Serra de Ouro Branco, Serra Geral são alguns de seus trechos popularmente conhecidos, vulneráveis cada vez mais ao apetite voraz das mineradoras, das plantações de eucaliptos e de outros inimigos da natureza. O Espinhaço são todas essas montanhas, serras, montes, vales formados pelos mesmos fenômenos geológicos acontecidos há mais de 2,5 bilhões de anos, no período conhecido como ‘proterozóico’. Na Serra do Cipó, encontra-se o maior endemismo, ocorrência de alguma espécie em apenas um lugar ou região, da flora e da fauna brasileira.
Formando um corredor natural com o Caraça, a serra da Gandarela é a última área ainda bem preservada de toda a região – com significativa extensão de Mata Atlântica.
Uma das mais belas paisagens do planeta, o Espinhaço espalha seu poder de sedução pelos quatro cantos do mundo. A ex-primeira dama francesa, a ativa Danielle Miterrand (1924-2011), presidiu até sua morte a fundação France Libertés – Fondation Danielle-Mitterrand e, dentre várias atividades sociais, se empenhou no movimento pela criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. Em cerimônia realizada no dia 22 de setembro de 2005, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, foi entregue ao Estado de Minas Gerais o diploma de certificação concedido pela Unesco. Madame Miterrand visita a Serra do Espinhaço em companhia de José Carlos de Carvalho, então Secretário de Estado de Meio Ambiente, e sintetiza assim nossa proposta de vida: “O que buscamos é tentar criar a sociedade do bom senso”.
A ex-primeira dama francesa, a ativa Danielle Miterrand (1924-2011), presidiu até sua morte a fundação France Libertés – Fondation Danielle-Mitterrand e se empenhou no movimento pela criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço.
Num ritual sagrado, o índio reverencia Danielle Miterrand pelo apoio para criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço.
MARTIN WILHELM KUHNE
O humanista e ambientalista Martin Wilhelm Kuhne adotou a Serra e fez de sua pousada em São Gonçalo do Rio das Pedras, na região do Serro, o centro de seu mundo. Martin morreu poeticamente na noite da passagem de 2013 para 2014, aos 74 anos, durante uma caminhada noturna nos fundos de sua casa. Costumava dizer aos amigos: “prefiro morrer durante uma caminhada na Serra do Espinhaço que em alguma cama confortável na Europa”. Seu desejo manifesto se cumpriu e, na virada daquele ano, Martin se integrou definitivamente às lapas, canelas-de-ema e sempre-vivas do Espinhaço, serra que ele amou de paixão.
A Pedra do Elefante. Por Bernardo Pühler.
O lendário guitarrista de rock da banda Led Zeppelin, Jimmy Page, também foi proprietário de uma casa no Vale do Capão, em Lençóis, na Chapada Diamantina e, de certa feita, trouxe seu parceiro Robert Plant para conhecer os ermos do Espinhaço. Parece que, cansado de ouvir ‘toca Raul’ nas rodas de violão noturnas em Lençóis e criticado pela tentativa de apresentar alguns dos velhos sucessos de sua banda, achou mais prudente abandonar aquelas reuniões onde a tolerância filosófica não é bem acolhida. Entre um fuminho e outro, alguém teria criticado: “Que mané! Não conhece Raul e nem Led Zeppelin toca direito”.
“Que mané! Não conhece Raul e nem Led Zeppelin toca direito”.
Superpopulação, mineração predatória, monoculturas e extração ilegal de plantas e animais se tornam os principais inimigos da preservação desse importantíssimo patrimônio. Até uma Universidade, a UFVMJ – Universidade Federal dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha – assume proporções assustadoras e ocupa grande área do cerrado em terreno que seria de ‘preservação permanente’, no entorno do Parque Estadual de Biribiri.
PRÓXIMA EDIÇÃO – 278 – Maio de 2017 – Os duendes da Serra do Espinhaço são vários. Resta a nós pedirmos a proteção do Espinhaço através de seus exotéricos representantes como José Patrício, o Juquinha da Serra, morador de alguma lapa no Alto do Palácio; Domingos Albino Ferreira, o Dominguinhos da Pedra, que viveu 42 anos em uma pedra em Itambé do Mato Dentro e faleceu em janeiro de 2011 e foi tema do documentário “A Alma de Osso”, de Cao Guimarães; e Mozart Xavier de Senna, o Mozart da Chapada, uma espécie de guardião do altiplano que divide as cabeceiras dos rios Preto, Araçuaí e Soberbo, no Alto Jequitinhonha.