Antártida

‘Rompimento de plataforma de gelo na Antártida pode ter efeitos terríveis’, diz cientista americano

4 de julho de 2017

Iceberg gigante está prestes a se desprender da plataforma Larsen C, cortada por uma grande fenda. Em entrevista à DW, cientista americano fala sobre o fenômeno e sobre a política climática de Trump.

 

Fenda separa plataforma de gelo Larsen C do continente antártico (Foto: John Sonntag/Nasa)

Fenda separa plataforma de gelo Larsen C do continente antártico (Foto: John Sonntag/Nasa)
 
 
 
 
Uma grande fissura ameaça romper a plataforma de gelo Larsen C, localizada na Península Antártica. Com o rompimento, se desprenderia da massa de gelo flutuante um iceberg gigante, de cerca de 5 mil quilômetros quadrados, o que equivale a cerca de quatro vezes à área da cidade do Rio de Janeiro.
 
Com o derretimento do gelo antártico, os cientistas acreditam que o pedaço de gelo deverá se soltar em breve, acarretando consequências dramáticas. Além disso, a saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris e os cortes nas verbas de pesquisas científicas estipulados por Trump poderão dificultar estudos futuros sobre as mudanças climáticas.
 
Em entrevista à Deutsche Welle, John Abraham, professor de Ciências Térmicas na Universidade São Thomas, em St. Paul, no estado de Minnesota, falou da importância da Larsen C e sobre como a comunidade científica está lidando com as ações de Trump.
 
"Estávamos com muito medo que os Estados Unidos permanecessem no Acordo de Paris e o sabotassem por dentro", disse o cientista.
 
DW: Quais seriam as consequências do desprendimento dessa grande porção de gelo da Larsen C no oceano?
 
John Abraham: Falando francamente, as consequências poderiam ser terríveis, mas não sabemos exatamente. Essas plataformas de gelo estabilizam os mantos de gelo [geleiras continentais] – mas, quando elas se partem, podem criar uma situação de instabilidade. O que os cientistas realmente querem saber é o que vai acontecer quando essa placa de gelo romper.
 
Quando se espera que isso aconteça e como vamos saber?
 
Os cientistas sabem que irá acontecer porque estamos assistindo em tempo real. Uma grande rachadura — às vezes chamada de "fenda" — se formou, e podemos vê-la progredir dia a dia, semana a semana. A fissura já se estendeu por quase toda a placa de gelo.
 
Não se trata da primeira vez que isso acontece. Porções das plataformas de gelo Larsen A e Larsen B também já se desprenderam. Desde quando esse fenômeno se observa?
 
A Larsen A, uma das menores plataformas de gelo, desintegrou-se em 1995. Ela foi seguida por Larsen B, que colapsou dramaticamente em 2002, em questão de poucas semanas. E agora temos Larsen C, que vem se desintegrando ao longo de 2016 e 2017. Em termos de tempo de vida dessas plataformas, trata-se de uma sucessão muito rápida de colapsos.
 
Essas ocorrências são naturais ou resultado da ação humana?
 
Esse é um debate subjetivo — mas muitos cientistas acham que é devido ao aquecimento do planeta provocado pelo homem. O aumento da produção de gases do efeito estufa, que armazenam o calor, por seres humanos, resulta tanto no aquecimento do ar quanto dos oceanos. Assim, essas placas de gelo sentem o aquecimento tanto na parte de baixo quanto na parte de cima — e sabemos que isso afeta a saúde da plataforma de gelo.
 
A questão é: ela teria desmoronado naturalmente? Ou o aquecimento provocado pelo homem foi "a gota d'água", por assim dizer? Muitos cientistas acreditam que isso é um sinal do que está por vir. E é isso que realmente nos preocupa.

 

Sobre a superfície da plataforma gelada Larsen C, são observadas lagoas de água derretida (Foto: BAS)

Sobre a superfície da plataforma gelada Larsen C, são observadas lagoas de água derretida (Foto: BAS)
 
 
 
 
 
Quais são as consequências de todo aquele gelo se soltar no oceano?
 
Os cientistas sabem que os níveis dos oceanos estão subindo alguns milímetros por ano. Mas vemos que esse aumento tem acelerado cada vez mais. Se você perguntar aos oceanógrafos como os mares vão estar por volta de 2100, a opinião geral é que o nível das águas estará um metro acima do atual.
 
Isso vai resultar num deslocamento de pessoas em todo o mundo. Nos EUA, a cidade de Miami é a nossa garota-propaganda para a ameaça do nível do mar. A cidade será perdida e não há nada que se pode fazer para salvá-la. É algo impressionante se você pensar em termos de custos econômicos e consequências sociais de ter de realocar cidades inteiras e partes de países.
 
Mesmo assim, o presidente Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris. Em sua opinião, quais as chances de o governo americano mudar sua atual trajetória em termos de mudanças climáticas?
 
Na noite da eleição, os cientistas sabiam que o presidente Trump iria retirar o país do Acordo de Paris. Finalmente, escutamos a notícia oficial [no início de junho] – e para muitos de nós, isso trouxe estranhamente uma sensação de alívio.
 
Estávamos com muito medo que os Estados Unidos permanecessem no Acordo de Paris e o sabotassem por dentro. Agora, sem Washington, outras nações têm a chance de liderá-lo. E sabemos que a economia está impulsionando a implantação de energias renováveis em todo o mundo, e que países como a China estão tomando grandes passos para se tornar líderes globais.
 
Também estou esperançoso de que outros Estados avancem e tomem o lugar de liderança dos EUA nesta área. Mas isso me entristece, porque significa que nos Estados Unidos, por exemplo, vamos comprar painéis solares e usinas de energia eólica de outros países. Nós não vamos exportá-los. Assim, trata-se de uma verdadeira oportunidade para outras nações, e de uma enorme perda econômica para os EUA.
 
E com a saída dos EUA do Acordo de Paris, quais serão as consequências para as pesquisas sobre o clima?
 
O governo Trump quer cortar drasticamente os gastos com a pesquisa climática. Ou seja: fechar os olhos e os ouvidos dos cientistas de forma que não saibamos o que está acontecendo em lugares como a plataforma de gelo Larsen C. E isso seria devastador para a nossa compreensão das mudanças climáticas.
 
Mas isso é, novamente, uma oportunidade para outros países se tornarem líderes na ciência, para avançar e substituir alguns dos fundos que os EUA vão cortar. Se esses cortes de fundos americanos não forem substituídos por outros países, será um desastre absoluto para a nossa compreensão do clima na Terra.