TOCANTINS
No Parque Estadual do Jalapão, um mergulho na natureza
7 de abril de 2018Com paisagem árida e intocada, região exibe dunas, cachoeiras e fervedouros
Cartão postal. Vista da Serra do Espírito Santo, onde é possível chegar ao topo – Barbara Lopes / Agência O Globo
PALMAS – "O Jalapão é bruto”, avisa o guia Cristiano Oliveira, da Jalapa Adventure, ao fechar a porta de sua 4×4, antes de dar partida rumo a uma expedição de cinco dias ao Parque Estadual do Jalapão, cenário da novela “O outro lado do paraíso”, da TV Globo. Palmas, capital do Tocantins é o ponto de partida. São necessários mais de 180 quilômetros, entretanto, para começar a perceber a veracidade da afirmação.
O asfalto que leva a Ponte Alta do Tocantins, porta de entrada da unidade de conservação, vai, aos poucos, dando lugar a estreitas estradas de terra, cercadas pela paisagem árida, ora com vegetação rasteira e poucas árvores; ora, grandes veredas; ora, incríveis chapadões. Olhar para o horizonte é ver a natureza em seu estado mais puro, tal como a palavra “bruto” é definida no dicionário.
Cânion de Sussuapara. Água escorre por fenda e forma piscina – Barbara Lopes / Agência O Globo
Com cerca de 34 mil km², o Jalapão ocupa uma área maior do que a extensão de Sergipe, e tem duas estações bem definidas. A de chuva (chamada de inverno) vai de novembro a abril, e a de seca (considerada verão), de maio a outubro. Se, no inverno, avistam-se intensos arco-íris pelo caminho, no verão, o céu azul é certeza de belo pôr do sol e noites iluminadas pelo brilho da lua e das estrelas. Além de Ponte Alta, os municípios Mateiros e São Félix do Tocantins servem como base para visitas a atrativos naturais como os famosos fervedouros, as cachoeiras e as dunas.
Fora das cidadezinhas, as paisagens são tão intocadas que não é raro aproveitar atrações sem gente, visitadas apenas por araras, tucanos, veados e outros animais da região. Por conta das condições das estradas, os lugares são acessados apenas por veículos com tração nas quatro rodas. Dê preferência à contratação de guias, já que os caminhos são mal sinalizados e o telefone não pega.
Rapel e poção na Roncadeira
Fervedouro. Águas do Buritizinho lembram o Caribe – Barbara Lopes / Agência O Globo
O primeiro atrativo fica a caminho do parque, a meia hora de Palmas, no distrito de Taquaruçu. Uma trilha em de uma propriedade particular em Área de Proteção Ambiental (APA), no Km 38 da Rodovia TO-030, dá acesso às cachoeiras Escorrega Macaco e Roncadeira (com queda de 70m). São 1.500m de caminhada leve e bem sinalizada. Na Roncadeira, os corajosos se aventuram na descida de rapel, e os menos destemidos relaxam no poção da cachoeira.
Mais adiante, o Jalapão nos aguarda. Filtro solar, chapéu e um bom repertório musical são imprescindíveis para a aventura, já que boa parte do tempo é passada dentro do carro.
De Ponte Alta a Mateiros, conexão com a natureza
Espelho. Dunas e vegetação refletem em rio – Barbara Lopes / Agência O Globo
Intocado, mas não intocável. O Jalapão consegue ativar os cinco sentidos do visitante, seja com sua escala de cores alaranjadas, o silêncio da natureza, a sensação da areia dos fervedouros, que toca a pele como uma massagem, o aroma que sai das panelas de barro da dona Olaíde ou o sabor dos frutos do cerrado. Viajar ao parque é conectar-se à natureza primária. É percorrer centenas de quilômetros sem ver uma única intervenção humana ao redor. O luxo do cenário está nas paisagens. Os meios de hospedagem são simples: algumas oferecem comodidades como ar condicionado e wi-fi.
A primeira parada é Ponte Alta do Tocantins, base para dois passeios muito conhecidos, que podem ser feitos no mesmo dia. A 12km do centro da cidade, uma pequena trilha de nível fácil leva ao Cânion do Sussuapara. Das fendas dos paredões escorre água do lençol freático, formando quedas e pequenos poços gelados. A água também verte das raízes das árvores, que funcionam como filtro natural, deixando-as limpíssimas para o consumo. Com sol, o córrego que segue os paredões ganha tons de azul, encantando ainda mais os visitantes.
Pedra Furada. Rocha arenítica com buracos – Barbara Lopes / Agência O Globo
Um bloco arenítico com nuances rosadas no meio do cerrado é a segunda atração de Ponte Alta. A Pedra Furada é famosa por proporcionar momentos incríveis no Jalapão. Ao tocar na gigantesca pedra, a areia que a compõe se desfaz nas mãos. Basta uma rápida caminhada até o mirante para ver o sol se pondo em um dos buracos da rocha. No horizonte, um morro solitário, que lembra um chapéu de gala, dá ainda mais beleza à paisagem. O mais é silêncio e paz.
Sorvete quilombola rumo às dunas
Muitos guias preferem pernoitar em Ponte Alta e seguir para a Mateiros na manhã do dia seguinte. O percurso é de 200km, mas vale desviar para conhecer a Cachoeira da Velha. São 15m de queda, e o volume das águas é tão grande que se assemelha a uma catarata. Por ali não é permitido banho. Quem quiser dar um mergulho pode seguir a pequena estrada até a Prainha do Rio Novo. Os guias aconselham que os frequentadores fiquem perto dos bancos de areia por conta das fortes correntezas subaquáticas. Neste trajeto não há restaurantes, e as agências costumam oferecer piqueniques para os clientes. Para quem passeia por conta própria, é importante já sair de Ponte Alta com sanduíches, bebidas, frutas e biscoitos. Entre um mergulho e outro, o guia Cristiano Oliveira, da Jalapa Adventure, fala sobre as histórias do lugar:
— Diz a lenda que uma velha morava às margens do Rio Novo, e sempre lavava roupa perto da cachoeira. Por isso o nome de Cachoeira da Velha. Os garotos da região iam lá tomar banho e ela sempre brigava com eles. A velha morreu, mas dizem que em noite de lua cheia aparece zanzando para assombrar a galera.
Quilombola. Crianças brincam na comunidade do Mumbuca – Barbara Lopes / Agência O Globo
É hora de partir rumo às dunas, uma das etapas mais esperadas no Jalapão. No caminho, vale parar na comunidade quilombola do Rio Novo para tomar sorvete de frutos da região: mangaba, buriti e bruto (araticum-do-cerrado), entre eles. Da estrada, avistam-se o Morro do Saca Trapo e a Serra do Espírito Santo, cuja erosão, há bilhões de anos, deu origem aos grandes morros de areia que são cartão-postal da região.
O vento foi responsável por carregar os sedimentos alaranjados da serra para o meio do parque. Uma bela paisagem surge aos olhos de quem sobe ao topo da duna mais alta, a 400m. Um mar de areia contrasta com as águas límpidas dos rios que correm ali. Ao fim do dia, o visitante é contemplado com pôr do sol no alto das dunas, que ficam ainda mais douradas, com cor de doce de leite.
DESERTO DE ÁGUAS CLARAS E FERVEDOUROS
Fervedouro Rio Sono. Fogão da dona Olaíde com comidas caseiras – Barbara Lopes / Agência O Globo
Mergulhar em um fervedouro é ter a certeza de que cada experiência será única. E depois de relaxar em quase uma dezena deles, é inevitável escolher o campeão, ou os campeões, já que a decisão pode ser difícil. Enquanto alguns chamam atenção pela transparência da água, como é o caso do Buritizinho, no estilo Mar do Caribe, outros impressionam pela pressão que sai do fundo, impedindo o banhista de afundar e, algumas vezes, até empurrando o visitante para a superfície.
É em Mateiros onde há a maior concentração deles, são cinco abertos atualmente, além da famosa Cachoeira da Formiga. Por isso, são recomendados dois dias de permanência na cidade.
— O Jalapão é considerado a caixa d’água do Brasil. O nosso lençol freático passa muito perto da camada de rocha, que tem fendas. A água, então, sobe com muita pressão no solo que é arenoso, surgindo, assim, o fervedouro. O nome deste fenômeno é ressurgência — explica Heberson Martins, secretário de Desenvolvimento econômico, Meio Ambiente e Turismo de Mateiros.
Diferentemente do que o nome sugere, os fervedouros não têm águas quentes, mas a temperatura é ideal para refrescar em um dia de sol. O primeiro a ser descoberto foi o do Ceiça. Cercado de bananeiras, lembra uma pequena ilha em meio ao verde.
A poucos metros dali, o Rio Carrapato, que fica na mesma propriedade, é um convite a um mergulho para tirar a areia do corpo. Já o fervedouro Encontro das Águas, embora bastante pequeno, é o de maior pressão. Perto dele também passam dois rios, o Sono, de temperatura fria, e o Formiga, quente, proporcionando uma sensação térmica bastante agradável.
A joia do jalapão
Cachoeira da Formiga. Com água cor de esmeralda, é a joia do Jalapão – Agência O Globo
Entre um banho e outro nas piscinas naturais, há tempo de almoçar. No fervedouro Rio Sono, a dona Olaíde Castro Tavares prepara, por encomenda ou com algum tempo de espera, uma deliciosa comida caseira. Uma porção de caranha frita, peixe de água doce muito vendido na região, é acompanhada de limões e macaxeira, também frita. Carne, massa, arroz, feijão, farofa e outros quitutes saborosíssimos fazem parte do bufê, que pode ter pequenas variações. Come-se à vontade por R$ 35. Bebidas não estão incluídas no preço, mas os amantes de cerveja encontram uma estupidamente gelada, por R$ 5 (lata), ou R$ 10 (garrafa). Depois do almoço, nada melhor do que tirar uma soneca no deque do fervedouro, que tem águas azuis claríssimas e muitos peixes.
— Quem descobriu o fervedouro foi meu sogro, que trabalhava na roça. Isso tem 40 anos. Eu e meu marido só abrimos para visitação e turismo há cinco anos, quando decidi inaugurar o restaurante. Antes disso, só nós tomávamos banho nele. Não tinha ninguém — conta Olaíde.
Perto do fervedouro Buritizinho, aquele das águas caribenhas, passa o Rio Formiga. Uma balanço preso a uma árvore vira uma espécie de parquinho para quem quer se divertir. Lá também é servido almoço. Para completar a experiência dos fervedouros, vale ir ao Buriti, que também chama atenção pela cor azul. É importante ter em mente que todos os fervedouros têm limite de pessoas, entre quatro e oito por vez, durante 20 minutos. Por estarem localizados em propriedades particulares também é cobrado valor de entrada, que varia entre R$ 20 e R$ 30.
A Cachoeira da Formiga (R$ 20) é a joia rara de Mateiros. Suas águas lembram esmeraldas, de tão verdes, e contrastam com o branco da areia do fundo. Além da queda e do poço, é possível continuar pelas águas do rio, boiando por alguns metros. Para visitar o local com poucas pessoas, ou nenhuma, uma boa opção é chegar pela manhã, bem cedo. Como as distâncias entre as atrações são longas, observar os caminhos e a beleza da natureza é bom passatempo. Na estrada que leva de volta a Mateiros, um desmoronamento em um dos morros forma um lindo coração, que só observadores atentos, como o guia Cristiano Oliveira, percebem.
Capim dourado
Capim dourado. Mandalas feitas no Quilombo do Mumbuca – Barbara Lopes / Agência O Globo
Já para quem gosta de história, a comunidade quilombola de Mumbuca é o lugar certo. Sociedade matriarcal, foram as mulheres que iniciaram a produção de artesanato com o capim dourado, típico da região. A arte é uma herança do povo indígena Xerente, que foi aos poucos se misturando com técnicas das próprias ex-escravas que fugiram da Bahia nas primeiras décadas do século passado. Hoje, homens e crianças também produzem as peças.
O capim dourado, matéria-prima, é colhido de setembro a outubro, mas começa a brilhar nos campos em julho e agosto. Na lojinha da comunidade, todas as peças têm uma etiqueta com o nome de cada artesã. São ótimas lembranças para levar dessa terra tão cheia de encantos.
Cenas da novela na entrada ou na saída de Palmas
Despedida. Pôr do sol na estrada que leva a Palmas – Barbara Lopes / Agência O Globo
Por sua localização, a cidade de São Félix do Tocantins pode ser porta de entrada ou de saída do Jalapão, pois fica a aproximadamente 260km de Palmas. É lá onde está o Bela Vista, o maior fervedouro da região e um dos locais onde foram gravadas cenas da novela “O outro lado do paraíso”. Uma plataforma em madeira muito bem conservada leva os visitantes até o oásis. Por conta da sua posição, o sol bate diretamente em suas águas ao longo do dia, ressaltando a coloração azul-esverdeada.
Cochilo no Rio Soninho
O fervedouro Alecrim, a menos de cinco minutos do centro de São Félix, também está entre os mais populares. O lugar de maior flutuação é bem no meio na piscina natural, onde há bastante pressão. Os guias recomendam que os visitantes caminhem em direção ao “buraco” sem olhar para baixo. A sensação é de cair e ser empurrado para cima com muita força. A 500m dali, a praia fluvial do Alecrim é ótima opção para passar a tarde.
Para fazer jus ao nome do Rio Soninho, que corre paralelo às areias, que tal tirar um cochilo à sombra dos guarda-sóis de palha dispostos por ali? Observar a flora, a fauna e, claro, pegar sol na beira do rio também são parte do programa. Aos sábados, domingos e feriados, o local fica cheio, mas durante a semana não há quase ninguém.
Bela Vista. Alecrim, o maior fervedouro da região – Barbara Lopes / Agência O Globo
Rafting no Rio do Sono
Na volta a Palmas, é possível “cortar caminho” se aventurando em um rafting. A empresa Novaventura cobra, para uma descida de quatro horas de duração, no Rio do Sono, R$ 250 por pessoa. As corredeiras de nível II têm águas pouco agitadas e exigem pequenas manobras, orientadas pelo instrutor.
Dá tempo de sobra para relaxar, contemplar a natureza e dar alguns mergulhos. Experimente também alguns momentos de total silêncio, apenas com o barulho da força da água e dos animais. As araras azuis são bastante comuns no trajeto.
Para fechar com chave de ouro, o rafting termina em uma pequena praia da Fazenda Estrela. O gaúcho de São Borja Hélio Fenner, 70 anos, dono da propriedade, espera os aventureiros com um farto almoço. Há saladas, carnes, frango e opções, inclusive, para vegetarianos, como um delicioso estrogonofe de legumes, mas é preciso agendar antes.
Surpresas ao pôr do sol
Entre um prato e outro, Hélio conta que chegou ali em 2010, depois de morar por mais de 30 anos em cidades de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Pretende construir uma pousada em seu terreno e investir ainda mais no turismo. Na área de sua propriedade também está a Cachoeira da Arara, com duas quedas e um poção.
— Nosso almoço virou um atrativo turístico, e como a fazenda é muito rica, tem praia, cachoeira e trilha, resolvemos que vamos investir nisso — conta ele, enquanto oferece de sobremesa aos visitantes um bom naco de rapadura.
É nesse clima doce que os turistas vão se despedindo do Jalapão. Na estrada, um lindo pôr do sol colore a paisagem. É um recado claro dos céus: a natureza e o Jalapão sempre podem te surpreender.
Serviço
COMO CHEGAR
Pela Gol, a passagem entre Rio e Palmas (ida e volta) custa R$ 562, com conexões em Brasília (ida) e Congonhas (volta). Na Latam, o voo sai a R$ 458 (via Brasília, na ida; Congonhas, na volta). Na Azul: R$ 542 (via Goiânia). Tarifas cotadas para maio.
ONDE COMER
Fervedouro do Rio do Sono. Tel: (63) 9938-4920.
Fazenda Estrela. Tels. (63) 99952-0011 ou (63) 99937-1012.
ONDE FICAR
PONTE ALTA DO TOCANTIS
Pousada Águas do Jalapão. Diárias a R$ 210. Rodovia TO-255 Km 131, s/nº. aguasdojalapao.com.br
MATEIROS
Pousada Buritis do Jalapão. Diárias a R$ 200. Rua 3, Q 5, L1.pousadaburitisdojalapao.com.br
SÃO FÉLIX DO TOCANTINS
Pousada Cachoeiras do Jalapão. Diárias R$ 210 (via booking.com). Tel. (63) 99954-4197, cachoeirasdojalapao.com.br
PASSEIOS
Roteiros. A Jalapa Adventure (jalapaadventure.com.br) tem roteiro de cinco dias com entradas, hospedagem, café da manhã, almoço e jantar por R$ 2.399. Com hospedagem em Palmas, o preço é R$ 2.599. Na Jalapão Total (jalapaototal.com), o programa de cinco dias, com entrada nos atrativos, hospedagem e três refeições, sai a R$ 2.250; ou com hospedagem em Palmas por R$ 2.450. Pela Korubo Expedições, hospedagem por cinco noites em barraca e camping desenvolvidos pela empresa, por R$ 2.580 (jalapao.com). Valores individuais, em quartos duplos.
Cachoeiras do Escorrega Macaco e Roncadeira. Acesso à trilha para cachoeiras: R$ 10. Na Roncadeira, a descida de rapel custa R$ 80.
PARQUE
Dunas. Horário de visitação: das 14h às 18h30m.
Nova taxa. Para controlar o número de visitantes ao Jalapão, lei para cobrança de taxa diária foi aprovada em Mateiros e está sendo discutida com municípios vizinhos. Ainda serão definidos valor (cerca de R$ 20) e forma de cobrança.