Poluição

Poluição luminosa ‘rouba’ cada vez mais a noite da natureza e da Humanidade

23 de novembro de 2017

  Mosaico de imagens do satélite Suomi-NPP mostra a iluminação noturna no planeta: poluição luminosa atinge área cada vez maior Foto: Noaa/Nasa       RIO – A iluminação artificial está “roubando” cada vez mais a noite na Terra, com consequências que vão muito além de atrapalhar, ou até impedir, a visão das estrelas e… Ver artigo

 

Mosaico de imagens do satélite Suomi-NPP mostra a iluminação noturna no planeta: poluição luminosa atinge área cada vez maior

Mosaico de imagens do satélite Suomi-NPP mostra a iluminação noturna no planeta: poluição luminosa atinge área cada vez maior Foto: Noaa/Nasa

 

 

 

RIO – A iluminação artificial está “roubando” cada vez mais a noite na Terra, com consequências que vão muito além de atrapalhar, ou até impedir, a visão das estrelas e constelações que encantaram, inspiraram e guiaram a Humanidade ao longo de milênios antes de seu advento, afetando animais e plantas e a saúde humana.
 
E o problema só faz aumentar. Em um amplo e inédito estudo com base em dados de satélite, uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Christopher Kyba, do Centro Alemão de Pesquisas em Geociências (GFZ), em Potsdam, mostra que a área atingida pela poluição luminosa no planeta se expandiu a um ritmo de 2,2% ao ano entre 2012 e 2016.
 
– A iluminação está se expandindo mais rápido em locais que não tinham muita luz para começar – destaca Kyba. – Isto significa que as maiores taxas de expansão estão em lugares que até agora ainda não tinham sido muito afetados pela poluição luminosa.
 
Além disso, o levantamento, publicado nesta quarta-feira no periódico “Science Advances”, verificou que mesmo com os avanços nas tecnologias de lâmpadas, como, por exemplo, a progressiva substituição das “amarelas” de vapor de sódio pelas mais eficientes “branco-azuis” de LED nas vias públicas, o consumo de energia pela iluminação artificial também subiu, o que se traduziu em um aumento geral do brilho produzido de, no mínimo, igual taxa anual de 2,2% no período.
 
Kyba ressalta ainda que este aumento no brilho geral produzido pela iluminação pública aferido no estudo é um limite mínimo, já que o instrumento usado para obter os dados, batizado VIIRS e instalado no satélite Suomi-NPP, parceria entre a Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA (Noaa) e a Nasa, não capta boa parte da luz na faixa azul gerada pelas lâmpadas LED atualmente em uso nas ruas. Outra limitação do levantamento é a própria “perspectiva” das imagens do satélite, que não permitem medir o quanto este aumento do brilho geral se “espalhou” pelo céu acima das cidades devido a luminárias mal direcionadas, mal projetadas ou mesmo deliberadamente apontadas para cima.
 
– Minhas esperanças de que a introdução das lâmpadas LED traria uma diminuição da poluição luminosa e um redesenho da iluminação pública para que ela se concentre onde é necessária, no chão, e não “vaze” para o céu, foram em grande parte frustradas – comenta Kyba ao GLOBO. – Embora algumas cidades tenham de fato feito melhorias neste sentido, encontrando novas maneiras de iluminar, as pessoas também decidiram iluminar outras coisas e áreas que antes não tinham luzes. Assim, ainda há um potencial para que a revolução na iluminação de estado sólido (tecnologia do tipo das lâmpadas de LED) economize energia e reduza a poluição luminosa, mas só se a gente não gastar estas economias em mais iluminação.
 
Com isso, os pesquisadores lembram que a poluição luminosa continuará um crescente problema para a vida de plantas, animais e a saúde humana, com o agravante de a luz nas faixas do azul, como a produzida pelas lâmpadas LED usadas na iluminação pública, ter um impacto ainda maior neste sentido. Franz Hölker, do Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce em Berlim, Alemanha, e um dos coautores do estudo, conta que a poluição luminosa já é uma ameaça para 30% das espécies de animais vertebrados e 60% das de invertebrados de hábitos noturnos, além de afetar padrões de crescimento de plantas, sua polinização por insetos e morcegos, e outras funções nos ecossistemas.
 
– Desde o surgimento da vida, o mundo biológico em grande parte se organizou em torno dos ciclos naturais de variação da lu, que desencadeiam uma ampla gama de processos, da expressão de genes ao funcionamento de ecossistemas – resume Hölker. – Assim, de uma perspectiva evolucionária, a iluminação artificial é um estressor muito novo. O problema é que a luz tem sido introduzida em locais, horas e intensidades que não ocorrem naturalmente e, para muitos organismos, não há chances dele se adaptarem a este novo estressor.