Entrevista

O perigo está no ar

12 de setembro de 2017

Entrevista Andreza Amaral

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(Foto – Maarten Visser/Wikipedia)

 

O perigo está no ar. E a polêmica também. Existe um problema sério no Brasil e no mundo inteiro que é o risco de colisões entre aves e aeronaves. Em alguns aeroportos, o problema é maior porque existem focos de atração das aves, como lixões e aterros sanitários. Envolvidos neste debate e buscando soluções, estão vários órgãos como o Ibama, Infraero, DAC, sindicatos e as próprias companhias aéreas. Várias comissões trabalham constantemente para encontrar soluções e evitar – segundo os pilotos – essa "roleta russa" a cada decolagem e aterrissagem. Diante do problema, foi criado em 2002, o Centro de Pesquisa de Avifauna em Aeroportos – CPAA para buscar uma solução. O CPAA trabalha em parceria com o Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente – Lima/Coppe/UFRJ, e com a Superintendência do Meio Ambiente da Infraero. Em novembro, o Brasil vai sediar uma Conferência Internacional de Perigo Aviário, no Rio de Janeiro.
 
 
Folha do Meio – Há conflito entre o Ibama, a Aeronáutica e a Infraero quanto abater as aves próximas às pistas de pouso?
 
Andreza Amaral – Para o Ibama, o abate seria o último recurso, apenas no caso de todas as outras alternativas terem se esgotado. Há casos que sou favorável ao controle da população, mas aí seria pela retirada de ninhos e ovos. É um controle menos violento. Claro que o abate é uma forma imediatista de acabar com um problema.
 
A forma correta de se acabar com este problema é atuando nas suas causas, não na sua conseqüência! Tem-se que acabar ou controlar os focos de atração das aves. Até porque, o nicho disponibilizado pelo abate tende a ser momentâneo, pois outras aves possivelmente virão ocupá-lo.
 
 
FMA – Os riscos que os aviões correm são, na verdade, pelo problema da má disposição dos resíduos sólidos das cidades. Enquanto houver lixões, haverá aves. Enquanto os lixões permanecerem próximos aos aeroportos, haverá esta polêmica. Como resolver o problema?
 
Andreza – Este é um problema que compete mais à administração pública dos Estados e dos Municípios. Eles são mais responsáveis do que o próprio Ibama, ou a Infraero ou a Aeronáutica. Apesar de existir toda uma legislação que rege o uso do solo na Área de Segurança Aeroportuária, raramente ela é cumprida, seja por negligência ou por conveniência. Pois, infelizmente, as coisas não são tão bem conduzidas no nosso país.
 
É possível haver a liberação de uma construção inadequada numa área, sendo seu embargo muito mais complicado após a obra ter início. A única forma de resolver este problema, a meu ver seria, primeiro, o cumprimento da legislação. Depois, há que ter uma campanha de conscientização da própria sociedade e das populações sobre os riscos de se colocar o lixo no entorno dos aeródromos.
 
 
FMA – Quais os aeroportos que mais preocupam o Ibama?
 
Andreza – O Cemave/Ibama atende demandas de todo o Brasil. E evidente, em defesa da sociedade, seja na segurança dos vôos, seja na defesa da natureza. De um modo geral, os aeroportos que têm mais problemas são os que têm lixões na Área de Segurança Aeroportuária. O Cemave já participou de atividade nos aeroportos do Rio de Janeiro, Salvador, Manaus, Imperatriz, Cuiabá, Paulo Afonso, Petrolina, João Pessoa, Natal, Fernando de Noronha, Porto Alegre, Aracajú e Teresina, tanto como colaborador na emissão de pareceres e sugestões de soluções, como implantando ações de manejo da avifauna, principalmente de urubus-de-cabeça-preta. Essa é uma das espécies mais populosas no entorno de aeroportos, justamente por causa dos lixões.
 
Existem, também, problemas nos aeroportos de Manaus, Guarulhos, Florianópolis e Joinville.
 
 
FMA – Será que o governo como um todo (Aeronáutica, Ibama, Infraero, Prefeituras, etc) não pode dar prioridade ao tema e resolver de vez esse problema dos lixões?
 
Andreza – Questões que envolvem mais de uma instituição sempre são mais difíceis de serem resolvidas. Cada órgão tem suas prioridades, suas características administrativas, seus objetivos específicos e sua cultura. Mas sempre há a posição política, o desejo do governo como um todo. A única coisa que sei é que a parte mais fraca nesta demanda são as próprias aves.
 
O Cemave busca atender da melhor forma esta demanda. Os técnicos do Ibama acompanham os problemas, emitem parecerem e sugestões buscam soluções compartilhadas. Existe também em alguns casos, a necessidade da intervenção do Ministério Público.
 
 
FMA – Existe uma legislação para tratar deste problema?
 
Andreza – Não existe uma legislação própria para nortear a solução do problema já instalado. A ausência desta legislação torna o andamento das soluções mais difícil e mais lento.
 
 
FMA – Quais os aeroportos brasileiros que tiveram licença ambiental para serem construídos?
 
Andreza – Teoricamente, um empreendimento como o de um aeroporto só deve ser realizado após análise e emissão de licença. No entanto, algumas regrinhas óbvias não foram obedecidas, o que pode gerar problemas. É evidente que construir um aeroporto ao lado de um lixão, de um rio, do mar ou até mesmo de um porto ou marina onde atracam barcos pesqueiros é saber que vai ter problema. De uma forma geral, são poucos os aeroportos que não apresentam problemas com a avifauna. Justamente pelo adensamento das cidades, pelo mau uso do solo e porque as cidades vão crescendo em direção aos aeroportos.
 
 
 
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Polêmica no ar
 
Risco de colisão entre aves e aeronaves
Na decolagem e aterrissagem, pilotos continuam enfrentando
uma "roleta russa" devido ao choque com urubus e quero-queros
 
Silvestre Gorgulho
 
 
 
O Centro de Pesquisa de Avifauna em Aeroportos tem por objetivo avaliar o risco de colisão entre aeronaves e aves nos diferentes sítios aeroportuários do Brasil. O projeto, na quarta fase de pesquisa, se chama "Ave como fator de risco para a aviação" e está na busca de soluções nas proximidades de aeroportos do Brasil. A equipe de estudo é formada pelos pesquisadores Giovannini Luigi, Fernando Moura e Mônica Magnani.
 
 
Grandes jatos ou pequenas aeronaves, todos aviões correm risco e podem sofrer sérios danos quando atingidos por aves em pleno vôo.
 
 
Segundo Mônica Magnani, bióloga da UFRJ, todo o esforço é no sentido de minimizar as chances de ocorrência de incidentes e acidentes aéreos que resultem da colisão entre aves e aeronaves civis e militares, no solo ou no ar. "Para isso – diz ela – estamos identificando os focos de atração das aves, avaliando, tratando, gerenciando e propondo soluções de casos, além de um estudo de ações necessárias a serem feitas no meio ambiente natural e antrópico. Sempre buscando desestimular a presença de aves nos aeroportos e entorno".
 
 
Focos de atração
 
Para Mônica Magnani, os principais empecilhos encontrados são do conhecimento de todos: os lixões a céu aberto. "O lixo urbano é foco de atração para as aves que buscam alimentos em processo de decomposição. Também áreas alagadas, próximas aos aeroportos, atraem as aves. Além de serem fonte de alimento, servem para saciar a sede ou, até mesmo, para se refrescarem", explica a bióloga.
 
A verdade é que, com o crescimento urbano desordenado, com as políticas de saneamento lentas e inadequadas e com o aumento do número de vôos, o número de incidentes e acidentes vem aumentando. E não é só no Brasil. É no mundo todo.
 
No Brasil, salienta Mônica Magnani, o tema ganha cada dia mais importância, sobretudo depois que o Cenipa – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – disponibilizou um banco de dados atualizado com base em relatos de colisões ocorridas.
 
 
Manual de Perigo Viário
 
Só no ano de 2004, as empresas aéreas brasileiras contabilizaram 2,5 milhões de dólares em prejuízos provenientes de colisões. Informa a bióloga que o próprio CPAA está hoje comprometido a elaboração do Manual de Perigo Aviário para Aeroportos da Rede Infraero e com uma revisão bibliográfica do Manual de Perigo Aviário para Aeroportos da Rede Infraero. "É importante fazer a quantificação e discriminação das espécies de aves e o mapeamento dos diversos ambientes relacionados à ocorrência de cada uma das espécies relatadas" diz ela. Mônica Magnani explica que os trabalhos de pesquisa em campo vem ocorrendo em diversos aeroportos do Brasil, como: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Manaus, Maceió, Belo Horizonte e Salvador.
 
No Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, foram identificados cerca de 64 espécies de aves que se alimentam, nidificam ou apenas cruzam o espaço aéreo. As mais comuns são a garça-grande-branca (Casmerodius albus) o caracará (Caracara plancus), o quero-quero (Vanellus chilensis) e o urubu (Coragyps atratus).
 
Todos os estudos do CPAA e todas nossas parcerias são de fundamental importância – salienta Mônica Magnani. "Imagina – diz ela – que uma ave de aproximadamente um quilo e meio ao se chocar com uma aeronave a 600km/h gera um impacto de cerca de cinco toneladas. Sendo assim, os incidentes ou acidentes resultantes de colisão de aeronaves com aves representam um perigo real para a aviação. No caso do Brasil, para a vida de cinco milhões de passageiros que usam os aviões como meio de transporte".
 
Evento internacional no RJ
Vale ressaltar que esses riscos de acidentes entre aves e aeronaves não estão restritos ao Brasil. "A situação é igual no mundo todo, lembra o Major-aviador Flávio Antônio Coimbra Mendonça, do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa. "É bom lembrar – diz Coimbra Mendonça – que nossos trabalhos vêm sendo reconhecidos e o Brasil foi até convidado para sediar a Conferência Internacional de Perigo Aviário, a ser realizado no Rio de Janeiro, de 28 de novembro a 2 de dezembro deste ano. Esse evento tem o aval da Organização de Aviação Civil Internacional, Nesta mesma ocasião ocorrerá, também, o Terceiro Seminário Internacional de Perigo Aviário, que terá a participação de palestrantes de todos os continentes.
 
 
 
 
Prejuízo das empresas aéreas
 
Só em Porto Alegre, cinco acidentes este ano
 
Empresas aéreas tiveram prejuízos de mais de US$ 7 milhões por colisão de pássaros nos aeroportos no ano passado, diz o major-aviador Flávio Antônio Coimbra Mendonça, Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa. Segundo Coimbra Mendonça, no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, ocorreram pelo menos 15 acidentes, de 2003 a 2005. E de maio e junho deste ano foram cinco. Para o major-aviador, a desordenada ocupação de áreas vizinhas aos aeroportos brasileiros é um dos motivos das colisões, principalmente no que diz respeito ao uso inadequado do solo urbano.
 
"A deficiência na coleta, tratamento e destinação final do lixo dos municípios é o fator de atração dos urubus-da-cabeça-preta que são responsáveis por 56% das colisões no País em que a espécie de ave pode ser identificada", explica.
 
Um pássaro que pese dois quilos gera um impacto de sete toneladas em uma aeronave cuja velocidade seja de 300 km/hora que é a média de aproximação para pouso. A colisão das aves com os aviões ocorre com freqüência na asa, motor e cabine do piloto", acrescenta Mendonça.
 
Em Porto Alegre, a preocupação é com os quero-queros, além de garças e andorinhas. Este ano, a Infraero registrou a presença de 81 aves quero-quero, falcões e garças na região do aeroporto. Para o superintendente-adjunto da Infraero, Marco Aurélio Franceschi, a preocupação é com a cabeceira 29 da pista, onde residem os moradores das vilas Dique e Nazaré, que depositam lixo e atraem as aves. "Sempre recolhemos o lixo, para evitar uma tragédia", acrescenta.
 
A Infraero espera a remoção das famílias por dois motivos: a ampliação da pista em mil metros e a eliminação do risco de acidentes.
 
 
 
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Conama e Projeto de lei
 
Existe a resolução número 4 do Conama, de outubro de 1995, que proíbe a instalação de atividades atrativas de aves dentro da área de segurança aeroportuária. Porém não prevê punições. Existe, também, um projeto de lei em andamento na Câmara dos Deputados que é mais detalhado e prevê vários tipos de sanções.
 
 
Projeto de Lei 4464/2004
 
Autor: Deputado Deley (PV-RJ)
 
Ementa: Estabelece medidas para o controle de avifauna nas imediações de aeródromos.
 
Explicação: Estabelece normas para redução do risco de acidente ou incidente aeronáutico decorrente de colisão de aeronave com ave, dispondo que a exploração de aeródromo dar-se-á no âmbito da Área de Segurança Aeroportuária – ASA.
 
Despacho: Às Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Viação e Transportes e Constituição e Justiça e de Cidadania (Art. 54 RICD) – Art. 24, II.
 
 
Acidentes desde 1912 até 2005
 
 
As colisões das aves com aviões ocorrem com freqüência na asa, motor e cabine do piloto
 
 
Uma ave de um quilo e meio ao se chocar com uma aeronave a 600km/h gera um impacto de cinco toneladas
 
 
Embora, na maioria das vezes, os impactos produzam danos leves às aeronaves, cerca de 11% dos incidentes geram conseqüências que podem afetar seriamente a segurança do vôo, diz o editor da Air on Line, Edmundo Ubiratan. Segundo ele, mesmo que o acidente não seja fatal, dado os novos materiais com que são feitos os motores, o custo de recuperação do motor de um grande avião muitas vezes ultrapassa os US$ 4 milhões. Alguns acidentes famosos de colisão de 1912 a 2005:
 
Em 1911, o americano Calbraith Rogers ganhou um prêmio de 20 mil dólares ao atravessar, a bordo do Vin Fiz Flyer, os Estados Unidos de costa a costa, Foram 5 mil km, 68 escalas e 16 acidentes em 49 dias.
 
Em abril de 1912, uma queda em Long Beach, na Califórnia, acabaria com seu sucesso. E com sua vida. Seu biplano caiu porque uma gaivota enroscou-se nos cabos de comando.
 
1960 (04/outubro) – Um Lockheed Electra [Eastern Airlines] atingiu um bando de aves após decolagem. Teve três dos quatro motores danificados, estolou e caiu. Morreram 62 pessoas.
 
1962 (23/novembro) – Um Viscount (United Airlines) colidiu com um bando de pássaros a seis mil pés. O impacto causou a separação do estabilizador horizontal. A aeronave caiu e morreram seus 18 ocupantes.
 
1993 a 2003 – Entre 1993 e 2003 foram registradas 244 colisões no Aeroporto de Guarulhos e 191 no Aeroporto do Galeão. Mas o Cenipa – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos estima que apenas 20% das colisões são reportadas, o que elevaria para, aproximadamente, 1.500 o número de colisões anuais.
 
2003 a 2004 – Entre janeiro de 2003 e junho de 2004 foram reportados ao Cenipa 460 colisões, sendo que o número de ocorrências nos grandes aeroportos brasileiros vem crescendo a cada ano.
 
2005 – Só no aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, foram cinco acidentes de maio e julho deste ano.
 
 
Aeronaves diferentes, riscos diferentes
 
Para a bióloga paulista Maria Martha Argel de Oliveira, as aves representam uma ameaça séria para as aeronaves. Entre 1912 e 1997, mais de 200 mortes no mundo todo foram atribuídas a acidentes ocorridos com aeronaves civis e militares, em decorrência de colisões com aves. "Aeronaves diferentes apresentam riscos diferentes de colisão – explica a bióloga. "E de forma geral, tanto os aviões modernos quanto os mais antigos têm características que tornam possível uma colisão. Por exemplo, muitas aeronaves antigas, ainda em serviço, não cumprem as exigências atuais quanto à resistência em caso de sucção de aves, mas continuam sendo usadas devido à expansão do mercado de viagens aéreas", lembra Argel de Oliveira.
 
Segundo a bióloga, pelas exigências atuais, os jatos modernos de grande porte devem ser capazes de aterrissar em segurança após serem atingidos, em velocidades normais de operação e em qualquer ponto, por uma ave de 4 libras (cerca de 1,8 kg)
 
No entanto, os aviões a jato são rápidos e silenciosos. "Quanto mais veloz e silenciosa a aeronave, maior o risco de colisão", diz a bióloga que é Ph. D. em Ecologia.